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Delações da Odebrecht e JBS foram baratas? 

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Deltan Dallagnol, coordenador da Operação, o procurador Rodrigo Janot e Aldemir Bendine, da Petrobras na cerimônia de devolução a Petrobras de valores recuperados pela Operação Lava Jato, em 2015. Foto: José Cruz/Agência Brasil.

Nota do Politize!: este é o sexto texto da coluna Política em Números, de autoria de Bruno Carazza dos Santos. O texto traz a percepção do autor perante as delações da Odebrecht e JBS e eventuais opiniões do autor não expressam a visão do Politize!. Confira os demais textos da coluna aqui!

“Eu não era o dono do governo, eu era o otário do governo.
Eu era o bobo da corte do governo”
(Marcelo Bahia Odebrecht, em depoimento
prestado no Tribunal Superior Eleitoral)

Depois que o Ministro Edson Fachin determinou a abertura de 74 inquéritos para investigar grandes vultos da República, passamos a ser vítimas de um bombardeio diário de imagens de executivos da Odebrecht expondo as vísceras do relacionamento entre as elites econômica e política no Brasil. Mais recentemente, foi a vez da divulgação da delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista e mais cinco executivos do grupo JBS.

Firmados por empresas íntimas do poder e grandes doadoras de campanhas eleitorais, esses acordos têm potencial para arrasar a classe política que governa o país desde a redemocratização. Do ponto de vista das empresas, porém, as delações da Odebrecht e JBS podem ter sido mais um excelente negócio firmado com o setor público – e uma péssima sinalização para as demais empresas.

EU TE AJUDO, VOCÊ ME AJUDA

A concessão de vantagens para criminosos que colaborem com a Justiça é uma prática relativamente recente no Brasil. Surgiu com a Lei nº 10.149/2000, que criou o programa de leniência no âmbito do combate a cartéis – posteriormente aprimorado com a Lei nº 12.529/2011, que reestruturou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Mais de uma década depois, e no calor das manifestações de junho de 2013, o Congresso aprovou a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e uma legislação contra as organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013). Todas essas normas contêm incentivos como redução ou eliminação de penas para pessoas físicas e jurídicas que colaborem com as investigações relativas ao combate a cartéis, à corrupção e ao crime organizado, respectivamente.

MAIS UM GRANDE NEGÓCIO DA ODEBRECHT

O empresário Marcelo Bahia Odebrecht. Foto: Divulgação/Agência Brasil.

No caso Odebrecht, a empresa comprometeu-se a apresentar informações, documentos e outros materiais que contribuam nas apurações já realizadas pela Operação Lava Jato, indicando fatos e pessoas (“agentes políticos, funcionários públicos, sócios, diretores e funcionários de outras empresas”) que estiveram envolvidos nas condutas ilícitas. Além disso, segundo nota do Ministério Público Federal (MPF), as empresas se comprometeram a pagar multas de R$ 3,131 bilhões (Braskem) e R$ 3,828 bilhões (Odebrecht) para ressarcir as vítimas e os cofres públicos lesados com suas práticas criminosas.

Arredondando, o valor que o MPF aceitou receber foi de R$ 7 bilhões, em troca das contribuições dos executivos e funcionários da Odebrecht e Braskem para a Operação Lava Jato. Reconheço que é dinheiro pra burro: segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos – que participou ativamente das negociações, junto com autoridades suíças – trata-se do maior acordo judicial envolvendo casos de corrupção na história mundial.

Porém, a Odebrecht é gigantesca. De acordo com seu último Relatório Anual, em 2015 o grupo teve uma receita bruta de R$ 132 bilhões em 2015. E o seu Ebitda (sigla em inglês para “lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização”) foi de R$ 20,8 bilhões.

Além disso, o grupo empresarial baiano teve um crescimento exponencial nos últimos anos. De 2011 até 2015 (os dados disponíveis no último Relatório Financeiro), o faturamento cresceu 88% e o Ebitda, 194%. Boa parte desse crescimento deve-se, certamente, às condutas ilícitas praticadas pela empresa. E os crimes confessados pelos executivos e funcionários da empresa vão muito além de superfaturamento de obras públicas. Envolvem também a influência indevida sobre parlamentares e autoridades do Executivo para obter isenções de impostos, crédito subsidiado de bancos públicos para atuar no Brasil e no exterior e obter regulação favorável em diversas políticas públicas.

De acordo com o acordo de leniência firmado com o Ministério Público, a empreiteira obteve uma série de garantias para colaborar com a Lava Jato. Da sua parte, o MPF comprometeu-se a:

  1. não propor ações criminais, cíveis ou sancionatórias contra a Odebrecht e seus prepostos pelos fatos incluídos no Acordo (cláusula 8ª, c e d);
  2. solicitar o desbloqueio de bens da empresa, de outras empresas do grupo econômico e de seus prepostos (cláusula 8ª, f);
  3. emitir declarações perante terceiros para permitir à empresa firmar contratos com o setor privado, incluindo instituições financeiras e seguradoras (cláusula 8ª, g);
  4. pleitear a suspensão do processo e a não aplicação de sanções em ações civis públicas e de improbidade já propostas (cláusula 8ª, § 3º);
  5. não pleitear a nulidade de contratos administrativos celebrados, vigentes ou encerrados (cláusula 18, a);
  6. dar conhecimento do acordo à Petrobras para extinção do bloqueio cautelar imposto às empresas do grupo econômico (idem, d); e
  7. fornecer declaração de que não proporá ações indenizatórias ou sancionatórias contra eventuais compradores de ativos do grupo (cláusula 22).

Segundo o MPF (veja a cláusula segunda do acordo), tais garantias destinam-se a evitar a falência da empresa. A lógica é preservar a empresa para aumentar a probabilidade de pagamento da multa, destinada a ressarcir o Erário pelos danos provocados pela corrupção praticada pela Odebrecht.

No entanto, as garantias concedidas à empresa representam uma imunidade contra ações propostas para buscar o ressarcimento de todo o dinheiro desviado dos cofres públicos no passado. Será que esses R$ 7 bilhões (a serem pagos em até 23 anos!) são suficientes para cobrir o superfaturamento de dezenas ou centenas de obras públicas, os tributos não recolhidos pelos regimes tributários especiais obtidos em medidas provisórias, os subsídios nos empréstimos do BNDES obtidos para expandir suas atividades no Brasil e no exterior? E tudo isso acontecendo há décadas, como os donos e executivos da empresa têm relatado? Será que alguém no MPF fez algum cálculo levando em consideração tudo isto? Aliás, como se chegou a esse número mágico de R$ 7 bilhões?

Do ponto de vista da empresa, eu tenho quase certeza de que o acordo de leniência saiu barato. R$ 7 bilhões para obter um atestado de “nada consta” por toda a corrupção praticada nas últimas 5 décadas ou mais? Esses Odebrecht são mesmo bons de negócio com o setor público. Prova disso é a evolução das ações da Braskem nos últimos três anos:

Desde que estourou a Operação Lava Jato, as ações da Braskem negociadas em bolsa valorizaram-se mais do que o Ibovespa. Como pode ser visto no gráfico acima, desde meados de 2015, as ações da petroquímica pertencente ao grupo Odebrecht têm tido um crescimento expressivo, embora sujeito a variações. Chama atenção, entretanto, que após a divulgação do acordo de leniência da Odebrecht, em 01/12/2016, as ações da Braskem tiveram um salto de mais de 12% e desde então mantiveram-se num patamar significativamente mais alto do que antes. Sinal de que o mercado gostou da decisão.

Leia também: como funciona uma delação premiada no Brasil?

E A JBS, COMPROVA A TESE DE QUE O CRIME COMPENSA?

De acordo com os termos acordados com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os irmãos Joesley e Wesley Batista e mais cinco executivos do grupo pagarão uma multa de R$ 225 milhões em troca de perdão judicial pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e seus correlatos.

No caso específico de Joesley Batista, a multa será de R$ 110 milhões. Fazendo jus à sua fama de empresário de sucesso nas negociações com o Estado, o valor será parcelado em dez prestações anuais corrigidas pelo IPCA – sem juros e com a primeira parcela a ser depositada apenas em 01/06/2018. Um detalhe importante: o patrimônio pessoal declarado de Joesley Batista é de R$ 1,3 bilhão de reais.

Por mais louvável que seja o trabalho da Operação Lava Jato em desnudar a podridão do sistema político brasileiro, as condições oferecidas pela PGR para os executivos parecem muito descalibradas.

Mesmo que a empresa concorde em pagar os R$ 11,2 bilhões pedidos pela PGR para celebrar um acordo de leniência – a “delação premiada” das empresas – estamos tratando de um grupo que teve seu faturamento multiplicado por 40 nos últimos anos à custa de operações do BNDES, benefícios fiscais, crédito público subsidiado e outros incentivos estatais.

No afã de expandir as investigações contra a corrupção, os procuradores da Operação Lava Jato estão distorcendo o instituto da colaboração premiada e estragando o que ele tem de mais forte para o combate à corrupção: seu potencial de desestabilizar organizações criminosas, como os cartéis.

AO INFINITO E ALÉM?

No já clássico livro “Por que as Nações Fracassam?” (2012), Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard) analisam diversos países ao longo da história para identificar por que alguns crescem com distribuição de renda e outros só produzem atraso e desigualdade.

A principal conclusão do livro é que sociedades que permitem uma relação umbilical entre sua elite econômica e o grupo que ocupa o poder tendem a produzir políticas públicas concentradoras de renda e antidemocráticas. O sistema funciona num ciclo vicioso e reiterado em que empresários obtêm benefícios estatais em troca do pagamento de propinas e doações de campanha que permitem aos políticos permanecerem no poder.

A assinatura dos acordos de delação premiada entre a Procuradoria-Geral da República e executivos da Odebrecht e, nesta semana, do grupo JBS, deixaram às claras como o Brasil funciona segundo o modelo de Acemoglu & Robinson.

Negociadas sob o amparo da legislação contra organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013), as colaborações premiadas da Operação Lava Jato têm o potencial de exterminar praticamente toda a geração de políticos que emergiu com a Nova República. No entanto, as condições oferecidas aos executivos e às suas empresas podem estar poupando uma das engrenagens desse sistema.

É difícil aferir qual seria o desempenho do grupo JBS e a evolução das finanças pessoais de Joesley e Wesley Batista se não houvesse a política de “campeões nacionais” implementadas pelo governo federal desde meados da década passada. Da mesma forma, é praticamente impossível afirmar como estaria hoje a Odebrecht se não tivesse se fartado de contratos de obras públicas obtidos de modo ilícito nas últimas cinco décadas.

De acordo com as regras de funcionamento do nosso capitalismo de compadrio, o sucesso de boa parte de nossas grandes empresas foi construído mediante corrupção, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. No melhor estilo “rent seeking”, nossos empresários investem em “relações institucionais” em vez de bens de capital, tecnologia e produtividade da mão-de-obra.

Ao concordar em oferecer multas baixas (em relação ao seu patrimônio e faturamento), condições favoráveis de pagamento e imunidade judicial para os executivos para obter informações sobre os políticos, a PGR e o MPF fazem uma opção clara pela estratégia de terra arrasada com a classe política.

FUNCIONOU NAS DELAÇÕES DA ODEBRECHT E JBS, PODE FUNCIONAR COMIGO TAMBÉM

Nos três principais instrumentos de colaboração premiada existentes no ordenamento jurídico brasileiro (Lei do CADE, a Lei Anticorrupção e a Lei contra o Crime Organizado) existem duas condições essenciais para obter os benefícios de redução de pena:

i) oferecer provas concretas que contribuam para as investigações; e

ii) ser a primeira pessoa física ou jurídica a manifestar interesse em colaborar.

De acordo com a segunda condição, só o primeiro colaborador beneficia-se da redução da pena. Essa cláusula do vencedor leva tudo (the winner takes it all) faz todo o sentido: ela serve para desestabilizar a estrutura da organização criminosa, pois a qualquer momento um de seus membros pode recolher uma série de provas da participação de seus parceiros e entregar tudo para a Polícia Federal, o Ministério Público ou a Controladoria-Geral da União em troca de uma redução ou isenção de pena.

No caso da Operação Lava Jato, os procuradores do MPF estão interpretando essa condição de um modo pouquíssimo restritivo. Com o objetivo de expandir as investigações para casos que vão muito além da atuação dos doleiros (a origem da Lava Jato) e da corrupção na Petrobras, os procuradores oferecem reduções ou até mesmo alívio completo das penas em troca das delações. O problema é que, de delação em delação e leniência em leniência, as investigações vão se expandindo, mas dezenas de corruptos e corruptores vão tendo abrandadas suas penas.

Como a Operação Lava Jato vem se tornando paradigmática no combate à corrupção no Brasil, essa estratégia gera uma péssima sinalização para o comportamento das empresas no futuro. Os acordos de colaboração premiada têm transmitido a impressão de que, uma vez pego praticando crimes contra a Administração Pública, basta ao corruptor confessar outros crimes e entregar os nomes de agentes políticos ou servidores públicos que deixaram-se corromper para ter a pena aliviada consideravelmente. Ao contrário do que os procuradores da Lava Jato pensam, esse pode ser o legado nefasto deixado pelos acordos firmados com Odebrecht, Braskem e JBS.

Que tal baixar esse infográfico em alta resolução? Clique aqui.

Publicado em 26 de maio de 2017.

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