Abuso infantil e a exploração de crianças e adolescentes

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Abuso infantil e a exploração de crianças e adolescentes
23 fev 2022
23 / fev / 2022

Abuso infantil e a exploração de crianças e adolescentes

*Antes de iniciarmos o texto, ressaltamos que o assunto abordado é sensível e algumas informações podem causar desconforto ou gatilhos ao leitor.

No ano 2000, o dia 18 de maio foi declarado no Brasil como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. E essa data não foi escolhida à toa. 

Ela marca a conscientização sobre um crime ocorrido nesse mesmo dia no ano de 1973, quando a menina Araceli Cabrera, de oito anos, foi estuprada, drogada e morta, sendo que os criminosos saíram impunes da atrocidade cometida.

O episódio sofrido por essa menina é apenas a manifestação da violência e do abuso que acontece de forma recorrente contra crianças e adolescentes, não só no Brasil, mas em todo o mundo. 

O abuso infantil e a exploração, em suas mais diversas formas, são ações que violam a dignidade e os direitos das crianças e adolescentes, tendo impactos negativos no seu desenvolvimento enquanto ser humano. Sendo assim, neste texto do Equidade vamos entender o que é o abuso e a exploração infantil e como podemos combater essas práticas.

O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, a Civicus e o Instituto Mattos Filho, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado(a) para entender o sobre o abuso infantil e a exploração de crianças e adolescentes? Segue com a gente!

Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:

O que é o abuso infantil e quais as suas formas?

O abuso infantil não é algo novo em nossa sociedade. Na verdade, o tratamento violento e impróprio contra crianças e adolescentes é algo presente em nossa história, especialmente nos períodos anteriores ao século XX, quando esses indivíduos não possuíam nenhuma proteção especial.

Sendo assim, questões como infanticídio (homicídio de crianças), abandono, maus-tratos e outras formas de violência perduram em nossa sociedade como problemas sociais. Esses abusos ocorrem mesmo com a infância e a adolescência ganhando destaque em relação à proteção dos seus direitos humanos a partir dos séculos XX e XXI. 

Nesse sentido, de maneira objetiva, podemos dizer que a palavra abuso indica qualquer comportamento que é considerado socialmente inadequado, injusto, excessivo, incorreto e ilegítimo. Sendo assim, o abuso infantil é caracterizado por ser uma ação ou comportamento inadequado e injusto que viola os direitos das crianças e dos adolescentes.

Como consequência, o abuso infantil desrespeita a dignidade desses indivíduos e tem sido considerado um grave obstáculo na garantia da sua proteção integral. Isso porque as explorações praticadas contra esse grupo possuem sérias consequências para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima.

Segundo o Relatório sobre a Prevenção do Abuso Infantil (1999), da Organização Mundial da Saúde (OMS), o abuso infantil pode ser definido como todas as formas de maus tratos físicos e/ou emocionais, abuso sexual, tratamento negligente, comercial ou exploratório que resulte em danos reais à dignidade da criança.

Imagem de uma criança com uma chave inglesa na mão cobrindo o seu rosto com a mão suja representando o abuso infantil e a exploração de crianças e adolescentes

Nesse sentido, são diversas as formas de violência e tratamento que podem ser caracterizadas como abuso e exploração contra crianças e adolescentes. Aqui, vamos ver melhor sobre o abuso sexual e o trabalho infantil.

Abuso e exploração sexual 

A luta contra o abuso sexual tem sido uma pauta na agenda dos direitos humanos na atualidade, incluindo o abuso sexual infantil. O abuso sexual infantil pode ser considerado um evento traumático que traz complicadas sequelas (efeitos) comportamentais, emocionais e sociais negativas para a vítima. 

Além disso, a violência sexual contra crianças e adolescentes se caracteriza como uma ameaça ao seu desenvolvimento sexual e psíquico. Isso porque esses indivíduos estão em uma fase particular de formação enquanto seres humanos.

Sendo assim, o abuso sexual infantil pode ser definido como qualquer contato ou interação inapropriada de cunho sexual entre uma criança ou adolescente e um adulto para a satisfação do mesmo.

Isso significa que esse tipo de abuso infantil inclui situações em que há o contato físico, como toques, carícias ou relações com penetração. E também interações sem o contato físico, como assédio, exibicionismo e voyeurismo (prazer sexual por meio da observação).

Essas práticas abusivas são impostas às crianças e aos adolescentes por meio da violência física, ameaças à sua integridade ou indução de sua vontade, em vista de sua vulnerabilidade enquanto indivíduo. 

A legislação nacional no combate ao abuso sexual infantil

No Brasil, a exploração sexual de crianças e adolescentes é combatida pela Constituição Federal de 1988, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Código Penal.

A Constituição expressa, em seu artigo 227, parágrafo 4º, que a lei irá punir de maneira severa o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Nesse sentido, o ECA possui uma série de dispositivos de combate a esse tipo de crime. 

Como o artigo 240, que determina a reclusão de 4 à 8 anos e multa para quem produz, reproduz, dirige, fotografa, filma ou registra cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente. 

