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Coronavírus e eleições: Polônia e Coreia do Sul

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Como vimos no post anterior sobre coronavírus e eleições, os Estados Unidos podem se tornar uma referência para o Brasil a partir da adoção de novos formatos de votação. A experiência com o voto por correio já vem de longa data e é aplicada de diversos modos a depender do estado. 

O próximo caso que vamos contar busca seguir o mesmo formato. Por conta da pandemia, a Polônia se viu na necessidade de inovar. Entretanto, seu turbulento cenário político interno pode ser um entrave para eleições livres e justas nesse cenário. Vamos entender o que está acontecendo por lá.

Polônia

A eleição presidencial ocorreu em 10 de maio, sem o comparecimento de um único eleitor, no que está sendo considerado a “eleição fantasma”. Apesar da Comissão Nacional Eleitoral afirmar que “não havia possibilidade de ocorrer”, a eleição não foi cancelada. No entanto, os locais de votação foram fechados. Até alguns dias antes da eleição, ainda não estava claro por qual método os eleitores estariam submetendo suas cédulas e se a votação continuaria.

O erro no cancelamento foi devido, em parte, ao resultado de disputas políticas sobre a proposta do partido da Lei e Justiça (do presidente Andrzej Duda) para realizar uma votação por correspondência, e um desacordo sobre uma nova data para as eleições. O partido também recusou pedidos para declarar estado de emergência ou desastre natural, o que teria adiado as eleições, alegando que o coronavírus não era sério o suficiente para justificá-lo. 

Um homem possui uma cópia da Constituição polonesa enquanto policiais checam sua carteira de identidade depois de participar de um protesto em Varsóvia, na Polônia, em 30 de abril. WOJTEK RADWANSKI / AFP via Getty Images
Um homem possui uma cópia da Constituição polonesa enquanto policiais checam sua carteira de identidade depois de participar de um protesto em Varsóvia, na Polônia, em 30 de abril. WOJTEK RADWANSKI / AFP via Getty Images

Ao contrário dos Estados Unidos, onde a campanha pela mudança foi liderada pelos democratas (oposição), no país europeu foi o partido no poder que defendeu a votação remota como única chance de realizar eleições a tempo. O projeto foi aprovado na calada da noite em meio a preocupações significativas com seu conteúdo, e desafiando uma clara decisão do tribunal constitucional que proíbe mudanças nas leis eleitorais a menos de seis meses das eleições.

Além das dificuldades legais, existem enormes obstáculos logísticos. O país não tem experiência com votação por correspondência. O serviço postal teria que entregar com segurança e prontidão mais de 30 milhões de cédulas no meio de uma pandemia, e as autoridades garantir que as caixas de devolução onde os eleitores depositam suas cédulas estejam protegidas contra adulteração.

Na falta de supervisão suficiente, isso pode abrir as portas para fraudes, como a adulteração das cédulas, bem como outros problemas, incluindo o “voto familiar”, onde um membro de uma família entrega os votos de todos, permitindo que pressionem os outros a votar de uma determinada maneira. 

Alguns malotes de votação já pareciam ter desaparecido, e as cédulas foram vistas espalhadas em uma calçada em Varsóvia, levantando questões sobre a segurança do voto e a capacidade do correio polonês de administrá-lo. Além disso, é provável que os cidadãos que atualmente não residem em seu endereço permanente, incluindo estudantes e expatriados, não tenham acesso, além de não estar claro o que acontecerá com as dezenas de milhares de pessoas em quarentena.

De acordo com uma resolução da comissão eleitoral, o parlamento agora tem 14 dias para definir uma nova data para as eleições presidenciais. As eleições devem ocorrer no prazo de 60 dias após o anúncio da nova data.

Os polacos são o exemplo do que precisamos evitar. É interessante colhermos não apenas os acertos, mas, principalmente, aprender com os erros de um modelo que porventura venhamos a adotar por conta da pandemia. Há uma outra complexidade, completamente nova para os nossos padrões brasileiros, e que pelo curto prazo que temos restante, sua adoção provavelmente viria tomada de riscos.

Coréia do Sul

Some voting booths are outside Covid-19 treatment centres. Fonte: EPA
Some voting booths are outside Covid-19 treatment centres. Fonte: EPA

O país asiático está realizando provavelmente a eleição mais próxima do futuro pós-Covid que nos aguarda. Os eleitores usavam máscaras e ficavam separados pelo menos 1 metro, como recomendam especialistas. Temperaturas foram medidas, mãos desinfetadas e todos de luvas de plástico. Só então recebiam o recibo de votação e eram autorizados a entrar no estande para votar.

