Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
10 de setembro de 2019

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Inciso XVIII – Livre constituição de associações

"A criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”

INCISO XVIII – LIVRE CONSTITUIÇÃO DE ASSOCIAÇÕES

A liberdade de associação é determinada pelo inciso XVII do artigo 5º da Constituição, mas a garantia da Livre Constituição de Associações está prevista apenas no inciso XVIII do mesmo artigo.

A Livre Constituição de Associações permite ao povo brasileiro criar associações sem ter que pedir autorização do Estado e sem que ele possa interferir em seu funcionamento. Essa é uma das normas jurídicas que fazem parte dos direitos fundamentais assegurados a todo cidadão brasileiro por nossa Constituição Federal (CF), promulgada em 1988. 

Este texto esclarecerá a história e a aplicação prática do inciso XVIII em nosso cotidiano e é parte do projeto Artigo Quinto, fruto da parceria entre o Instituto Mattos Filho, a Civicus e a Politize!.

O QUE DIZ O INCISO XVIII?

O artigo 5º, em seu inciso XVIII, afirma que:

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

O direito à livre constituição de associações permite que os indivíduos as criem sem a obrigação de pedir autorização do Estado e sem que ele possa interferir em seu funcionamento. 

Conforme citamos no texto do inciso XVII do artigo 5º, sobre Liberdade de Associações, uma associação é definida como qualquer união de pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as que têm finalidades lucrativas (como as sociedades empresariais), para o alcance de objetivos comuns. E todas elas têm o direito à livre constituição de associações.

Já as cooperativas são atualmente definidas pelo artigo 3º da Lei n. 5.764/1971 (que determina a Política Nacional de Cooperativismo) da seguinte forma:

Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Uma cooperativa, portanto, é uma entidade formada por pessoas que desejam viabilizar suas atividades profissionais ou econômicas  por meio do auxílio mútuo. 

Ainda que ela tenha ganhos monetários como um dos seus resultados, a cooperativa não terá o lucro como objetivo final, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nas empresas privadas.

As organizações da sociedade civil, anteriormente chamadas de organizações não governamentais (ONGs), são instituições privadas sem fins lucrativos, que têm como escopo ações de interesse público. Elas têm a possibilidade de se organizar na forma de associação e, por isso, funcionam de forma independente do Estado e administram suas atividades livremente.

A livre constituição de associações prevista no inciso XVIII permite que essas organizações – associações e cooperativas – sejam criadas sem qualquer necessidade de autorização prévia do Estado, desde que respeitadas as leis. Além disso, é vedada qualquer interferência do governo no funcionamento dessas instituições.

Portanto, conforme a livre constituição de associações, essas entidades têm o direito de se organizar, definir seus estatutos, escolher seus associados, gerir seus negócios e continuar ou encerrar suas atividades. Mais importante ainda: podem fazer tudo isso da forma como desejarem, desde que respeitando as leis do país.

Vale lembrar que, segundo o inciso XVII do artigo 5º da Constituição, qualquer indivíduo no Brasil pode se associar ou formar associações com outras pessoas desde que a finalidade dessa organização seja lícita e não tenha caráter paramilitar.

A HISTÓRIA DA LIVRE CONSTITUIÇÃO DE ASSOCIAÇÕES

Ilustração que representa uma árvore, mas com tronco e folhas formados por mãos | Livre constituição de associações – Artigo Quinto
Nem todas as constituições brasileiras citaram a livre constituição de associação | Livre constituição de associações – Artigo Quinto

A livre constituição de associações é um direito que nem sempre foi previsto nas Constituições brasileiras. A de 1824, primeira de nossa história, não tratava da liberdade de associação. 

A Constituição de 1891 foi a primeira a tratar da liberdade de associação no Brasil. A partir de então, todas as nossas Constituições asseguraram esse direito. Contudo, nos momentos ditatoriais da história brasileira, houve mecanismos para suprimir esse direito.

Apesar de parecer que a livre constituição de associações anda ao lado da liberdade de associação, a história mostra que não é bem assim. No princípio, quando as Constituições começaram a prever a liberdade de associação, havia um conjunto de normas e regras que determinavam um regime prévio de controle e autorização para o funcionamento das associações.

