Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
1 de setembro de 2020

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Inciso LXV – Prisão ilegal

“A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”

PRISÃO ILEGAL

O inciso LXV do artigo 5º da Constituição determina que caso alguma pessoa seja presa ilegalmente, ela deverá ser imediatamente solta. Nesse sentido, o objetivo do inciso é garantir a liberdade, visto que a prisão é uma medida que só deve ser adotada em estrita observância aos requisitos da lei.

Quer saber mais sobre como a Constituição define este direito e por que ele é tão importante, bem como a sua e como é aplicado na prática? Continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.

O QUE É O INCISO LXV?

Imagem representando juiz | Artigo Quinto

O inciso LXV do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, garante que:

“a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”

A prisão significa a privação da liberdade de locomoção, isto é, do direito de ir e vir do indivíduo. Como essa é uma medida extrema contra a liberdade individual do cidadão, em regra ela só pode ser aplicada por ordem escrita e fundamentada emitida por autoridade judiciária competente ou em situações de flagrante delito.

As situações de flagrante delito são aquelas em que o indivíduo: 

  • está cometendo a infração penal; 
  • acaba de cometê-la; 
  • é perseguido, logo após, em situação que faça presumir ser autor da infração;
  • é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser autor da infração.

Em razão da urgência de tais situações e, consequentemente, da impossibilidade de haver previamente uma decisão escrita e fundamentada, qualquer pessoa ou as autoridades policiais estão autorizadas a prender o indivíduo mesmo sem decisão de um juiz. 

Assim, a prisão em flagrante tem caráter administrativo, isto é, ela é efetuada sem um mandado expedido por uma autoridade judiciária. Por essa razão, estará sempre sujeita à avaliação imediata de um juiz em uma audiência de custódia, que deve ocorrer dentro de 24 horas, contadas da efetivação da prisão em flagrante do indivíduo. Dessa forma, o juiz poderá analisar tanto a legalidade da prisão como a necessidade de sua manutenção.

No contexto da prisão em flagrante, caso se conclua que a medida foi ilegal, aplica-se a previsão do presente inciso, que determina o relaxamento do ato – isto é, sua invalidação – e a consequente soltura imediata da pessoa presa de forma ilegal. 

No entanto, a aplicação da norma contida no inciso LXV do artigo 5º não se limita aos casos de prisão em flagrante, na medida em que pode ocorrer ilegalidade também em outras modalidades de prisão.

Prisões ilegais são aquelas que não observam os requisitos mínimos exigidos em lei. Elas podem ocorrer em diversas situações, como:

  •  o indivíduo não estava em situação de flagrante delito; 
  • a prisão ocorre sem um mandado judicial; 
  • a prisão envolve abuso de poder; ou
  • há excesso do prazo previsto para a prisão (a título de exemplo, decorridas 24 horas da prisão em flagrante sem haver audiência de custódia).

HISTÓRICO DESSA GARANTIA

Desde a Constituição do Império, de 1824, houve previsões expressas de que nenhuma prisão poderia ser feita sem decisão escrita por autoridade legítima e que, nos casos excepcionais de flagrante delito, também deveria haver a comunicação a um juiz em 24 horas. 

Contudo, somente na Constituição de 1934 houve a primeira menção expressa ao termo “relaxamento de prisões ilegais”. Nela, assegurou-se a inviolabilidade do direito de liberdade e determinou-se que a prisão ou detenção de qualquer pessoa deveria ser imediatamente comunicada ao juiz competente, que deveria a relaxar se verificasse ilegalidade no ato da prisão.

Desde então, todas as Constituições brasileiras trouxeram dispositivos similares. Mesmo na época da ditadura militar, a Constituição de 1967 e, posteriormente, a Emenda Constitucional nº 1/1969 mantiveram a prerrogativa quanto ao relaxamento obrigatório da prisão ilegal, embora houvesse pouca correspondência entre o que diziam os textos constitucionais e a realidade. 

Após o fim do período ditatorial surgiu a Constituição Cidadã (vigente até os dias de hoje), que consolidou o Estado Democrático de Direito e reforçou o seu comprometimento com a defesa da liberdade dos indivíduos.

A IMPORTÂNCIA DO INCISO XLV

Na medida em que a prisão ilegal viola o direito fundamental à liberdade do cidadão, o inciso XLV do artigo 5º da Constituição, que determina a soltura imediata de pessoas nessa situação, tem papel fundamental. 

No relatório elaborado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) em 2017, que traz um panorama nacional do primeiro ano de implementação das audiências de custódia, constata-se que, dentre as decisões de concessão de liberdade, aquelas que se referiam à soltura imediata do indivíduo em razão da ilegalidade da prisão representavam quase 3% em Brasília, Pernambuco e Rio de Janeiro, e 14% das decisões em São Paulo. 

Números expressivos, em especial levando-se em conta a presunção de veracidade e legitimidade de atos administrativos, que costuma contribuir para que o Poder Judiciário relute em reconhecer a ilegalidade de prisões. 

Esses números apenas reforçam a importância da análise e da avaliação das prisões em flagrante por uma autoridade judicial e, consequentemente, a relevância do direito resguardado no inciso LXV do artigo 5º, uma vez que ele garante a soltura imediata da pessoa aprisionada ilegalmente. 

Dado o contexto, seria uma violação de direito que indivíduos pudessem ser presos sem que suas prisões fossem avaliadas imediatamente por um juiz – como ainda ocorria no Brasil antes da implementação das audiências de custódia – e uma violação ainda maior que não fossem imediatamente soltos mesmo depois da constatação da ilegalidade da prisão.

O INCISO LXV NA PRÁTICA

Em fevereiro de 2015, houve a instituição do Projeto de Audiência de Custódia pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Na sequência, em abril do mesmo ano, o CNJ, o MJSP e o IDDD assinaram o Termo de Cooperação Técnica n. 7 para a implementação e o monitoramento do projeto no país, já que, ao longo de 2015, todos os tribunais de justiça estaduais aderiram ao termo.

 A introdução dessas audiências fundamenta-se no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas (ONU) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ambos ratificados há décadas pelo Brasil. 

Ainda nesse contexto, a Lei n. 13.964/2019 inseriu, de uma vez por todas, a previsão das audiências de custódia no texto do Código de Processo Penal (CPP). A partir de então, o artigo 310 passou a dispor que: “Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público”. 

Dessa forma, a implementação das audiências de custódia propicia efetividade a essa garantia constitucional, na medida em que se trata de instrumento processual por meio do qual o juiz avalia a legalidade das prisões e, se for o caso, reconhece situações de ilegalidade, decidindo imediatamente pelo seu relaxamento.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o presente inciso é de grande importância para que o direito à liberdade não seja violado e para que, assim, a prisão seja uma medida adotada observando sempre, de modo rigoroso, os parâmetros definidos na lei. 


Esse conteúdo foi publicado originalmente em setembro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autores:

Anália Cristina Ferreira Brum

Mariana Mativi

Matheus Silveira


Fontes:

Instituto Mattos Filho

Artigo 5° da Constituição Federal – Senado


 

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