capa com fundo rosa e jogadora de futebol feminina dando voleio
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O que a Copa do Mundo Feminina revelou sobre a desigualdade de gênero?

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Jogadora Marta durante Copa do Mundo Feminina
Durante Copa do Mundo Feminina, jogadora Marta pede por igualdade de gênero em parceria com as Nações Unidas Imagem: Visual Hunt

Na Copa do Mundo Feminina de futebol de 2019, além dos jogos em campo, um debate que chamou a atenção foi o relacionado ao ativismo das atletas por reconhecimento igualitário no esporte – tanto por parte das Federações esportivas responsáveis pelos jogos quanto dos patrocinadores tradicionais do futebol. Nesse sentido, a edição de 2023 será uma oportunidade para notarmos onde houve progresso e onde o debate ainda precisa avançar. 

Neste post, você entenderá como a Copa do Mundo se relaciona com o debate de gênero e o porquê do futebol feminino atrair atenção para esse tema. 

Veja também nosso vídeo sobre a relação entre a copa do mundo e a política brasileira!

A História da Copa do Mundo Feminina

A primeira edição do torneio feminino foi realizada em 1991 na China e teve como vencedora a seleção dos Estados Unidos. Na ocasião, apenas 12 seleções participaram, incluindo o Brasil. Apesar disso, outros torneios internacionais já eram realizados desde 1970, antes da competição ser oficialmente apoiada pela Federação Internacional de Futebol (FIFA).

De 1999 a 2011, a Copa do Mundo Feminina de futebol contava com a participação de apenas 16 seleções. Em 2015, esse número foi ampliado para 24 times. Já em 2023, pela primeira vez, a competição contará com 32 equipes, mesma quantidade de competidores da versão masculina. . Entre as seleções favoritas da competição estão Alemanha, Estados Unidos e Japão. Veja todos os títulos abaixo:   

  • Estados Unidos – 4 títulos (1991, 1999, 2015 e 2019);
  • Alemanha – 2 títulos (2003 e 2007);
  • Japão – 1 título (2011);
  • Noruega – 1 título (1995).

Apesar de o evento já parecer consolidado, com quase 30 anos de existência, é grande o contraste com a Copa do Mundo masculina. Enquanto as mulheres ainda estão na oitava edição da competição, o futebol masculino celebra suas Copas desde 1930, somando 22 edições. 

Em 2019, a oitava edição da Copa do Mundo Feminina foi realizada na França e pressionou por mudanças para o futebol feminino.  Em 2023, a Copa será na Austrália e na Nova Zelândia.

Por parte da FIFA, já em 2019, houve um aumento do prêmio geral a ser distribuído para as seleções participantes de US$15 milhões para US$30 milhões (pouco menos de R$150 milhões, no câmbio de 2023), e um aumento de US$2 milhões no prêmio das vencedoras da competição. Além disso, houve grande comparecimento de público. 

A FIFA anunciou que a competição bateu o recorde de ingressos vendidos dois meses antes do mundial e as entradas para as finais e semifinais esgotaram em apenas 48 horas. 

Em 2023, a FIFA aumentou novamente a premiação. Desta vez, a premiação total soma US$110 milhões, equivalentes a aproximadamente R$550 milhões. Apesar do aumento considerável, esse número ainda está muito distante da premiação da Copa masculina, que pagou US$440 milhões (quase R$2,2 bilhões) na Copa de 2022, no Catar.

Mas você deve estar pensando: se houveram tantos avanços, por que o tema da desigualdade ainda é forte?

Por que ainda se está falando em desigualdade de gênero? 

Apesar de o dinheiro da FIFA direcionado a Copa do Mundo Feminina ter aumentado nos últimos anos, a quantia ainda não chega nem perto do que é destinado à Copa masculina

Enquanto as jogadoras competem pelo prêmio de US$4,29 milhões, em 2023 a seleção masculina da Argentina, campeã da Copa, levou para casa US$42  milhões – dez vezes mais do que o prêmio final oferecido para as mulheres. Isso sem falar nas premiações individuais.

Então, se nem a FIFA dá a mesma atenção ao futebol feminino na maior competição mundial, o que acontece com as jogadoras? 

Leia mais: Equidade de gênero: o que isso quer dizer?

O que os dados mostram?

Em um rápido Elas versus Eles, o que chama a atenção é a desigualdade salarial entre jogadoras e jogadores. Obviamente, o baixo salário não é restrito ao universo do futebol, e nem mesmo do esporte. Em geral, as mulheres ganham em média 17% menos que os homens para desempenhar a mesma função segundo dados de 2022 da Organização das Nações Unidas (ONU).

Mas na elite do esporte esses números impressionam. 

