,

Você sabe o que é luta antimanicomial? 

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!

Conteúdo atualizado em 18 de maio de 2021.

Dia Nacional de Luta Antimanicomial é comemorado com eventos culturais no Parque da Cidade, 2014. (Fonte: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil).

18 de maio é considerado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Você sabe quais são as diretrizes das políticas públicas para pessoas com problemas de saúde mental? Vamos entender o que é a luta antimanicomial e como ela se reflete nas políticas brasileiras para essa área.

FRANCO BESAGLIA E A REFORMA NO SISTEMA DE SAÚDE MENTAL

Franco Basaglia foi um psiquiatra, reformulador do modelo de tratamento aplicado em instituições psiquiátricas até então, e referência global na luta antimanicomial. Basaglia nasceu em Veneza em 1924 e faleceu em 1980 na mesma cidade.

Durante os anos sessenta, ele dirigiu o Hospital Psiquiátrico de Gorizia e ali testemunhou uma série de abusos e negligências no tratamento dos enfermos. Por esse motivo, Basaglia promoveu junto a um corpo de psiquiatras, mudanças práticas e teóricas no tratamento de seus pacientes, conhecidas como Psiquiatria Democrática, ou o movimento de “negação à psiquiatria”, que deu origem à luta antimanicomial.

Basaglia concluiu que a psiquiatria não era suficiente para tratar o paciente e que o isolamento e a internação em manicômios poderiam até mesmo agravar a condição dos pacientes. Portanto, seria necessário remodelar a estrutura psiquiátrica tal como era conhecida. O tratamento manicomial deveria ser substituído por atendimentos terapêuticos através de centros comunitários, centros de convivências e tratamento ambulatorial.

Assim, Basaglia negou a prática da cultura médica que toma o paciente como objeto de observação, destituído de direitos enquanto cidadão e ser humano. Em 1968, ele publicou “A Instituição Negada”, onde expôs parte de suas práticas realizadas no Hospital Psiquiátrico de Gorizia.

No ano de 1973, após a reformulação no tratamento psiquiátrico, Basaglia dirigiu o Hospital Psiquiátrico de Trieste; este viria a ser a principal referência mundial para a reformulação da assistência em saúde mental, credenciado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Em 1978, foi aprovada na Itália a Lei 180, ou Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana, que veio a influenciar o modelo de tratamento e a luta pelo fim de instituições manicomiais ao redor do mundo. Ela serviu como referência para a Reformulação do Sistema Psiquiátrico no Brasil, que ainda hoje se encontra em formas de adequação.

POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E A LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL

No fim da década de 70, muitos movimentos ligados à saúde denunciaram abusos cometidos em instituições psiquiátricas, além da precarização das condições de trabalho, reflexo do caráter autoritário do governo no interior de tais instituições. A partir daí, surgiram movimentos de trabalhadores de saúde mental, que colocaram em evidência a necessidade de uma reforma psiquiátrica no Brasil. O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) – que contou com a participação popular, inclusive de familiares de pacientes – e o Movimento Sanitário foram dois dos maiores responsáveis por essa iniciativa.

Em 18 de Maio em 1987, foi realizado um encontro de grupos favoráveis a políticas antimanicomiais. Nesse encontro, surgiu a proposta de reformar o sistema psiquiátrico brasileiro. Pela relevância daquele encontro, a data de 18 de maio tornou-se o dia de Luta Antimanicomial.

REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL: PRINCIPAIS PONTOS

luta-antimanicomial

Com o intuito de acabar com os manicômios, o projeto de reforma psiquiátrica no Brasil visava substituir, aos poucos, o tratamento dado até então por serviços comunitários. O paciente seria encorajado a um exercício maior de cidadania, fortalecendo seus vínculos familiares e sociais, e nunca sendo isolado destes. A partir da reforma, o Estado não poderia construir e nem mesmo contratar serviços de hospitais psiquiátricos. Em substituição às internações, os pacientes teriam acesso a atendimentos psicológicos, atividades alternativas de lazer, e tratamentos menos invasivos do que aqueles que eram dados. A família, aqui, teria papel fundamental na recuperação do paciente, sendo a principal responsável por ele.

