Por que os estados possuem dívidas com o Governo Federal?

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Foto: Lula Marques/ AGPT / Fotos Públicas

Com a piora da crise econômica em 2016, ressurgiu uma questão muito importante para o equilíbrio das contas públicas brasileiras – e consequentemente, para toda a economia do país. Estamos falando das dívidas que os estados brasileiros possuem com a União. Pode até parecer estranha essa situação, afinal os governos federal e estaduais fazem parte do mesmo Estado brasileiro, mas ela é real. Como é possível os estados se endividarem com a União? Vamos descomplicar essa questão para você!

O Brasil é uma federação. O que isso significa?

O Brasil é um país bem grande, você concorda? Somos o quinto país do mundo em território e também em população. Como administrar um país tão vasto e diverso? A solução que adotamos desde a proclamação da república é descentralizar em parte os poderes políticos da nação. Foi assim que surgiram os estados federativos (hoje são 26), os municípios (mais de 5 mil) e finalmente o Distrito Federal (que tem características tanto de estado, quanto de município). Todos esses entes políticos, além da União, compõem a federação brasileira. Em teoria, a grande vantagem de uma federação é que ela é capaz de aproximar o poder político dos cidadãos. Assim, as grandes decisões não ficam todas nas mãos apenas de uma pessoa ou de um único grupo de pessoas. O poder é descentralizado.

Os entes federativos possuem autonomia fiscal

Como parte da federação brasileira, os entes federativos possuem autonomia em algumas áreas importantes. Uma dessas áreas, que tem tudo a ver com a questão da dívida dos estados, é a autonomia fiscal. Isso significa que cada unidade federativa tem independência para cuidar de suas próprias finanças, determinando como vai arrecadar e gastar seus recursos. Essa situação também é chamada de federalismo fiscal, já que na prática cada ente político tem seu próprio orçamento. Estados e municípios possuem inclusive suas próprias fontes de receita – ou seja, seus próprios tributos. Vamos ver alguns exemplos de impostos cobrados por cada ente federativo?

A União cobra:

  • Imposto de Renda (IR);
  • Imposto de Exportação (IE);
  • Imposto de Importação
  • Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
  • Imposto sobre Operações Financeiras (IOF);
  • Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR);
  • Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF; não regulamentado).

Já os Estados recolhem:

  • Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS);
  • Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);
  • Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Finalmente, os Municípios cobram:

  • Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS);
  • Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU);
  • Imposto sobre Transmissão de Bens e Imóveis Inter Vivos (ITBI).

Estados e municípios também podem contrair dívidas com instituições financeiras nacionais e internacionais, públicas ou privadas. Por fim, cabe mencionar as transferências constitucionais. Como a maior parte dos recursos do Estado brasileiro é arrecadada pela União, o pacto federativo brasileiro prevê mecanismos de repasse de verbas da União para os Estados e Municípios, para ajudá-los a cumprir suas próprias obrigações, como gastos com educação e saúde. Alguns exemplos dessas transferências são o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Qual é o problema do federalismo fiscal no Brasil?

Legal essa coisa de federalismo fiscal, não é mesmo? Afinal, isso significa que o governo do seu estado e a prefeitura do seu município têm em mãos recursos e podem alocá-los da melhor maneira possível, afinal eles teoricamente possuem mais conhecimento da realidade de sua localidade do que o Governo Federal teria. Certamente, essa é uma ideia interessante e que já inspirou teorias econômicas de que a descentralização fiscal gera mais eficiência no gasto público.

O problema é que, pelo menos no Brasil, o federalismo fiscal nem sempre dá certo. A falta de responsabilidade de governadores com a questão fiscal levou muitos estados a se endividar absurdamente já nas primeiras décadas do século XX, época em que o endividamento não era muito controlado. Era corriqueiro estados contraírem empréstimos em bancos internacionais e depois desviar os recursos para outros fins que não aqueles acordados. O Governo Federal salvou muitas vezes esses estados, assumindo suas dívidas.

Em outras situações, as políticas do Governo Federal induziram os estados a se endividarem em um nível pouco saudável. Nos anos 1970, na ditadura militar, os estados brasileiros tinham poucas fontes de receita, já que o Governo Federal centralizava bastante a arrecadação de tributos. Nesse contexto, a dívida com instituições financeiras externas foi uma das principais saídas para que esses entes angariassem recursos. Com a piora das condições econômicas do Brasil nos anos 1980, que levou o país a pedir empréstimo para o Fundo Monetário Internacional, os governos estaduais também se viram em apuros em suas finanças. Foi então que começaram a se endividar com bancos públicos brasileiros e também com a própria União – e foram até incentivados a fazer isso. Além disso, naquele tempo os estados também tinham bancos públicos próprios e podiam se financiar emitindo títulos.