Entre as mulheres, Sam Kerr, a jogadora de futebol mais bem paga do mundo ganha US$513 mil por ano. Em contraste, Cristiano Ronaldo ganhou, só em salários e bônus em 2022, US$200 milhões, 390 vezes mais. Na verdade, a situação é bem pior quando se percebe que o salário das cinco jogadoras mais bem pagas do futebol feminino somam menos do que o salário de um único jogador entre o top 10 masculino. 

Quando a questão envolve os rendimentos anuais entre os atletas – a soma do salário bruto, bônus, patrocinadores – a situação é ainda mais díspar. Em 2018, a brasileira Marta, seis vezes melhor do mundo, obteve 267 vezes menos rendimentos que Neymar. A jogadora não chegou a receber  1% do rendimento anual do jogador! 

Em 2018, a UN Women publicou uma comparação mostrando que apenas o salário anual de Messi naquele ano – US$84 milhões – era duas vezes superior ao salário combinado de 1693 jogadoras – US$42.6 milhões – das sete ligas principais de futebol feminino.

Além disso, o investimento em prêmios e participação em competições por time também diferem muito. Nos Estados Unidos, a Federação Americana de Futebol ofereceu um bônus pela participação da seleção feminina americana na Copa do Mundo Feminina de 2015 TRÊS vezes inferior ao pago para os homens na participação da Copa do Mundo de 2014. O detalhe: a seleção feminina foi consagrada campeã em 2015, enquanto a equipe masculina foi eliminada nas oitavas de final em 2014.

infográfico que ilustra a desigualdade salarial por genêro do futebol, comparando salários dos jogadores e jogadoras mais bem pagos por ocasião da copa do mundo feminina
Infográfico – Desigualdade de gênero e salarial no futebol. Imagem: Politize!

Quer baixar esse infográfico em alta resolução? Clique aqui!

Mas por que existe essa diferença? 

Bom, sem visibilidade não há investimento e sem investimento não há visibilidade. 

Funciona mais ou menos como um ciclo vicioso: os dirigentes esportivos não investem no futebol feminino; as empresas não apoiam as jogadoras; a mídia não faz coberturas dos eventos; os eventos rendem menos e, em algum ponto, essa falta de apoio se transforma em um empecilho à prática do esporte para as mulheres. 

Os argumentos que apoiam essa diferença são geralmente: 

  1. a falta de interesse do público na modalidade;
  2. as diferenças de lucro das competições masculinas e femininas;
  3. a pouca atenção da mídia aos jogos;
  4. a diferença da qualidade do jogo. 

Apesar disso, não há como desconsiderar que esta discussão é também uma questão de gênero.

Como assim questão de gênero? 

O gênero deve ser entendido como aquilo que diferencia socialmente homens e mulheres. Dentro da sociedade, desde cedo, são esperados certos comportamentos ditos próprios das meninas e dos meninos. E é aí mesmo que começa o problema. 

O futebol desde sua origem se caracteriza como um esporte atrelado ao sexo masculino – da mesma forma que brincar de boneca é atrelado como uma atividade do sexo feminino. A agressividade do jogo é vista como algo pouco adequada à natureza frágil e sutil da mulher. Pelo menos, é isso que tentam dizer. 

A questão é tão profunda que antigamente tentavam afastar as mulheres do futebol utilizando argumentos biológicos. Os profissionais da saúde afirmavam que a atividade poderia até causar lesões às glândulas mamárias! 

Assim, historicamente, o pensamento machista tenta sempre dizer que “futebol não é coisa de mulher”. 

O futebol feminino no Brasil

O futebol no Brasil pode até ser um esporte popular, afinal este é o país do futebol. Mas quando o assunto é futebol feminino, a história é diferente.

Os primeiros registros de mulheres jogando futebol no país datam o ano de 1921. Apenas uma simples partida entre mulheres em São Paulo. Entretanto, muito incomum para a época, já que naquele tempo o papel das mulheres em esportes geralmente limitavam-se às torcidas. 

Até 1940, a prática estava longe de clubes e seleções. Apesar de ainda não ser proibido oficialmente, o esporte era considerado “para homens”. 

Foi em 1941 que o cenário mudou: a visibilidade de partidas maiores gerou revolta na sociedade e pressionou para que o futebol passasse a ser legalmente considerado uma prática inapropriada para as mulheres. 

A proibição do futebol no Brasil

Getúlio Vargas, em 1941, assinou um decreto que afirmava que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Em 1965, esse decreto foi reformulado para incluir nominalmente os esportes considerados inadequados e até possíveis punições às mulheres que os praticassem. 

Apenas em 1979 essa proibição deixou de existir. E mesmo assim, durante os anos 80 as iniciativas de futebol feminino no Brasil ainda eram raras. 

E agora, o que falta para o Brasil avançar como o país do futebol feminino? 