O Movimento de Luta Antimanicomial consistiu em um diálogo de conscientização com as instituições legais e com os cidadãos ao elaborar o discurso de que os portadores de transtornos mentais não representam ameaça ou risco ao círculo social. Ao contrário, este seria um grande componente para sua recuperação. Por outro lado, seria necessário uma reeducação no modo de compreender os transtornos mentais, não como um estigma, mas um modo alternativo de ver e estar no mundo. O respeito e a conscientização seriam armas necessárias para reformular o modo como os pacientes eram tratados até aquele momento, dentro e fora de instituições responsáveis pelo tratamento.

É importante ressaltar que a reforma psiquiátrica teve início nos anos 80 e ainda hoje não foi completada. A luta pela reforma e a garantia de que a nova legislação (mais abaixo falamos dela) seja aplicada ainda é uma questão a ser discutida e constantemente relembrada, uma vez que ainda existem muitos hospitais psiquiátricos no Brasil, acumulando relatos de abusos, e inúmeros casos de mortes por negligência.  Entre os anos de 2006 e 2009 foram notificadas 233 mortes em lugares como esse apenas em Sorocaba (SP). 

REDE DE ATENÇÃO À SAUDE MENTAL E OS CENTROS DE AÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS)

luta-antimanicomial-caps

Na década de 90, novas soluções foram aplicadas para a saúde mental. Aos poucos, o Ministério da Saúde substituiu o tratamento em hospitais por atendimentos comunitários.

Através das Leis Federais 8.080/1990 e 8.142/90, foi instituída a rede de atenção à saúde mental, junto com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde). As leis atribuíram ao Estado a responsabilidade de promover um tratamento em comunidade, possibilitando a livre circulação dos pacientes e não mais a internação e o isolamento, contando com os serviços de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III).

Os CAPS, que foram criados em 1992, são serviços públicos oferecidos em unidades regionais, que oferecem tratamentos intensivos, semi-intensivos e não intensivos. No tratamento intensivo, são oferecidos atendimentos diários com objetivo de reinserir o paciente na sociedade. Havendo necessidade de internação, é o próprio CAPS que encaminha o paciente para leitos de saúde mental em hospitais que oferecem internação de curto prazo. Esses serviços de internação fazem parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que têm como função substituir a internação em asilos, priorizando um tratamento que visa a autonomia do paciente e o respeito à cidadania.

Fruto do movimento pelo fim das internações compulsórias, o CAPS tem como ferramentas o atendimento individualizado, com rodas de conversa, oficinas artísticas e o tratamento terapêutico individual e em grupo. Busca-se oferecer um tratamento ambulatorial mais humanizado, no lugar de hospitais psiquiátricos e longas internações.

LEI PAULO DELGADO (10.216/2001)

A Lei Paulo Delgado faz parte da Reforma iniciada na década de 70. Ela foi promulgada apenas em 2001, com o intuito de garantir os direitos de pacientes portadores de transtornos mentais a receberem atendimentos menos invasivos e priorizando o tratamento através da reinserção na família, no trabalho e na comunidade. Os pacientes passam a ter direito a informações a respeito de sua condição e sobre os tratamentos possíveis, além de estar protegidos contra qualquer abuso e exploração.

A lei também impede que sejam feitas internações compulsórias, ou seja, feitas sem o consentimento do paciente ou de terceiros (familiares e responsáveis). Estas devem feitas apenas após laudo médico, em casos de extrema urgência, quando o paciente é tido como uma ameaça para si e para terceiros. Nesses casos, o médico é obrigado a notificar o Ministério Público sobre a internação e depois sobre a alta do paciente.