Essas são apenas algumas das medidas tomadas para permitir que as eleições programadas para a Assembléia Nacional ocorram durante a pandemia.

A votação ocorre em meio a diretrizes rígidas de distanciamento social. Fonte: APA
A votação ocorre em meio a diretrizes rígidas de distanciamento social. Fonte: APA

As pessoas silenciosamente ficaram na fila na marca designada, esperando pacientemente sua vez. O medo de infecção não as afastou. No geral, a participação foi de 66% – a maior em 16 anos. Mais de 11 milhões de pessoas, cerca de 26% da população, votaram antecipadamente. Alguns por correio, mas a maioria viajou para as seções eleitorais, instaladas em todo o país. Foi também a primeira vez que jovens de 18 anos foram autorizados a votar. 

O desafio para as autoridades foi como evitar o risco de infecção. Eles decidiram que se alguém tivesse uma temperatura acima de 37,5 °C, seria levado para uma área de votação isolada e mantido separado das outras pessoas. 

Os pacientes em tratamento para o coronavírus tiveram a opção de enviar sua cédula. Também foram montadas cabines de votação ao lado dos centros que atendem centenas de pessoas com sintomas leves. 

Uma das maiores questões tem sido como permitir que as 60000 pessoas em quarentena em todo o país participem das eleições (o país só isolou aqueles que apresentaram sintomas). Elas receberam instruções estritas para votar apenas em determinados horários e nos locais de votação designados. Puderam sair de casa das 17h20 às 19h no dia da votação, não puderam usar o transporte público, só podendo andar ou usar seu próprio carro. Elas também tiveram de ligar para as autoridades de saúde quando voltassem para suas casas, caso contrário, seriam pegas pela polícia.

Eleitores têm sua temperatura corporal tomada. Fonte: AFP
Eleitores têm sua temperatura corporal tomada. Fonte: AFP

As campanhas também foram impactadas pelo vírus. No país asiático, os tempos de eleição costumam ser difíceis e barulhentos. Vans com alto-falantes soando fora da sua janela. Políticos e suas equipes gritando de todos os cantos. Mas este ano os encontros mascarados à distância substituíram os comícios em massa, estimulando, inclusive, outras inovações. O desertor norte-coreano Thae Yong-ho, que está concorrendo pela primeira vez no país, impossibilitado de estar presente nas ruas, decidiu fazer seu próprio vídeo de rap. Quem sabe assim ele quebraria o preconceito com a origem e se mesclaria na cultura local. Deu certo.

O vírus também mudou o conteúdo das discussões políticas. Em janeiro, foram dominadas pela desaceleração da economia, criação de empregos e negociações paralisadas com a Coréia do Norte. Mas agora é sobre a resposta da Coréia do Sul ao Covid-19.

Campanha eleitoral em tempos de covid. Fonte: Getty images
Campanha eleitoral em tempos de covid. Fonte: Getty images

Há temores de que a realização de uma eleição possa desencadear uma segunda onda de infecções em todo o país. Mas, por enquanto, os coreanos são o exemplo que devemos nos espelhar.

Quais lições podemos trazer para o Brasil?

Seja qual for o resultado, experiências recentes oferecem valiosas lições para as democracias que planejam realizar suas eleições este ano.

Primeiro, as autoridades eleitas que acreditam na democracia devem se esforçar para manter a política partidária fora da administração eleitoral e passar confiança ao público na integridade do voto (seja qual for o modelo adotado). A experiência crítica da Polônia oferece valiosas lições acerca desse ponto.

Segundo, a votação segura e bem-sucedida por correio exige ampla preparação. Os americanos ainda têm alguns meses até suas eleições, mas a tarefa é enorme. Muitos estados ainda precisam expandir as regras para permitir a votação por correio ou à distância. Além disso, será necessário equipamento de proteção individual adequado e outras disposições sanitárias para que os locais de votação permaneçam abertos como uma opção para aqueles que não puderem ou optarem por não votar pelo correio. 

Uma eleição livre e justa é possível durante a pandemia. Mas exige uma preparação técnica exaustiva e, mais importante, um consenso político sobre o procedimento básico e o valor de garantir a participação de todos os eleitores elegíveis. As eleições são a base da democracia.

Referências:

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Conteúdo escrito por:
Formado em direito e mestre em gestão política, há 5 anos investe em práticas colaborativas para construção de negócios que façam sentido para o mundo atual através da Decah. Desde 2016 também atua como estrategista de campanhas políticas, sendo cofundador da Base.Lab, consultoria voltada principalmente para atuar com o campo progressista.

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24 abr. 2024

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