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Como começou a crise na Venezuela?

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Última atualização em 26 de fevereiro de 2019

Você provavelmente já ouviu falar da crise na Venezuela, certo? O tema é amplamente discutido no Brasil, principalmente por tratar-se de um país vizinho, e que tem provocado forte fluxo de refugiados. Além disso, o governo socialista do atual presidente Nicolás Maduro é alvo de críticas recorrentes na mídia brasileira.

Mas você sabe como começou a crise na Venezuela? Bom, para entender suas origens é preciso fazer uma retrospectiva histórica, já que os acontecimentos recentes se somam aos acontecimentos históricos para construir a realidade atual do país. Além disso, as características relacionadas à riqueza natural do território venezuelano e ao sistema de governo também são bastantes importantes. Neste post, vamos entender de que forma todos esses aspectos influenciaram na atual crise na Venezuela.

Veja também nosso vídeo sobre a crise na Venezuela!

Geografia da Venezuela

A República Bolivariana da Venezuela é um país da América do Sul, que faz fronteira com o Mar do Caribe, com a Colômbia, com o Brasil e com a Guiana. O país se situa em um território conhecido por suas grandes reservas petrolíferas, sendo que o petróleo e suas variações representam cerca de 96% das exportações do país, levando os governos venezuelanos, historicamente, a utilizarem o mesmo como foco das políticas econômicas.

Retrospectiva histórica

Podemos olhar a partir do governo de Juan Vicente Gómez (1908-1935), quando as reservas de petróleo começaram a ser exploradas, consolidando o Estado Nacional Venezuelano como o principal exportador mundial de petróleo para os EUA, o que fez com que o país desenvolvesse uma forte dependência com o mercado estadunidense.

A Venezuela se beneficiava do aumento do preço do barril, como por exemplo na década de 70, quando as Crises do Petróleo foram responsáveis por grandes aumentos no preço dessa commodity, já que a oferta do mesmo estava diminuindo,  gerando prosperidade para o país durante a presidência de Carlos Andrés Pérez, de 1974 a 1979.

Posteriormente, após o estabelecimento dessa dependência, durante o segundo governo de Pérez, de 1989 a 1993, ocorreram novas crises relacionadas ao petróleo, porém, dessa vez, eram decorrentes da alta oferta do produto, que  acabou por levar a uma queda acentuada dos preços dos barris. O então presidente anuncia uma série de ajustes de caráter liberal – inclusive um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) -, que resultaram em um aumento dos preços dos combustíveis e das passagens.

Insatisfeito, o povo foi às ruas no movimento conhecido como “Caracazo”, o qual aconteceu em fevereiro de 1989 e deu respaldo para uma tentativa de golpe. Nesta tentativa, participou Hugo Chávez, que foi preso. Quando foi solto, concorreu às eleições presidenciais e foi eleito em 1998.

Leia mais: Política na Venezuela

Governo de Hugo Chávez

Hugo Chavéz ocupou o cargo de presidente da Venezuela durante 14 anos, eleito por 3 mandatos seguidos, e governou o país com base em ideais diferentes dos governos passados, mas ainda assim o petróleo era o principal produto de exportação venezuelano. É importante ressaltar que Chávez tem um perfil presidencial diferente de seus antecessores, já que era soldado, bolivariano, socialista e anti-imperialista.

Durante os anos em que Chávez esteve na presidência dividiu opiniões fervorosamente, já que suas decisões políticas muitas vezes foram consideradas autoritárias, extremistas, nacionalistas e populistas.

Apesar da manutenção de Chávez como presidente, havia grupos de oposição na própria população venezuelana. Isso pode ser visto pela tentativa de golpe de Estado que sofreu em 2002, quando a crise na Venezuela era política. Ele tentou neutralizar a ação dessa oposição silenciando parte da imprensa e perseguindo pessoas contrárias ao seu governo.