A reforma psiquiátrica tem como objetivo dar voz ao paciente no que concerne aos seus interesses e o tratamento que pode ser mais adequado para ele. Todo diagnóstico e terapia devem depender de seu consentimento ou de sua família. O paciente deixaria então de ser um objeto, para se tornar protagonista da busca pelo seu próprio bem estar. No entanto, ainda existem em torno de 160 hospitais psiquiátricos no Brasil, com mais de 20.000 leitos. E não há previsão para serem fechados.

E você, acha a luta antimanicomial importante? Deixe sua opinião nos comentários!

 

 

 

 

 

GoCache ajuda a servir este conteúdo com mais velocidade e segurança

5 comentários em “Você sabe o que é luta antimanicomial? ”

  1. Alexandre Carvalho de Faria

    Ainda hoje com todo história da luta antimacomial e tudo de bom que ela conseguir conquistar enfrentamos como usuários em certos municípios dentro da RAPS a não participação nas discussões dentro da construção das políticas públicas para uma formação melhor e sempre em crescimento da RAPS somos tratados como meros pacientes que não tem voz infelizmente bons profissionais ajudam a emancipar usuários e famíliares dentro da luta nós municípios coaptados por maus gestores municipais e dentro da saúde mental usuários não tem voz não passam e informam da força que temos dentro dos nossos direitos para sim lutar comprar e defender a saúde mental por isso temos muitos usuários e familiares apáticos dentro da luta se tratando que o profissional e um elo de suma importância nesta concentração para dar o empoderamento de luta para usuários e familiares sendo o profissional o ponto de referência dentro da RAPS sem está conscientização não temos luta e uma perca lastimável para defesa e construção cada vez mais da RAPS do país um erro que pode vir a custar caro mais a frente muito obrigado

  2. Perguntas:Vc acredita que o pedófilo, o assassino compulsivo, vão escolher por conta própria buscar tratamento ao invés de matar mais ainda? Os familiares ñ tem poder decisão p se caso de uma necessidade interná-los, somente o médico c um laudo: Vc acredita mesmo que a rede pública vai ter condições de atender esse tipo de demanda sendo que ñ foi criado nenhuma estrutura p isso? Quem será responsabilizado pelas mortes que, numa crise de loucura um desses assassinos possam vir a cometerem?

    1. Miriam, sua fala em si possui diversos problemas. Podemos começar pelo ponto de que você está colocando criminosos no mesmo balaio que pessoas em sofrimento mental. Talvez seja necessário rever alguns conceitos.

  3. Primeiramente, estamos falando da área da saúde mental, o que implica em políticas públicas psiquiátricas humanizadas. Não estamos falando sobre a área criminalista, que já é outra competência. Caso alguém cometa algum crime, este mesmo será julgado de acordo com a lei, não é? Independente se esse indivíduo tenha algum transtorno psiquiátrico ou não.
    Segundamente, ser um criminoso (assassino, pedófilo, estelionatário, etc.) não significa automaticamente ser um paciente psiquiátrico, e vice-versa.
    A luta vem para trazer atendimento humanizado para esses pacientes, e compará-los à possíveis criminosos não é nada mais, nada menos, que o estigma e o preconceito que esses pacientes sofrem pela sociedade.
    Se algum criminoso tiver problemas mentais, ele será preso, e cumprirá a pena correspondente, como a lei prevê.

  4. Miriam, sua fala em si possui diversos problemas. Podemos começar pelo ponto de que você está colocando criminosos no mesmo balaio que pessoas em sofrimento mental. Talvez seja necessário rever alguns conceitos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Arte Educador e dramaturgo, formado em Artes do Corpo pela PUC-SP. Atualmente, estou cursando uma segunda graduação em Ciências Sociais, também, pela PUC-SP.

Você sabe o que é luta antimanicomial? 

15 abr. 2024

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo