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O que aprendi trabalhando com refugiados e refugiadas

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Refugiados do Congo em ato no Rio de Janeiro, contra a guerra civil, violações de direitos humanos e por eleições presidenciais em seu país. Fonte: Fernando Frazão/Agência Brasil

O dia 20 de junho marca o Dia Internacional do Refugiado. Esse dia foi instituído em 2001 por meio de uma resolução aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), a data é uma oportunidade para celebrar a coragem, a resistência e a força de todos os homens, mulheres e crianças forçados a deixar suas casas por causa de guerras, conflitos e perseguições. Outra data próxima que têm a ver com refugiados é o dia do imigrante em 25 de junho, afinal, o conceito de “refugiado” é uma forma específica de falar sobre determinados imigrantes.

Tive algumas experiências de trabalho social com refugiados: uma como voluntária em um campo de refugiados na Hungria, cujo objetivo era ensinar inglês para refugiados árabes e outra como estagiária na Pastoral do Migrante. de Florianópolis, onde ajudava com a regularização de documentos e a fazer currículos. Consigo descrever a experiência em alguns aprendizados tidos nesses momentos, as quais acho que vale a pena compartilhar:

Primeiro, uma contextualização sobre a relação do Brasil e com os refugiados

O Brasil tem sido elogiado por sua postura em relação aos refugiados – foi o primeiro país sul americano a ratificar a Convenção de 1951, instrumento legal internacional que garante a proteção dos refugiados, e também foi o primeiro Estado a integrar o comitê executivo do ACNUR. Já na legislação interna do país, conta com a Lei 9.747, de 1997, que reafirma as definições da Convenção e garante aos refugiados e refugiadas os mesmos direitos que qualquer outro imigrante no país (MOREIRA, 2005).  

Políticas específicas direcionadas aos refugiados também foram internacionalmente reconhecidas como progressistas (NAÇÕES UNIDAS, 2018). Dentre as medidas está o programa de emissão de vistos humanitários para refugiados se mudarem para o país por meio de consulados brasileiros próximos à Síria, visto a grave situação causada pela guerra civil no país. Outro programa relevante é o de reassentamento de populações refugiadas em situação vulnerável, particularmente colombianos que vivem em outros países latinos para o Brasil. Saiba mais sobre como o programa de reassentamento de refugiados no Brasil funciona aqui.

Mas como essas políticas são implementadas depois que os refugiados entram em um novo  país? Quais entidades as levam a cabo? A proteção jurídica é a única necessidade de um refugiado?  

Neste texto, tentarei explicar um pouco sobre a dinâmica da proteção e integração dos refugiados no Brasil a partir da minha vivência trabalhando e convivendo com eles nos últimos quatro anos, buscando desmistificar diversos pré-conceitos inerentes ao tema.   

Leia mais sobre o Brasil e a crise de refugiados neste conteúdo!

1. Primeira experiência com refugiados, na Hungria: não se deixe levar por estereótipos

Foto: Matt Cardy | Getty Images

A minha primeira experiência direta com refugiados foi na Hungria. A  oportunidade foi de desenvolver um projeto em um campo de refugiados lecionando aulas básicas de inglês para os solicitantes de refúgio e refugiados que lá viviam. O campo era bastante pequeno – abrigava cerca de 300 refugiados de países árabes em sua grande maioria, no qual afegãos, sírios e iraquianos eram as nacionalidades predominantes, porém nacionalidades africanas como eritreus, etíopes e congoleses também eram numerosas. Até então, eu tinha apenas noção de que refugiado era uma “pessoa que saiu de seu país por conta de fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, em situações nas quais não possa ou não queira regressar ao mesmo” (Convenção de 1951).

O que aprendi naqueles dias foi muito além de como a legislação internacional que protege os refugiados se aplica na prática. Pessoalmente, logo desconstruí o estereótipo que refugiados são pessoas dependentes de ajuda externa para sobreviver e alheias ao contexto em que vivem. Muitos refugiados que lá habitavam vendiam comida típica do país de origem para não depender dos escassos fundos que recebiam e estavam dispostos a oferecer o que sabiam de melhor para ganhar nova vida.

