Checagem de fatos: um novo nicho do jornalismo

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Banner do site G1. Foto: g1 / reprodução

A informação é essencial ao exercício da cidadania: para reivindicar seus direitos e políticas públicas que considera importante, a população precisa ter acesso ao número de pessoas que é atendida nos postos de saúde, ao dinheiro gasto com obras públicas, aos projetos de lei que os vereadores estão propondo. Vivemos hoje numa sociedade que tem excesso de informação, mas nem sempre tem acesso às informações importantes, nem às verdadeiras.

Por isso, decidimos falar sobre checagem de fatos aqui no Politize!. O cidadão necessita de acesso a informações, mas mais importante ainda é que tenha contato com informações verdadeiras, contextualizadas e sem distorções. Quem provê boas informações atualmente?

O QUE É CHECAGEM DE FATOS?

Fact-cheking é, na tradução literal para o português, checagem de fatos. Essa atividade não era um nicho do jornalismo porque sempre foi uma premissa do trabalho dos jornalistas. Qualquer afirmação de um político profissional, de um CEO de uma empresa ou até mesmo de um cidadão comum deveria ser checada como verdadeira ou não. Toda e qualquer notícia, reportagem ou matéria jornalística deveria ter seus fatos completamente verificados, as fontes deveriam ser confiáveis e assim por diante.

O problema é que isso não estava sendo feito em todas as notícias e os jornais replicavam falas, afirmações, dados e números que não eram verdade – ou continham algum grau de inverdade ou exagero. O nicho jornalístico de fact-checking foi criado por uma série de motivos:

  1. antes da existência das redes sociais, o público recebia notícias por meio dos jornais, que tinham jornalistas profissionais checando – mesmo que seletivamente – as informações. Com as redes sociais, um político profissional, uma jogadora de vôlei e um sociólogo estão a um clique de distância do público – um tweet, um post no Facebook, uma foto no Instagram. Mas quem verifica as informações que eles repassam?
  2. o enxugamento das redações sobrecarrega os repórteres, que nem sempre conseguem checar todas as informações de uma matéria – afinal, os jornais ainda são uma ferramenta poderosa e de credibilidade para as pessoas;
  3. a competitividade entre os veículos de informação, que correm atrás do “furo jornalístico” – quem dá primeiro a notícia – e nem sempre checam completamente a veracidade dos fatos que publicam;
  4. o fenômeno conhecido como pós-verdade, que vamos explicar mais para frente no texto.

Fact-checking é, portanto, o ofício de conferir a veracidade das informações. Confirmar se são 100% verdade, se contêm algum exagero, algum dado inflado ou diminuído, a fonte de certa informação, o método de coleta de um dado ou estatística, etc.

Leia também: direito de resposta!

COMO SURGIU A CHECAGEM DE FATOS?

O fact-checking hoje é uma especialidade do jornalismo e inspirou a criação de diversas agências, espalhadas por todo o mundo – são pelo menos 114 times de checagem de fatos em 47 países. Surgiu da urgência que muitos jornalistas viam em fazer um trabalho de apuração mais minucioso e não simplesmente replicar falas, informações e dados como fatos.

Veja neste mapa da Duke’s Reporter Lab a quantidade de agências de fact-checking no mundo!

A história do fact-checking começou em 1991, quando o jornalista Brooks Jackson recebeu, em sua redação na CNN em Washington (EUA), a tarefa de checar a veracidade dos anúncios de TV dos candidatos à presidência do país na época, Bill Clinton e George Bush. Ele fundou, então, a primeira agência de checagem de propaganda eleitoral: a “Ad Police”. Seu trabalho teve tanto sucesso que fundou, em 2003, o primeiro site independente de checagem de fatos, o FactCheck.org. Daí em diante, várias outras agências foram sendo criadas.

No Brasil, existem algumas plataformas dedidcas ao fact-checking, entre elas: a Lupa, o Aos Fatos e o Truco – uma parceria entre a Agência Pública e o blog Congresso em Foco. A primeira experiência brasileira com a checagem de fatos foi em 2010, durante as campanhas eleitorais, num projeto do jornal Folha de S. Paulo chamado Mentirômetro e Processômetro, que verificava o grau de veracidade de declarações dos políticos.

O site Aos Fatos é a primeira plataforma no Brasil que se dedica exclusivamente à checagem de fatos e foi criado em julho de 2015, atuando fortemente até hoje em questões de interesse público. A Agência Lupa – cujo portal está hospedado no site da revista Piauí – foi a primeira agência de checagem de fatos brasileira, isto é, uma equipe de jornalistas que produz conteúdo e pode revendê-lo a parceiros e outros veículos de informação. Surgiu em novembro de 2015 e faz a checagem de notícias sobre política, economia, educação, saúde, cultura, entre várias outras.

Porém, já em 2014, a jornalista e fundadora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila, mantinha um blog chamado Preto no Branco, no jornal O Globo. O blog era dedicado à checagem das falas dos candidatos à presidência naquele ano e dos candidatos a governador de seis estados. Constataram algum erro, seja total ou parcial, em 48% das afirmações dos candidatos – imagine uma eleição sem qualquer mentira ou quase-mentira, como seria melhor para a população.

Oficina de edição e checagem durante o Festival Piauí GloboNews de Jornalismo Colégio Dante, em São Paulo. Foto: Rodrigo Pádula / Wiki Commons

O que é a pós-verdade?

Notícia falsa sempre existiu e hoje inclusive é uma fonte de dinheiro para sites que de dedicam exclusivamente a publicar notícias com manchetes falsas, exageradas ou incorretas, atraindo o clique dos leitores – como mostra esta reportagem da Folha de São Paulo. Mas por que parece que as pessoas replicam matérias com manchetes sensacionalistas e, às vezes, claramente falsas?

Porque elas acreditam naquilo ou desejam muito que aquele fato seja verdadeiro – mais vale a crença pessoal do que o fato. Esse é o fenômeno da pós-verdade, eleita a palavra do ano em 2016 pelo dicionário Oxford. Mais objetivamente, a definição do Oxford é: um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.

Um talk show realizado pela Associação Nacional de Editores de Revista (ANER), mediado pela jornalista Monica Waldvogel, o presidente da ANER, Fábio Gallo; Marcelo Rech, da Associação Nacional de Jornais (ANJ), e Paulo Tonet, presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Foto: ANER / Reprodução

Pós-verdade, a eleição de Trump e o Brexit

De acordo com o dicionário Oxford, o termo foi amplamente utilizado ao analisar duas situações: o Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia – e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Percebeu-se, na época desses dois eventos, que notícias falsas eram tão compartilhadas quanto as verdadeiras.

Notícias como a de que o Papa Francisco apoiava a candidatura de Donald Trump fizeram muito sucesso, mesmo depois de fontes oficiais desmentirem a questão. Durante o Brexit, foi divulgada uma inverdade também amplamente aceita, de que a permanência da União Europeia custava 470 milhões de dólares por semana ao Reino Unido.

Essa onda fez com que o número de agências com o objetivo de barrar as notícias falsas crescesse muito, principalmente nos Estados Unidos. Desde 2014, em três anos, o número de grupos de fact-cheking aumentou em 2,5 vezes, segundo o Duke’s Reporters Lab. No início de 2016, eram 41 plataformas de checagem nos Estados Unidos; com as eleições presidenciais, agências foram criadas exclusivamente para cobrir esse processo. No dia da eleição de Donald Trump, havia 53. Atualmente, são 43, pois várias dessas agências criadas para as eleições fecharam.

QUAL O MÉTODO UTILIZADO PARA CHECAGEM DE FATOS?

Não há uma maneira única de checar fatos, então cada agência pode escolher o seu. Utilizaremos aqui o exemplo da Agência Lupa,  por ser mais coerente à realidade brasileira. Sua metodologia segue oito passos:

  • Observação diária de noticiários – revistas, jornais, rádio e televisão – sobre o que estão dizendo os políticos, as celebridades e pessoas relevantes socialmente. Suas frases serão “a matéria-prima” da checagem;
  • Ao selecionar a frase, a equipe da Lupa coloca três critérios: destaque nacional, assuntos de interesse público e que tenham ganhado destaque na mídia;
  • Levantamento de “tudo” o que já foi publicado sobre a questão – nas mídias, jornais e internet;
  • Consulta a bases de dados oficiais e sai à busca de informações que são – ou deveriam ser – públicas;
  • Caso não haja uma resposta concreta à pergunta ou certeza sobre a veracidade da informação, o repórter contata as assessorias de imprensa ou recorre à Lei de Acesso à Informação;
  • Recorrer a especialistas na área, para que contextualizem o fato e evitem a má interpretação de dados e números;
  • Por último, contata a pessoa que está sendo checada, dando-lhe a oportunidade de se pronunciar na matéria.

