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Estatuto da Criança e do Adolescente: quais direitos o ECA garante?

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Estatuto da Criança e do Adolescente: quais direitos o ECA garante?
Caminhada pela celebração do 27º ano de publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em Salvador. Foto: SECOM

No ano de 2019, segundo o IBGE, aproximadamente 1,8 milhões de crianças estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. Três anos antes, a mesma pesquisa indicava que 2,1 milhões de crianças se encontravam em tal situação. Apesar da redução no número, os dados ainda não estão de acordo com o indicado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para além disso, você sabe quais outros direitos da criança e do adolescente são garantidos pelo Estatuto?

Nesse post, você poderá conhecer mais sobre os direitos da infância e da juventude presentes no ECA e quais os impactos destes para a realidade infantil brasileira.

Leia mais: Direitos da Criança e do Adolescente: o que são e como são estruturados nos Brasil?

O QUE É O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE?

Em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, crianças e adolescentes passaram a possuir direitos próprios no Brasil. Isso porque, antes do Estatuto, os direitos dessa parcela da população não estavam explícitos. O que acontecia na prática era que a Constituição Federal também resolvia as questões dos menores de idade. Foi preciso esse pequeno livro, com regras, direitos e deveres, para dispor a respeito de princípios básicos às crianças e adolescentes brasileiros.

O estatuto nada mais é que uma Constituição que prevê a esse grupo todos os direitos humanos fundamentais, como à educação, ao lazer, à dignidade, à saúde, à convivência familiar e comunitária, aos objetos pessoais.

Entretanto, ele inovou ao trazer em um conjunto de leis próprias do país os princípios aprovados na Convenção sobre os Direitos da Criança – aprovado e assinado pelo Brasil na ONU em 1989. À época, ele foi considerado um conjunto de leis progressista, tornando-se referência aos outros países da América Latina.

Leia mais: a evolução dos direitos humanos no Brasil.

QUAL A SUA IMPORTÂNCIA PARA AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES BRASILEIROS?

Antes do ECA, as crianças e adolescentes não eram vistos como sujeitos! Isso porque, sem o Estatuto, as crianças e adolescentes não eram vistos como pessoas, nem culturalmente nem pelo próprio ordenamento jurídico, ou seja, pelas leis.

Essa foi a primeira mudança drástica trazida pelo ECA: as crianças e adolescentes passariam a ser sujeitos de direitos – ou seja, resguardados pelas leis brasileiras – e na condição de pessoas em desenvolvimento.

Entretanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente também gerou certas polêmicas. Uma dessas polêmicas até hoje é a proibição da tortura em qualquer medida, inclusive a famosa “palmada”.

O artigo 18 é claro: “a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto”. Essa medida, por mais polêmica que seja, foi meramente conceder à criança e ao adolescente o status de pessoa, já que o Código Penal (de 1940) já vetava qualquer forma de agressão e tortura entre seres humanos.

Outra mudança importante diz respeito à segregação social de crianças e adolescentes referentes ao antigo Código de Menores. Além de banir o termo “menor” em qualquer circunstância, o Estatuto se tornou universal ao incluir todas as crianças e adolescentes nas suas normas. Assim, o estatuto passou a representar as crianças e os adolescentes independente de sua origem, cor, crença, religião, classe social, situação econômica e familiar.

Mas o que exatamente era o Código de Menores?

ESTATUTO DO MENOR: AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES ABANDONADOS E A TUTELA DO ESTADO

Estatuto da Criança e do Adolescente: quais direitos o ECA garante?
As instituições de acolhimento abrigam cerca de 400 crianças e adolescentes no Distrito Federal. Foto: Andre Borges/Agência Brasília

A lei que falava sobre o tratamento com a criança e o adolescente antes do estatuto era o Código do Menor, que valia aos “adolescentes de segunda classe” – os “menores”. Herança da ditadura militar, o código levava ao tratamento com crianças e adolescentes a sua ideologia de vigilância, com políticas de fiscalização e, muitas vezes, tortura.

Os chamados “menores abandonados”, que cometiam delitos, faziam uso de drogas ou estavam envolvidos com o tráfico nas comunidades, estavam sujeitos a essas políticas de repressão. Além disso, a qualquer momento poderiam ser retirados de suas famílias por decisões dos juízes de família, que eram a autoridade máxima sobre o assunto.

Nesses casos, as crianças e adolescentes passavam a ficar sob a tutela do Estado e eram enviados a abrigos e orfanatos. Uma vez institucionalizados, não haveria muita perspectiva para eles. Isso porque, sob os cuidados do Estado, seria difícil a reintegração na sua própria família ou mesmo em famílias adotivas.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente mudou essa perspectiva ao garantir uma prioridade à vida das crianças e dos adolescentes: a convivência familiar. Entendeu-se que como seres em desenvolvimento lhes é essencial uma estrutura familiar saudável e convívio harmonioso, o que deve estar em primeiro plano.

Hoje, é uma prioridade que crianças e adolescentes permaneçam em suas famílias! E, quando houver problemas e situações excepcionais, que sejam atendidas por assistentes sociais, visando a resolver os problemas dentro daqueles núcleos familiares.

Só então, quando todas as chances forem gastas, as crianças e adolescentes podem ser retiradas de seus lares – pela sua própria segurança e bem-estar. Assim, o Estatuto previne decisões arbitrárias e autoritárias dos juízes sobre o destino dessas crianças.

COMO ERA A SITUAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ANTES E DEPOIS DO ESTATUTO?

Em quase trinta anos de existência, a situação das crianças e adolescentes brasileiros melhorou muito. Infelizmente, antes da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente não eram feitas pesquisas nem levantamentos sobre essa situação. Por isso, as comparações são difíceis de serem feitas!

Culturalmente, a avaliação é de uma mudança drástica: os antes chamados “menores infratores”, mostrados pela mídia com tarjas nos olhos, passariam a ter sua imagem preservada e maior atenção das políticas públicas do Estado.

Para além disso, o Fundo das Nações Unidas para a Infância preparou um relatório sobre os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. O relatório mensurou as mudanças que o ECA trouxe à realidade brasileira. Então, vamos entendê-lo?

Criminalidade

Como se sabe, a Constituição Federal prevê que somente pessoas maiores de 18 anos, adultos, sejam presos por algum crime que cometeram. O modelo apresentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se chama modelo de responsabilização penal: caso um adolescente entre 12 e 18 anos tenha cometido algum ato infracional, ele será responsabilizado de maneira proporcional ao que cometeu.

Outro fator importante a ser destacado foi a criação de medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes que tenham cometido alguma infração, como:

  1. advertência verbal;
  2. obrigação de reparar o dano, no caso de dano ao patrimônio;
  3. trabalhos comunitários: com tempo máximo de 6 meses, sendo 8 horas semanais, sem atrapalhar estudos ou trabalhos.

Para atos infracionais mais graves, há outras penas possíveis. A última delas, a internação é aplicada em caso de “brevidade” – sem ter um tempo de sentença decretado (mínimo de 6 meses e máximo de 3 anos)-  e em caso de excepcionalidade, com infrações como estupro, roubo, homicídio, entre outros.

Neste caso, os adolescentes são levados para um internato de reabilitação social, para cumprir medidas socioeducativas. Em todos os estados brasileiros, há instituições destinadas a esse fim. Em São Paulo, por exemplo, é a atual Fundação CASA.

Mortalidade Infantil

O Brasil é um país referência em termos de mortalidade infantil, pois conseguiu reduzi-la abruptamente em um curto espaço de tempo. Entre 1990 e 2012, a taxa caiu 68,4%, chegando a 14,9 mortes para cada 1.000 nascidos vivos, de acordo com o Ministério da Saúde.

Esse número é bastante próximo do nível considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 10 mortes por 1.000 nascidos vivos. Isso se deve à implementação de políticas públicas na área da saúde, buscando o atendimento de gestantes, a prevenção de doenças e a universalização do acesso a vacinas, como o exemplo da campanha do Zé Gotinha, uma vacina contra a paralisia infantil (poliomelite).

Trabalho Infantil

As crianças e adolescentes que realizam trabalho infantil no país tem nome e rosto: pobres, negros, pardos, quilombolas e indígenas.

De tal forma, antes do Estatuto, pessoas com mais de 14 anos podiam trabalhar, mas não havia lei que ditasse as normas, deixando-lhes expostos à exploração de sua mão-de-obra.

De 2004 a 2015, o trabalho infantil caiu pela metade no Brasil: de 5,3 milhões para 2,7 milhões, de acordo com o IBGE. Entretanto, tal redução foi bastante desigual entre setores e regiões!

Na realidade, enquanto o Nordeste apresentou a maior redução do trabalho infantil (58%), no Sudeste a taxa caiu apenas 38% no mesmo período mencionado. Vale dizer que hoje a região Sudeste lidera a concentração de crianças e adolescentes que trabalham – 854 mil.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o número atual de crianças e adolescentes trabalhando no Brasil representa quase 2% do existente no mundo.

Leia mais: a escravidão ainda existe no Brasil?

Educação

O direito à educação é uma das prioridades do Estatuto, e também pode ser visto como responsável pela queda nas taxas de trabalho infantil!

Em 1990, ano de implementação do estatuto, quase 20% das crianças estavam fora da escola! Em 2013, essa taxa era de 7%.

O ingresso das crianças nas escolas fez com que a taxa de analfabetismo também diminuísse 88,8%: de 12,5% em 1990 para 1,4% em 2013. Entre os adolescentes negros, a taxa de analfabetismo diminuiu ainda mais: de 17,8% passou para 1,5%.

Os desafios na educação brasileira, principalmente a pública, ainda são muitos: o acesso ainda não é universal, apesar de ter melhorado muito. Mais de 3 milhões de meninos e meninas ainda estão fora da escola, em sua maioria pobres, negros, indígenas e quilombolas.

Podemos afirmar que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi um marco para o país. No entanto, mais importante ainda é adaptar as leis e normas à realidade brasileira, ano após ano.

Afinal, a legislação deve acompanhar as condições em que crianças e adolescentes vivem, seja em oportunidade de ingresso e acesso às escolas, ao lazer e à saúde, bem como à reabilitação de adolescentes infratores, concedendo-lhes as oportunidades de ressocialização.

Então, ficou com alguma dúvida sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente? Deixe nos comentários para nós!

Última atualização em 12 de agosto de 2019.

REFERÊNCIAS

Âmbito Jurídico: Direito Penal Juvenil. 

Câmara dos Deputados: Estatuto da Criança e do Adolescente

Declaração Universal Direitos das Crianças

Fundação Telefônica: Código de Menores X ECA.

Janiere Portela Leite Paes: O Código de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Rede Peteca: Mapa do Trabalho Infantil.

UNICEF: 30 aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança.

UNICEF: Relatório ECA 25 anos.

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1 comentário em “Estatuto da Criança e do Adolescente: quais direitos o ECA garante?”

  1. Giovana D'Espindula

    Bom dia:
    Ao ler essa matéria eu senti falta dos deveres de crianças e adolescentes. Quem lê esse artigo vai pensar que o ECA só tem o direitos, mas ela tb tem os deveres.
    Se os deveres estão implícitos, melhor colocá-las bem explicitas para que possamos entender melhor essa parte tb.
    Desde já agradeço.

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Sou uma jornalista brasileira procurando ouvir ideias e histórias originais, peculiares e corajosas. Trabalhando como estrategista de marcas, desenvolvo narrativas que buscam emanar o que há de mais autêntico e verdadeiro nas pessoas, marcas e negócios, criando conexão através da emoção e identificação. Hoje, minha principal atuação é como estrategista de marcas na Molde, construindo marcas que redefinam realidades e gerem impacto. Como profissional autônoma atuo com a gestão de marca do estúdio de design de produto HOSTINS—BORGES, colaboro regularmente com a FutureTravel, uma publicação digital baseada em Barcelona, e preparo palestrantes no TEDxBlumenau como voluntária desde 2016.

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