O ex-presidente venezuelano manteve a economia e as exportações do país com base no petróleo, não diversificando os setores significativos de exportação de produtos. E, por isso, enquanto os preços dos barris de petróleo estavam em alta, a Venezuela conseguiu lucrar muito com a exportação deste produto.  

Mas o que fez o governo chavista para se tornar ao mesmo tempo tão popular e impopular? A resposta dessa questão está nas medidas de grande impacto que Chávez tomou nos seu governo. Durante os anos que esteve como presidente, nacionalizou setores estratégicos (reservas de petróleos, telecomunicações, eletricidade, etc.), de grande importância para a Venezuela. Ao fazer tudo isso, acabou por contrariar e afastar investimentos internacionais no país. Além disso, sua posição de aproximação à Cuba, com Fidel Castro, e afastamento dos EUA, não era bem vista por grande parte da sociedade internacional.

Por outro lado, Chávez teve parte do apoio popular, principalmente, pelos projetos desenvolvidos nas áreas da saúde e educação. E, sua imagem, para os venezuelanos que o defendiam, estava para além de um presidente, muitos o viam como um familiar ou ícone.

Leia mais:  O que é socialismo?

Veja também nosso vídeo “A Venezuela é comunista?”

Transição de Chávez para Maduro

Em meados de 2011, Chávez faz um anúncio na televisão afirmando que estava com câncer, tendo que fazer diversas operações e portanto precisando se ausentar no governo. O então Ministro das Relações Exteriores, que seria seu vice na candidatura de Chávez do ano seguinte, Nicolás Maduro, passou a ganhar destaque, tendo que ser o representante oficial do governo em múltiplas ocasiões.

Em 2012, houve uma nova eleição para escolher o futuro presidente do país. Chávez teria como principal adversário o então governador do estado de Miranda, Henrique Capriles. Essa foi a eleição mais disputada da “Era Chávez”, decorrente do início da crise econômica que estava surgindo no país. Mesmo assim, Hugo Chávez é escolhido pelos venezuelanos para continuar seu mandato por mais 6 anos.

No entanto, dois meses após ser empossado para o seu quarto mandato seguido, Chávez morre, tendo assim que ser feita uma nova eleição. Maduro é escolhido como o candidato para seguir o legado chavista, enquanto Capriles é novamente o candidato da oposição. A eleição novamente é disputadíssima, mas Maduro se elege por uma pequena diferença.

A crise na Venezuela

Como já explicamos, durante décadas, a política econômica voltada para a exportação de petróleo obteve sucesso, principalmente nos anos em que o preço do barril estava em alta. O governo de Chávez aproveitou a massiva entrada de dólares no país para promover a importação de todos os bens que eram consumidos no país, além de financiar programas de cunho social, despreocupando-se com o desenvolvimento agrícola e industrial do país.

No entanto, desde meados de 2014, já no governo de Nicolás Maduro, o preço dos barris começou a cair gradualmente. Essa queda pode ser explicada por alguns fatores como a recusa por parte da Arábia Saudita (principal produtora de petróleo do mundo) e outros países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) de diminuirem suas produções para manter os preços, além de uma demanda menor do que a esperada da Europa e da Ásia e o aumento da produção de xisto (rocha metamórfica) pelos EUA, viabilizando a produção de petróleo de xisto e gerando uma alternativa às importações advindas da Venezuela.

Com isso, além de não receber tanto dinheiro como recebia antes (quando os preços estavam em alta), a produção venezuelana desacelerou porque a PDVSA, empresa estatal de petróleos de Venezuela, sofria com infraestrutura precária, devido a já mencionada falta de investimentos no setor industrial e aos escândalos de corrupção. Além disso, no governo Chávez foi criada a Petrocaribe, que consistia em uma aliança entre a Venezuela e os países do Caribe, com o objetivo das ilhas caribenhas comprarem o petróleo venezuelano por meio pagamentos diferenciais (abaixo do preço de mercado).