O endividamento com a União triplicou entre 1983 e 1993, o que na época já correspondia a 40% da dívida pública brasileira, o que já era um alerta. Com o plano Real, em 1994, veio o controle da inflação, o que prejudicou definitivamente as receitas dos estados. Esse foi o ponto em que os estados realmente quebraram. Nesse momento a União passou a intervir na situação fiscal da federação: assumiu as dívidas estaduais, tornando-se credora dos estados, e refinanciou o valor que eles deviam.

O acordo de refinanciamento, feito em 1997, determinou que os estados pagariam sua dívida em um prazo de 30 anos. O valor seria reajustado todos os anos de acordo com uma taxa pre-fixada (6% a 9%) somada ao IGP-DI (Índice Geral de Preços, medido pela Fundação Getúlio Vargas). Além disso, os bancos estaduais foram privatizados e os estados ficaram proibidos de emitir títulos de dívida. No ano 2000, também foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que aumenta o rigor em relação à gestão do dinheiro público.

E agora, o que aconteceu com a dívida estadual?

Foto: Dênio Simões/ Agência Brasília / Fotos Públicas

Não é de hoje que o acordo de refinanciamento feito em 1997 com o Governo Federal gera descontentamento. Já faz alguns anos que governadores reclamam das condições impostas no acordo e pedem que elas sejam revistas. O que em 1997 parecia ser um bom negócio, hoje tornou o pagamento da dívida uma tarefa ingrata. Isso já levou a uma mudança importante, concretizada em 2016: o indexador da dívida, que antes era o IGP-DI mais uma taxa anual, passou a ser o IPCA ou a Selic (o que for menor) mais uma taxa de 4%.

Essa medida era requisitada por governos estaduais porque o IGP-DI tornou-se um índice “injusto”. Em 1997, ele ainda era bem menor do que a taxa de juros Selic, que na época passava até dos 30%, e menor do que o IPCA. Por isso, ele foi escolhido para corrigir o valor total devido pelos estados anualmente. Quase 20 anos mais tarde, porém, a situação se inverteu: a inflação encontra-se em um nível relativamente alto, enquanto a Selic, mesmo em um nível alto para os padrões dos últimos anos (14,25% ao ano) ainda está comparativamente baixa com os níveis dos anos 1990. Já o IPCA acumulado desde 97 também é muito menor do que o IGP-DI do mesmo período.

Mas trocar o índice que ajusta a dívida não foi o suficiente. Com o agravamento da crise econômica, os estados estão vivendo muitos problemas fiscais, assim como o Governo Federal, tornando ainda mais improvável que eles consigam honrar suas dívidas. Os motivos para que o problema se agravasse são: algumas medidas do Governo Federal que prejudicaram a arrecadação dos estados; e também a falta de um ajuste fiscal mais rigoroso por parte dos próprios estados.

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil / Fotos Públicas

O aumento da dívida levou os governadores a pedir mudanças drásticas, como a cobrança de juros simples em vez de juros compostos. Parece uma mudança banal, mas isso significaria que a União deixaria de arrecadar mais ou menos R$ 300 bilhões na próxima década. É muito dinheiro! Isso faria a dívida pública subir ainda mais, piorando de vez a nossa situação econômica. Alguns estados chegaram a conseguir no STF o direito de pagar apenas juros simples.

O Governo Federal, então, passou a negociar uma medida de emergência, que pudesse aliviar a situação no curto prazo. O governo Dilma ofereceu aumentar o prazo de pagamento por mais 20 anos e mudar o indexador. Mas apenas em junho de 2016, no governo Temer, a questão foi “resolvida” (provisoriamente). Os estados ficarão sem pagar a dívida por seis meses, e terão bons descontos quando retomarem os pagamentos das parcelas, até julho de 2018. Com essas condições, o Governo Federal deixará de arrecadar R$ 50 bilhões neste ano. Em contrapartida, os estados serão incluídos na PEC que impõe um teto para os gastos públicos.

Que tal baixar esse infográfico em alta resolução? Clique aqui.

Última atualização em 13 de março de 2017.

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Conteúdo escrito por:
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Por que os estados possuem dívidas com o Governo Federal?

16 abr. 2024

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