E o artigo 241-D, que estabelece a reclusão de 1 à 3 anos para quem aliciar, assediar ou constranger criança com o fim de praticar ato sexual.

Em relação ao Código Penal, o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes são enquadrados penalmente como estupro (art. 213), atentado violento ao pudor (art. 214), e corrupção de menores (art. 218). 

Sendo que, com a promulgação da Lei 12.015/2009, o abuso sexual infantil entrou no rol dos crimes hediondos (sem direito a fiança, indulto ou diminuição de pena por bom comportamento) e estabeleceu penas de 8 a 15 anos de reclusão para quem tiver atividade sexual com menores de 14 anos.

Dessa forma, em algum caso de abuso ou exploração sexual infantil, é possível realizar denúncias ao Disque 100 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), assim como ao Ministério Público, em qualquer Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente ou ao Conselho Tutelar do seu município.

A realidade do abuso sexual infantil no Brasil

Mesmo possuindo mecanismos legislativos e jurídicos de prevenção e defesa contra esse tipo de violência, esses crimes continuam a ser cometidos no país. De acordo com o MMFDH, foram registradas mais de 6 mil denúncias de abuso sexual infantil apenas entre janeiro e maio de 2021.

Esse número corresponde a mais de 2 denúncias por hora e representa cerca de 17,5% de todas as denúncias de violência contra crianças e adolescentes recebidas no período. 

Além disso, segundo o estudo Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil (2021), do UNICEF e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados quase 180 mil casos de estupro de menores de 19 anos entre 2017 e 2020.

Olhando apenas para crianças até 14 anos, o estudo indica que cerca de 100 crianças foram estupradas por dia no Brasil durante esse período. Sendo que, do total de casos, 86% dos criminosos eram conhecidos da vítima, em sua maioria, familiares.

Ressalta-se ainda, como o próprio documento expressa, que esses números não refletem a total realidade e podem estar subnotificados. Mas, mesmo assim, demonstram o quanto precisamos nos conscientizar como sociedade sobre esse problema.

O trabalho infantil como abuso de crianças e adolescentes

Outro tipo de abuso infantil que configura a exploração de crianças e adolescentes é o trabalho infantil. Isso porque a realização de atividades laborais (trabalhistas) na infância e na adolescência pode prejudicar o pleno desenvolvimento do indivíduo, assim como constitui o aproveitamento indevido de indivíduos em condição de vulnerabilidade.

O trabalho infantil consiste em toda e qualquer atividade econômica e/ou de sobrevivência, remunerada ou não, realizada por crianças e adolescentes em idade inferior a 16 anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 anos.

Imagem de um grupo de crianças negras em condições precárias, que uma delas carrega um balde na cabeça representando o abuso infantil e a exploração de crianças e adolescentes

Dessa forma, o trabalho infantil viola os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. Isso porque, conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT), esse tipo de abuso priva esses indivíduos de viver uma infância e adolescência harmoniosa. Ou seja, impede que realizem atividades direcionadas para o seu desenvolvimento.

Atividades como frequentar a escola, ter acesso ao lazer, à cultura e oportunidades para ter uma formação saudável e desenvolver as suas capacidades e habilidades de maneira plena. 

O trabalho como forma de abuso infantil também é um problema antigo em nossa sociedade. Por muito tempo as crianças e adolescentes foram explorados para realizarem serviços degradantes e em condições desfavoráveis por representarem uma mão de obra barata. 

Contudo, esse abuso continua sendo a realidade de milhões de crianças ao redor do mundo atualmente. De acordo com o UNICEF, o trabalho infantil atinge cerca de 160 milhões de crianças e adolescentes no planeta, sendo que essa situação está ligada com a miséria, a pobreza e a ausência de políticas públicas efetivas na garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.

A legislação nacional no combate ao trabalho infantil

Em nosso país, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, proíbe o trabalho de menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz a partir dos 14 anos, sendo proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos de idade. 

Sendo assim, de forma a regulamentar a disposição constitucional, o ECA, por meio do seu art. 60, determina expressamente a proibição de qualquer forma de trabalho até os 14 anos de idade. 

O ECA também alterou dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o objetivo de estabelecer requisitos mínimos para a execução do trabalho protegido pelos adolescentes na condição de aprendiz.

Dentre os requisitos está a garantia da frequência escolar, a realização de atividades compatíveis com o seu desenvolvimento e horário especial para a execução do trabalho. Além disso, o ECA, por meio de seu art. 65, garante aos aprendizes os direitos trabalhistas e previdenciários previstos em lei.

Além disso, nos anos 2000 e 2002, o Brasil ratificou (validou internamente) as Convenções 182 e 138 da OIT, reafirmando o compromisso brasileiro em enfrentar o problema do trabalho infantil. As Convenções dispõem sobre a proibição desse tipo de exploração e abuso infantil, inclusive exigindo a aplicação de sanções penais pelos Estados signatários. 

Além de estabelecerem ações para a sua eliminação, como monitoramento da aplicação das normas jurídicas sobre trabalho infantil pelas organizações e empresas, assim como a idade mínima de 14 anos para admissão ao emprego.