Essa queda na produção acentuou o baixo incentivo que as indústrias possuíam de se desenvolverem, e estimulou o setor privado a importar cada vez mais. Tomando como base a dependência dos produtos importados, somado a o decréscimo das exportações, começou a faltar produtos essenciais nos supermercados, levando ao desabastecimento.

O governo, então, adquiriu dívidas públicas, porque começou a depender muito dessas importações, gastando muito dinheiro. Por isso, a solução encontrada foi imprimir mais dinheiro, para que fosse possível cobrir os desfalques das contas públicas. Porém, ao se imprimir mais dinheiro, a oferta da moeda acaba se tornando maior que a demanda, o que faz com que o preço do dinheiro em si caia, sendo necessário mais dinheiro para comprar as mesmas coisas. Em outras palavras, essa solução fez com que a inflação, ou seja, o aumento dos preços, ficasse alta.

Com o objetivo de manter o valor da moeda local (bolívar), o governo criou uma política cambial para controlar a compra de dólares pela população e obrigou os comerciantes a venderem seus produtos abaixo do preço de custo para que se controlasse artificialmente a inflação, levando inúmeros estabelecimentos a falência. Somada a essa hiperinflação, o governo ainda tinha que expandir seus gastos para garantir a manutenção dos programas sociais.

Existe até hoje, na política, uma crise na Venezuela muito forte, que coloca de um lado os chavistas e do outro os opositores do governo, e essa oposição é fortemente marcada pela presença das forças armadas. Em 2014, protestos populares tomaram conta das ruas em oposição ao governo de Maduro, que repreendeu fortemente a população.

Relação com os Estados Unidos e embargo econômico

Não há como explicar a crise na Venezuela sem falar das sanções econômicas impostas ao país pelos Estados Unidos.

O relacionamento entre os dois países é bastante controverso: eles exercem oposição aberta um ao outro, por serem rivais ideológicos. A Venezuela segue princípios bolivarianos anti-imperialistas, e se opõe ao modelo de capitalismo adotado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos, por sua vez, é contrário ao governo socialista venezuelano, que faz frente a seu poderio. Mas isso não significa que os dois países não tenham relação alguma. A Venezuela possui a maior reserva de petróleo do mundo, e os Estados Unidos são o maior consumidor desse recurso: esse é o elo de ligação entre os rivais.

Conforme mencionamos anteriormente, os Estados Unidos são o maior importador do petróleo venezuelano, o que faz com que a economia do país seja altamente dependente da entrada de dólares vindos dos Estados Unidos. Essa é a delicada situação da Venezuela: sua economia depende de seu rival, pois é com a entrada de dólares que a Venezuela recebe dos Estados Unidos pelo petróleo que o país consegue importar a maioria do que consome.

Com a morte de Hugo Chávez, em 2013, o país passou a enfrentar uma crise política e um aumento da oposição internacional. A rivalidade com os Estados Unidos se intensificou, e o país começou a aplicar fortes sanções econômicas à Venezuela.

De acordo com um estudo do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG), as sanções impostas pelos Estados Unidos entre 2013 e 2017 causaram à Venezuela um prejuízo de 350 bilhões de dólares e o fechamento 3 milhões de postos de trabalhos (24% da população ativa do país). Com a eleição de Donald Trump, as sanções ganharam ainda mais força: foram impostos bloqueios de medicamentos e alimentos, que afetaram: 9 milhões de dólares em medicamentos para diálise, 29 milhões de dólares em alimentos, 300 mil doses de insulina, medicamentos para tratamento da malária, entre outros.

Assim, é evidente que o bloqueio econômico realizado pelos Estados Unidos é um fator fundamental na crise humanitária que atinge a população venezuelana.

2019: dois presidentes e o agravamento da crise

Em Janeiro de 2019, a autoproclamação do líder do Parlamento venezuelano como Presidente Interino levou à uma enorme escalada da crise na Venezuela.