Assim, o repórter da Agência Lupa classifica a informação, o dado ou um número como:

  • Falso – completamente mentiroso;
  • Contraditório – a mesma fonte já forneceu uma informação contraditória a essa;
  • Verdadeira – completamente correta;
  • Ainda é cedo para dizer – pode vir a ser verdade, mas ainda não é;
  • Exagerado – a informação foi “inflada” pela pessoa, apesar de estar “no camiho certo”;
  • Insustentável – não existem dados públicos que a comprovem;
  • Verdadeiro, mas – apesar de verdadeira, a informação precisa de complemento e contexto;
  • De olho – significa que a agência ficará monitorando o assunto ou a pessoa.
Portal da Agência Lupa, a primeira agência de fact-checking do país. Na foto, a diretora da Agência fala sobre o combate a notícias falsas. Foto: Agência Lupa / Reprodução

OS CHECADORES DE FATOS TÊM REGRAS?

Uma Rede Internacional de Fact-Checkers foi criada pela Poynter, instituição que visa à constante melhora do jornalismo no mundo inteiro, desde 1975. Em 2016, os jornalistas dessa rede se reuniram e criaram um “manual de ética de para fact-checking”. O código de princípios da Poynter pode ser seguido por outros jornalistas e profissionais que lidam com informações do meio político, econômico e de interesse público.

  1. Comprometimento com a não-partidarização e justiça. Usar o mesmo padrão para toda checagem, independente da pessoa, do partido político e de sua ideologia. Todos os checados devem passar por um processo único e justo. Nem podem tomar partido ou opinar nos assuntos que checam.
  2. Comprometimento com a transparência de fontes. A fim de possibilitar que o próprio leitor cheque as informações dadas pelo veículo.
  3. Comprometimento com a transparência de financiamento da agência e da organização. Além de divulgar como funciona a captação de recursos da agência, caso venha a receber dinheiro de outra empresa, o financiador jamais poderá influenciar na maneira de trabalho de checagem de fatos.
  4. Comprometimento com a transparência da metodologia. Explicação clara de como é o método de checagem de fatos, desde a escrita até a publicação.
  5. Comprometimento com correções abertas e honestas. Publicação das políticas de correção da agência e publicar correções, visando a alertar leitores sobre possíveis erros e garantindo que tenham em mente a informação mais correta.

Fontes:

Tai Nalon, jornalista, diretora do Aos Fatos; TED talk: “Notícia Falsa Mata – formemos agora um exército de checadores” –  da Cristina Tardáguila – TEDxBlumenau; Código de princípios da Poynter; Histórias de São Paulo e Fact-Checking; Aos Fatos; Reporter’s Lab – Fact-Checking; Reporter’s Lab – Fact-Checking Category; Fact-check.com – Missão; Artigo do Reporter’s Lab; Revista Piauí  – “Os Riscos do Fact-Checking”; Agência Lupa – “De onde vem o fact-checking”; The Washington Times – “Oito exemplos em que fact-checking virou opinião”; Agência Lupa; Wikipedia; Aos Fatos – especiais eleições 2016; The New Yorker – “Por que fatos não mudam a nossa cabeça”;

Então, você conhecia a prática do fact-checking? Acha importante? Deixe seu comentário!

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Sou uma jornalista brasileira procurando ouvir ideias e histórias originais, peculiares e corajosas. Trabalhando como estrategista de marcas, desenvolvo narrativas que buscam emanar o que há de mais autêntico e verdadeiro nas pessoas, marcas e negócios, criando conexão através da emoção e identificação. Hoje, minha principal atuação é como estrategista de marcas na Molde, construindo marcas que redefinam realidades e gerem impacto. Como profissional autônoma atuo com a gestão de marca do estúdio de design de produto HOSTINS—BORGES, colaboro regularmente com a FutureTravel, uma publicação digital baseada em Barcelona, e preparo palestrantes no TEDxBlumenau como voluntária desde 2016.

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29 mar. 2024

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