A realidade do trabalho infantil no Brasil 

De acordo com relatório do UNICEF, a cada ponto percentual que cresce a pobreza nos países, as chances de agravamento do trabalho infantil aumenta em 0,7%. Esse número é preocupante para o Brasil visto que em decorrência da pandemia do Covid-19 a pobreza no país quase triplicou entre 2020 e 2021, segundo o G1 com base em dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Nesse sentido, os últimos dados oficiais, disponibilizados pelo MMFDH, apontam que o Brasil possuía 1,8 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no ano de 2019. Um número menor que os 2,1 milhões registrados em 2016. 

Desse total, cerca de 65% das crianças e dos adolescentes eram meninos negros, sendo que 45% das ocupações exercidas são consideradas trabalhos perigosos ou insalubres. Além disso, a estimativa era de que 86,1% das crianças e adolescentes em trabalho infantil não frequentavam a escola, indicando uma correlação entre esse tipo de exploração e a evasão escolar.

Na época, esse número representava aproximadamente 4,6% da população infantil do Brasil. Contudo, como comentado, em vista dos impactos socioeconômicos sofridos nos anos de 2020 e 2021, esse número pode não mais refletir a realidade, podendo, hoje, ser muito maior. 

Conclusão

O processo de concretização dos direitos das crianças e dos adolescentes, apesar de ser um enorme avanço para a proteção desse grupo, não conseguiu superar práticas e problemas históricos em relação ao tratamento dado à infância e à adolescência.

Isso significa que a eliminação de qualquer tipo de abuso infantil e exploração desses indivíduos passa não só pelo reconhecimento legislativo e jurídico desse grupo como seres em condição especial de desenvolvimento. Mas também pelo reconhecimento social e coletivo de toda a sociedade. 

Ou seja, instrumentos de proteção contra problemas como abusos sexuais e trabalho infantil oferecem ferramentas para a garantia dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, mas se faz necessária a efetiva participação popular na fiscalização, execução e controle dessas ferramentas.

Nesse sentido, um dos aspectos que contribui para a vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes, colocando-os em risco de abusos, e que deve ser prevenido e combatido pela sociedade é o abandono. Por isso, no próximo texto do Equidade vamos falar sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Brasil, não deixe de conferir!

Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos das Crianças e dos Adolescentes“, confere o vídeo abaixo!

Autores:

Anna Paula Jacob Gimenez
Bárbara Correia Florêncio Silva
Caroline Sayuri Ogata Graells
Eduardo de Rê
Giovanna de Cristofaro
Mariana Dragone Pires
Mariana Scofano Martins

Fontes:

1- Instituto Mattos Filho;

2- BORGES, Jeane; DELL’AGLIO, Débora. Abuso sexual infantil: Indicadores de risco e consequências no desenvolvimento de crianças. Revista Interamericana de Psicología, vol. 42, nº 3, p. 528-536, 2008.

3- CONDE, Soraya; Silva, Mauricio. Persistência do trabalho infantil ou da exploração do trabalho infantil.  Revista Roteiro, Joaçaba, vol. 45, p. 1-20, 2020.

4- Constituição Federal de 1988.

5- Código Penal, 1940.

6- Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990

7- Governo Federal. Brasil Unido no combate ao trabalho infantil. 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2021/06/brasil-unido-no-combate-ao-trabalho-infantil>. Acesso em: 11 de novembro de 2021.

8- Jornal Nacional. Número de brasileiros que vivem na pobreza quase triplicou em sei meses, diz FGV. G1, 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/04/05/numero-de-brasileiros-que-vivem-na-pobreza-quase-triplicou-em-seis-meses-diz-fgv.ghtml>. Acesso em 11 de novembro de 2021.

9 – Lei 12.015/2009

10- MONTE, Paulo. Exploração do Trabalho Infantil no Brasil: Consequências e Reflexões. Revista EconomiA, Brasília, vol. 9, n. 3, p. 625-650, 2008.

11- Organização Internacional do Trabalho. Child Labour: Global Estimates 2020, Trends and the Road Forward. 2021. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_norm/—ipec/documents/publication/wcms_797515.pdf>. Acesso em: 11 de novembro de 2021.

12-  Organização Mundial da Saúde. Report of the Consultation on Child Abuse Prevention. OMS, 1999. Disponível em: <https://apps.who.int/iris/handle/10665/65900>. Acesso em: 10 de novembro de 2021.

13- Organização Mundial da Saúde. Child abuse and neglect by parents and other caregivers. In: Organização Mundial da Saúde. World Report on Violence and Health. Capítulo 3, p. 57-86, 2002. Disponível em: <https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/global_campaign/en/chap3.pdf>. Acesso em: 10 de novembro de 2021.

14- UNICEF. Trabalho Infantil aumenta pela primeira vez em duas décadas e atinge um total de 160 milhões de crianças e adolescentes no mundo. 2021. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/trabalho-infantil-aumenta-pela-primeira-vez-em-duas-decadas-e-atinge-um-total-de-160-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-no-mundo>. Acesso em: 11 de novembro de 2021.

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