Agora, o país vive um contexto ainda mais complexo: possui dois presidentes reconhecidos internacionalmente, cada um apoiado por diferentes países. Juan Guaidó, o presidente autoproclamado, é fortemente apoiado pelos Estados Unidos, que pressionam cada vez mais pela queda do governo de Maduro.

Para ficar por dentro de toda a conjuntura atual da Crise da Venezuela e os acontecimentos mais recentes, acompanhe nosso outro post sobre a Crise da Venezuela.

Linha do tempo da crise na Venezuela

Muita coisa de uma vez, né? Então vamos recapitular os acontecimentos que levaram à crise na Venezuela:

2012 – Uma nova eleição presidencial. Com câncer, Chávez permanece um bom tempo fazendo tratamento em Cuba, não participando diretamente de sua campanha. A oposição consegue se fortalecer, levando à eleição mais disputada da era Chávez. No entanto, o então presidente consegue se manter no poder.

2013 – No dia 5 de março, Nicolás Maduro anuncia a morte de Hugo Chávez. Uma nova eleição é marcada, sendo Maduro o candidato de continuação do Governo Chávez. Por uma pequena diferença, Maduro vence e consegue se manter no poder.

2014 – Com a inflação no país aumentando gradualmente, além de um crescimento na criminalidade, milhares de pessoas vão protestar nas ruas, gerando depredações de prédios públicos e mortes de manifestantes.

2015 – Ocorre a eleição parlamentar no país, na qual a oposição consegue a maioria da Assembleia Nacional. A crise da Venezuela (econômica e política) se agrava ainda mais com a queda do preço do barril de petróleo.

2016 – A inflação cresce mais com o passar dos meses, junto com a pobreza e os índices de criminalidade. A falta de alimentos, de produtos higiênicos e de energia começa a se alastrar pelo país.

2017 – A Venezuela é suspensa do Mercosul pela Cláusula Democrática, após a instalação de uma Assembleia Constituinte composta apenas por aliados de Maduro. Novos protestos deixam mais de 100 mortos.

2018 – Uma nova eleição à presidência ocorre, porém sem a participação da oposição, a qual alega que o próprio governo estava comprando votos por meio da distribuição de benefícios. A crise migratória de venezuelanos se agrava, chegando a milhões espalhados pelo continente americano.

2019 – Nicolás Maduro e Juan Guaidó tomam posse paralelamente como presidentes da Venezuela. O primeiro eleito pelo Tribunal Supremo de Justiça e o segundo pela Assembleia Nacional.

 

Conseguiu entender como ocorreu a crise na Venezuela? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

Referências:

BBC Brasil- Chávez, o militar socialista que transformou a Venezuela

BBC News Brasil- Crise na Venezuela: o que levou o país vizinho ao colapso econômico e à maior crise de sua história

Época- Por que o preço do petróleo ficou barato e como isso afeta o mundo

Guia do Estudante- Entenda os motivos da crise na Venezuela

Isto é- Queda do petróleo em 2014 marcou início da crise na Venezuela

Macrotrends- Crude Oil Prices – 70 Year Historical Chart

Opera Mundi- Do Neoliberalismo ao Chavismo: 29 anos do “Caracazo” na Venezuela

Veja- Boom do óleo de xisto nos EUA reduzirá hegemonia da OPEP

VioMundo: Para entender a Venezuela hoje é preciso saber como era antes da “revolução bolivariana” 

Brasil de Fato: Consequências das sanções

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1 comentário em “Como começou a crise na Venezuela?”

  1. Olá, também sou formado pela UFSC, Geografia.

    Excelente desenvolvimento e contextualização, principalmente pelo fato de apresentar fatos “desconhecidos” pela imprensa oportunista e ainda mais pela maioria que não mergulha no conhecimento.

    Vou utilizar em aulas e socializar, também, por apresentação, com o público em geral.

    Parabéns.

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Conteúdo escrito por:
Estudante de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apaixonada por línguas estrangeiras e geopolítica, além de cinema e leitura.

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28 mar. 2024

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