Embora a liberdade de associação tenha sido incorporada ao nosso ordenamento jurídico em 1891, foi somente na atual Constituição (1988) que a livre constituição de associações, sem a obrigação de autorização do Estado para sua criação e sem sua interferência no seu funcionamento, foi expressamente reconhecida no texto constitucional.

Durante a ditadura militar no Brasil, por exemplo, apesar de a Constituição de 1967 prever a liberdade de associação, a doutrina da segurança nacional dava ao poder executivo força abusiva sobre a população. Isso incluia, por exemplo, ter sua liberdade de associação suprimida pelo Estado a qualquer momento. A situação agravou-se com a instituição do Ato Institucional n. 5 (AI-5).

Foi somente depois da abertura política do país e da promulgação da Constituição de 1988 que retomamos os direitos e as garantias individuais. 

A nova Constituição garantiu plenamente o direito de associação, com regras e limites claros: a não interferência estatal no funcionamento das associações e a não obrigação de autorização para a criação dessas instituições, ambos cristalizados no inciso XVIII do artigo 5º, determinando, portanto, a livre constituição de associações.

A LIVRE CONSTITUIÇÃO DE ASSOCIAÇÕES NO COTIDIANO

A livre constituição de associações permite que instituições sejam criadas sem autorização prévia do Estado, protegendo-as contra interferências arbitrárias do governo. Então, veremos agora alguns tipos de associações que, mesmo eventualmente desagradando ao Estado, têm todo o direito de exercer suas atividades e suas reivindicações, desde que estejam em conformidade com a lei:

  • Associação de moradores do bairro: formada por moradores de uma mesma região, é administrada por uma diretoria que segue os regimentos estabelecidos pelo seu estatuto. Geralmente, oferece atividades esportivas, artísticas e locação para festas comemorativas da comunidade, além de fiscalizar serviços públicos e a infraestrutura do bairro, podendo representar os moradores perante a prefeitura e a câmara dos vereadores da cidade (artigo 5º, Inciso XXI, da Constituição) caso existam problemas na prestação de serviços de saúde, educação ou segurança da região.
  • Partidos políticos: são organizações sem fins lucrativos que reúnem pessoas com correntes de pensamento político semelhantes e que têm interesse em representar a população no sistema político. Em uma sociedade em que não existe a livre constituição de associações, os partidos com ideologias divergentes das do governo poderiam ser proibidos de existir ou sofrer represálias, ferindo a democracia.
  • Sindicatos: são associações que representam pessoas de um mesmo segmento econômico ou trabalhista e que têm como principal objetivo defender os interesses políticos, sociais e econômicos de uma categoria. Em um país em que a livre constituição de associações é inexistente, órgãos que lutam por mudanças no sistema político e econômico são subjugados, dissolvidos e considerados ilegais.
  • OSCs: popularmente conhecidas como ONGs, elas são organizações entidades privadas da sociedade civil, sem fins lucrativos, cujo propósito é defender e promover uma causa política, como direitos humanos, direitos dos animais, direitos dos indígenas, igualdade de gênero, luta contra o racismo, preservação do meio ambiente, questões urbanas e de imigração, entre outras. Essas organizações fazem parte do terceiro setor, grupo que abarca todas as entidades sem fins lucrativos (mesmo aquelas sem finalidade política). Sem a livre constituição de associações, diversas pautas ficariam relegadas somente ao Estado, sem participação da sociedade civil. As OSCs visam transmitir, engajar, cobrar, fiscalizar e ajudar o Estado nas causas que defendem.

A livre constituição de associações é regulada pelo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e pela Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973). Só pode ocorrer negação de registro de pessoas jurídicas se houver objeto social ilícito e/ou caráter paramilitar. Em relação às cooperativas, além das normas anteriores citadas, devem ser observadas as disposições específicas da Lei de Cooperativas (Lei n. 5.764/1971). 

