Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
6 de outubro de 2020

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Inciso LXXI – Mandado de injunção

"Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”

MANDADO DE INJUNÇÃO

O inciso LXXI do artigo 5º da Constituição trata sobre o mandado de injunção, um “remédio constitucional” que funciona como mecanismo para que o poder legislativo seja provocado a editar uma lei que regulamente um direito garantido pela Constituição, ainda não respaldado por uma lei específica. Dessa forma, essa norma constitucional garante que os princípios constitucionais sejam, de fato, postos em prática.

Quer saber mais sobre como a Constituição define este direito, por que ele é tão importante, como é aplicado na prática e qual a sua história? Continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.

DESCOMPLICANDO O INCISO LXXI

O inciso LXXI do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, define que:

conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania

Como já apresentamos, esse inciso dispõe sobre o mandado de injunção, um remédio constitucional que funciona como mecanismo para suprir omissões inconstitucionais. Isso acontece no caso de não existir uma lei que efetive um direito que está previsto na Constituição e que necessite dessa regulamentação para ser exercido.   Nesse caso, o Poder Judiciário pode ser provocado a suprir a omissão legislativa, promulgando uma lei, para finalmente garantir o exercício do direito. Dessa forma, essa norma constitucional garante que os princípios constitucionais sejam, de fato, postos em prática.

Mas o que é injunção? Segundo o dicionário Michaelis, a palavra “injunção” significa “o ato ou efeito de injungir, de ordenar algo precisa e formalmente”. Portanto, o mandado de injunção é uma ordem de criar uma lei que coloque em prática e, assim, torne viável os direitos previstos na Constituição. Mais precisamente, esse remédio serve para suprir a falta de uma lei que dê concretude ao exercício dos direitos, às liberdades constitucionais e às garantias relacionadas à nacionalidade, à soberania e à cidadania

Isso porque, enquanto uma lei infraconstitucional (aquela de menor “força” que a Constituição) não é editada ou complementada, o exercício desses direitos é, na prática, limitado, ou mesmo impedido. Esse cenário é conhecido no direito como “inefetividade das normas constitucionais”. 

Assim, como o Poder Legislativo não editou essa lei a tempo (omissão), o Poder Judiciário pode ser provocado a declarar essa omissão e recomendar a edição da lei o quanto antes ou resolver ele próprio essa omissão. Nesse sentido, essa omissão do Poder Legislativo pode ser total – quando simplesmente não há essa norma regulamentadora – ou parcial – quando ela existe, mas é insuficiente para assegurar direitos, liberdades e prerrogativas.

Por exemplo, a Constituição garante o direito à educação. Contudo, esse direito é concretizado e posto em prática por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Portanto, é por meio da LDB que o direito à educação prometido em nossa Constituição é cumprido. 

Nesse caso, se a LDB não existisse e o direito à educação não fosse colocado em prática, caberia a obtenção  de um mandado de injunção para que o STF determinasse a edição da lei pelo Poder Legislativo ou, então, suprisse a omissão.

HISTÓRICO DO MANDADO DE INJUNÇÃO

Para lidar com a falta de efetividade de direitos fundamentais (problema antigo no direito brasileiro), a Constituição Federal de 1988 buscou uma alternativa que servisse como ferramenta para qualquer pessoa questionar quando esses direitos não fossem assegurados por uma omissão do próprio poder público. 

Como até 2016 não havia lei que regulamentasse até mesmo o próprio procedimento do mandado de injunção, por muitos anos, quando possível, utilizou-se o procedimento do mandado de segurança, previsto no artigo 24, parágrafo único, da Lei n. 8.038/1990

Na falta de lei regulamentando o procedimento do mandado de injunção e seus efeitos, o STF foi responsável por dar os seus contornos. Em um primeiro momento, ele apenas reconhecia e declarava a omissão do poder público ou estabelecia um prazo para que a autoridade competente omissa editasse uma norma regulamentadora. Essa postura é conhecida como “não concretista”, pois não dava concretude aos direitos fundamentais, isto é: o poder público poderia continuar omisso e as pessoas também continuariam não tendo seus direitos garantidos. 

Contudo, a partir de 2007, o STF passou a adotar uma postura mais ativa e intervencionista . O Tribunal entendeu que poderia solucionar a omissão diretamente com relação ao caso concreto, ou seja, solucionar a omissão do Poder Legislativo, garantindo o direito requerido pela parte que solicitou o mandado de injunção. Essa decisão do tribunal valeria, então, até que a omissão fosse finalmente sanada. 

Colocando em prática essa postura mais intervencionista, em 2008, o STF julgou mandado de injunção emblemático sobre o direito de greve dos servidores públicos. Embora esse direito deva ser assegurado a todos, não havia – e ainda não há – nenhuma lei que o regulamentasse de forma específica aos servidores públicos. 

Por conta disso, não era efetivo na prática. Entendendo que a omissão deveria ser sanada o mais rápido possível, o STF fez a declaração de omissão e, também, decidiu por aplicar as regras da greve do setor privado (mais conhecida como Lei de Greve) ao setor público.  Assim, conseguiu solucionar a questão diretamente, mesmo que sem uma norma regulamentadora desse direito específico. Essa regulamentação ainda é objeto de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, como o PLS 375/2018

A IMPORTÂNCIA DO INCISO XLVIII

O exercício dos direitos fundamentais é um dos pilares para construção de uma sociedade verdadeiramente igual, justa e democrática. Apesar disso, muitas vezes os cidadãos não conseguem fazer uso de um direito porque não há uma norma que o torne efetivo. Sem ela, o exercício do direito fica limitado. Portanto, o mandado de injunção é uma ferramenta de grande relevância para que o poder público cumpra, de fato, com as promessas constitucionais.

De acordo com o relatório Supremo em números: o múltiplo Supremo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – Direito Rio, de 2007 em diante houve um crescimento no número de mandados de injunção:

Gráfico indicando o número de processos por ano da Corte Constitucional

Isso é resultado da mudança de comportamento do STF mencionada anteriormente: 

(…) o súbito crescimento do número de mandados de injunção levou a uma progressiva ampliação quantitativa do papel ‘constitucional’ do STF. Contribuiu, com certeza, para uma mudança comportamental visível nos últimos anos: a de um Supremo mais proativo em relação ao Congresso Nacional.

Além disso, o presente inciso traz à tona um problema comum que ocorre no Brasil: se a Constituição Federal é a nossa principal norma, responsável por direcionar os comportamentos políticos e econômicos do Estado, então por que há uma ineficiência na concretização de seus princípios? Um exemplo é o “imposto sobre grandes fortunas”, previsto no artigo 153 da Constituição Federal de 1988, que nunca foi regulamentado pelo Poder Legislativo. Observamos, nesse caso, a já citada “inefetividade das normas constitucionais” em razão da falta de regulamentação. 

O INCISO LXXI NA PRÁTICA

O mandado de injunção é regulamentado pela Lei n. 13.300/2016. Além de disciplinar todo o procedimento e de definir seus limites, a lei traz novidades, como o desmembramento do mandado de injunção em  individual e coletivo:

  • Mandado de injunção individual: pode ser proposto por qualquer pessoa (física ou jurídica), em nome próprio e defendendo interesse individual. Nesse caso, o autor da ação pede que o Poder Judiciário torne viável o exercício do direito por parte do autor exclusivamente.
  • Mandado de injunção coletivo: só pode ser utilizado pelas instituições descritas na lei, como o Ministério Público ou um partido político com representação no Congresso Nacional. O mandado ainda será pedido em nome próprio, mas na defesa de interesse coletivo, ou seja, de terceiros. Apesar de não estar prevista na Constituição, essa forma sempre foi admitida pelo STF, mesmo antes da edição da lei.

Além disso, exceto em casos de concessão do benefício da gratuidade de justiça, qualquer pessoa interessada pode fazer uso desse remédio constitucional, com a assistência de um advogado. Para tanto, basta o pagamento de taxa judicial (ao contrário do que ocorre com outros remédios) e a ocorrência de uma das seguintes hipóteses: 

  • houver uma norma constitucional com eficácia limitada (ou seja, direito que ainda precisa ser efetivado e regulamentado) em um caso concreto (específico), e não abstrato (genérico); e
  • não houver norma infraconstitucional que regulamente esse mesmo direito, ou a regulamentação existente mostre-se insuficiente para permitir o seu exercício.

Apesar de sua importância, na prática o mandado de injunção ainda encontra certa resistência pelo embate entre os Poderes Judiciário e Legislativo. Esse embate deriva da tensão entre as atribuições de cada poder. Por um lado, é do Legislativo a função de legislar. Por outro, omissões constitucionais não resolvidas pelo Legislativo geram danos concretos, levando à judicialização de muitos casos. 

Neste sentido, a pergunta que fica é: até que ponto o Judiciário pode interferir nas atividades do Legislativo?

CONCLUSÃO

Mesmo com as críticas ao possível risco de o mandado de injunção tomar forma de uma medida muito extrema e reduzir o princípio da separação dos poderes, é importante observar que ele continua sendo necessário para assegurar direitos fundamentais e para, na prática, evitar prejuízos ainda maiores à sociedade. Afinal, a garantia de exercício de direitos fundamentais previstos na Constituição é essencial e deve (ou deveria) ser imediata para todos.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em outubro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

Autores:
  1. Mariana Mativi
  2. Matheus Silveira da Silva
  3. Paloma Caetano Silva Almeida

Fontes:
  1. Instituto Mattos Filho;
  2. Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;
  3. I Relatório Supremo em Números – O Múltiplo Supremo, da Fundação Getúlio Vargas – Direito Rio.

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