Em 2019, uma vitória pôde ser contada para o futebol feminino. Desde  aquele ano, todos os vinte clubes da série A do Brasileirão precisam estruturar equipes de futebol feminino – adulto e de base – para  seguir as regras do Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol. É obrigatório.

Entretanto, o caminho ainda é longo. Até então, dos vinte clubes masculinos que participavam do Brasileirão, apenas sete possuíam equipes femininas. E o problema não é falta de interesse das mulheres em jogar. 

A questão é que raramente essas jogadoras são tratadas como profissionais do futebol. De acordo com o relatório liberado pela FIFA, em 2019, das 15000 mulheres que jogavam em times organizados no Brasil, menos de 3000 eram registradas profissionalmente como jogadoras.

O que o recado da Marta para o Brasil pode ensinar? 

No último jogo da participação da seleção brasileira na Copa do Mundo Feminina da França, a jogadora Marta fez um apelo às próximas gerações do futebol feminino: “O futebol feminino depende de vocês para sobreviver”. 

A jogadora trouxe para o campo durante a Copa a questão da igualdade de gênero no futebol. A falta de apoio, de reconhecimento e da devida remuneração é uma marca gigante do futebol feminino no Brasil. 

Como a Marta disse: faltam oportunidades; falta investimento; falta apoio.

O futebol feminino não é – e nem deve ser – igual ao masculino. As diferenças entre as modalidades existem, de fato. Mas não podem prevalecer diferenças baseadas em preconceitos de gênero. Talvez seja necessário olhar para as experiências das equipes femininas em outros lugares do globo e começar a pensar em mais formas de abrir espaço para o futebol feminino crescer e ter as mesmas oportunidades garantidas ao futebol masculino.

Copa do Mundo Feminina de 2023

A Copa do Mundo Feminina de 2023 é um evento marcante para o futebol feminino. Sediada por Austrália e Nova Zelândia, o torneio conta, pela primeira vez, com 32 equipes (o mesmo número da versão masculina), um aumento significativo em relação às 24 seleções que participaram da edição de 2019 na França. Essa é uma vitória concreta na luta contínua por reconhecimento.

As partidas ocorrerão entre 20 de julho e 20 de agosto em nove cidades: Adelaide, Auckland, Brisbane, Dunedin, Hamilton, Melbourne, Perth, Sydney e Wellington. A grande final terá como palco o Stadium Australia, em Sydney, com capacidade para mais de 80.000 torcedores.

Um fato interessante é que dentre as 32 participantes, oito competirão em uma Copa do Mundo pela primeira vez: Haiti, República da Irlanda, Marrocos, Panamá, Filipinas, Portugal, Vietnã e Zâmbia.

Em termos de estrutura dos jogos, de forma similar à Copa masculina, haverá uma fase de grupos seguida por rodadas eliminatórias. As 32 equipes são divididas em oito grupos de quatro e, ao final, as duas melhores equipes de cada grupo avançarão para a fase eliminatória, que inclui as oitavas e quartas de final, semifinais e a final.

Sobre a premiação, além de troféus e medalhas, a FIFA aumentou significativamente o prêmio total, de US$30 milhões em 2019 para US$110 milhões em 2023. Esse valor será dividido da seguinte forma:

Valores por federação participante:

  • Fase de grupos – US$ 1.560.000
  • Oitavas de final – US$ 1.870.000
  • Quartas de final – US$ 2.180.000
  • Quarto lugar – US$ 2.455.000
  • Terceiro lugar – US$ 2.610.000
  • Vice-campeã – US$ 3.015.000
  • Campeã – US$ 4.290.000

Valores por jogadora:

  • Fase de grupos – US$ 30.000
  • Oitavas de final – US$ 60.000
  • Quartas de final – US$ 90.000
  • Quarto lugar – US$ 165.000
  • Terceiro lugar – US$ 180.000
  • Vice-campeãs – US$ 195.000
  • Campeãs – US$ 270.000

Assim, a Copa do Mundo Feminina é, sem dúvidas, um marco para a modalidade. Após o debate protagonizado pelas jogadoras em 2019, a FIFA equiparou o número de equipes nas modalidades de homens e mulheres. 

Contudo, apesar do aumento substancial no valor da premiação, os US$110 milhões ainda são uma fração da premiação masculina, de US$440 milhões. Isso sem falar na diferença salarial e discrepância na atenção da mídia e na cultura do futebol como um todo. Portanto, apesar das vitórias, ainda há muito a ser feito. Nessa jornada, as jogadoras certamente continuarão a desempenhar o papel principal.

E você, o que acha da Copa do Mundo Feminina e das diferenças de gênero no futebol e nos esportes em geral? Conta pra gente nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Assessora de conteúdo no Politize! e graduanda de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O que a Copa do Mundo Feminina revelou sobre a desigualdade de gênero?

24 abr. 2024

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