POLÊMICA SOBRE A LIVRE CONSTITUIÇÃO DE ASSOCIAÇÕES

Câmera de segurança mirada para a esquerda. Atrás, um prédio espelhado | Livre constituição de associações – Artigo Quinto
A MP 870 trouxe polêmica por poder supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar associações | Livre constituição de associações – Artigo Quinto

O Governo Federal, no primeiro dia de janeiro de 2019, editou a Medida Provisória (MP) n. 870, que, em seu artigo 5º, previa uma nova competência à Secretaria de Governo, a de “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”.

A polêmica instaurou-se nas organizações da sociedade civil porque esse trecho da MP n. 870/2019 estaria ferindo os princípios constitucionais da liberdade de associação (artigo 5º, inciso XVII) e da livre constituição de associações (artigo 5º, inciso XVIII), já que o Estado teria a possibilidade de intervir em ações, atividades e gestão dessas instituições.

A Associação Brasileira de ONGs (Abong), em resposta à MP n. 870/2019, declarou que: 

não cabe ao Governo Federal, aos governos estaduais ou municipais supervisionar, coordenar ou mesmo monitorar as ações das organizações da sociedade civil, que têm garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal plena liberdade de atuação e de representação de suas causas e interesses. Cabe aos governos o controle sobre os recursos públicos que venham a ser objeto de parceria com as organizações da sociedade civil e, para isso, há legislação própria que define os direitos e obrigações, inclusive, de prestação de contas anuais.

Para demonstrar seu descontentamento com a limitação da livre constituição de associações, dezenas de OSCs que compõem o movimento Pacto pela Democracia assinaram uma carta endereçada ao Secretário de Governo Carlos Alberto dos Santos Cruz intitulada “Por uma sociedade civil livre e autônoma”. A carta das ONGs pedia um diálogo com o Estado sobre uma possível alteração desse texto para harmonizá-lo com a Constituição de 1988.

No dia 15 de janeiro de 2019, o partido Rede de Sustentabilidade protocolou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 6.076 no Supremo Tribunal Federal (STF) apontando a inconstitucionalidade da MP n. 870/2019. O Governo Federal, por meio da Advocacia-Geral da União, enviou, no dia 21 de março, uma manifestação rebatendo os argumentos da Rede, alegando que “não há nada [na Medida Provisória] que sugira a intervenção estatal nas ONGs e OIs.

A MP n. 870/2019 foi votada pelo Congresso no dia 9 de maio de 2019. Após pressão de diferentes entidades da sociedade civil, foi retirado do projeto o trecho que atribuía à Secretaria de Governo o poder de monitorar as atividades exercidas pelas ONGs e a ADI ficou prejudicada para o julgamento em consequência disso.

ASSOCIAÇÃO: UM DIREITO DE TODOS

A liberdade de associação, garantida nos incisos XVII a XXI do artigo 5º da Constituição Federal, é fundamental para satisfazer às necessidades plurais e coletivas da sociedade. Ela permite o agrupamento de diversas pessoas, de forma livre e voluntária, em prol de uma finalidade comum,  como causas econômicas, sociais, políticas, filantrópicas, religiosas, entre outras. 

|Em relação ao inciso XVIII, é necessário reconhecer a importância de se assegurar, expressamente, o direito à livre constituição de associações e cooperativas. É ele que garante a autonomia da existência e da gestão interna de associações e cooperativas, impedindo que o Estado interfira arbitrariamente no dia a dia de associados e cooperados.

Ao retirar a necessidade de autorização prévia para a constituição de associações, facilita-se o exercício e a efetivação desse direito fundamental, que visa garantir ao cidadão uma vida justa, livre e igualitária.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em setembro/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

 


Sobre os autores:

João Vitor Fogaça

Advogado de Organizações da sociedade civil

Talita de Carvalho

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.


Fontes:

Flávia de Campos Pinheiro. O conteúdo constitucional da liberdade de associação. Dissertação PUC-SP. 

Conteúdo Jurídico – Direito Fundamental à Livre Associação

Lex Juris – Artigo 5º todo dia

Editora Atualizar – CF88 – Art. 5º, XVII (Liberdade de Associação)

Enciclopédia jurídica da PUCSP – Liberdade de Associação 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

https://www.politize.com.br/ong-o-que-e/

Artigo Quinto – Inciso XVII – Liberdade de associação

https://gife.org.br/mp-870-2019-e-as-osc-na-nova-gestao/

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