A solidariedade e a vontade de partilhar daquelas pessoas me surpreenderam diariamente. Era bastante comum ser chamada para participar dos jantares nas residências das famílias depois da aula, jantares que muitas vezes se estendiam para aulas de dança e cultura árabe. Outra tradição que se tornou comum foi o chá da tarde com minha única aluna mulher, uma eritréia que perdeu a família no decorrer do caminho até a Hungria e mesmo assim encontrava forças para aprender um idioma novo, na esperança de encontrar um novo lar em algum lugar da Europa.

2. Minha experiência no Brasil – Pastoral do Migrante de Florianópolis, CRAI SC: uma política de portas abertas e inclusiva é fundamental, mas não é tudo

Foto: Leo Munhoz / Agencia RBS

Quem já trabalhou ou trabalha com refugiados aprende uma primeira lição muito cedo: eles ensinam muito mais do que nós poderíamos ensiná-los. Eu sabia que muito provavelmente nunca mais manteria contato com as pessoas que conheci no campo e que apesar de me esforçar por ensinar algo novo, as aulas que lecionei naquelas seis semanas pouco mudariam suas vidas. Decidi, então, me envolver mais profundamente com as questões de refúgio e imigração na minha cidade. De volta à Florianópolis, eu comecei a participar do grupo de estudantes que fazia atendimento na Pastoral do Migrante, através da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, um convênio da Universidade Federal de Santa Catarina com o ACNUR.     

Com algum tempo trabalhando como estagiária voluntária, percebi que as Pastorais do Migrante eram as verdadeiras responsáveis por implementar os acordos internacionais firmados pelos diplomatas brasileiros no exterior. Com apenas uma funcionária e no máximo dois estagiários por turno, a Pastoral atendia, em média, 40 imigrantes e refugiados diariamente.

3. As dificuldades dos refugiados para oficializar a sua estadia em um novo país

As demandas mais imediatas de um refugiado/imigrante recém chegado no Brasil são a regularização migratória e a busca por trabalho. Isso porque apesar de o Brasil acolher refugiados e imigrantes, eles não ganham seus documentos automaticamente após entrar em território brasileiro. O documento oficial do imigrante no Brasil chama-se Registro Nacional do Estrangeiro (RNE), equivalente ao RG do nacional. Para obter esse documento, é necessário registrar-se na Polícia Federal, órgão competente por sua emissão, e a fila de espera para esse processo pode levar semanas e até meses em algumas cidades. Até o registro ocorrer, não é possível fazer a Carteira de Trabalho, o que reduz a possibilidade de contratação em um emprego formal e aumenta o risco de aliciamento para subempregos e trabalhos análogos à escravidão.

No caso dos refugiados, a situação é ainda mais precária. Uma pessoa recém-chegada ao Brasil que deseja solicitar refúgio também precisa se apresentar na Polícia Federal, porém o órgão competente para analisar o pedido de refúgio é o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE). O período de análise dura, em média, cinco anos. Isso porque o total de pedidos de refúgio acumulados no CONARE é de 80 mil, e o total de funcionários disponíveis para analisá-los é de apenas dezesseis pessoas (MIGRAMUNDO, 2018).

Até a homologação do pedido, o solicitante de refúgio possui apenas o protocolo de solicitação de refúgio como documento oficial, que é basicamente uma folha impressa com seus dados pessoais e carimbada pela Polícia Federal. As dificuldades de reconhecimento desse documento por órgãos públicos e empresas é bastante comum, o que dificulta diretamente a inserção do solicitante de refúgio na sociedade brasileira.

Além do mais, muitos RHs exigem documentos que não podem ser apresentados por pessoas que não sejam brasileiras, como o título de eleitor e comprovante de reservista – para se ter uma ideia, uma pesquisa recente levantou que mais de 90% dos recrutadores não sabem como proceder em relação a contratação de refugiados (G1, 2018).

Aparte dos entraves burocráticos, o preconceito e a xenofobia são fronteiras que essa população tem de cruzar diariamente. O desconhecimento sobre a questão migratória perpassa várias instâncias públicas e privadas, nas quais o acesso ao sistema público de saúde, escolas e demais instituições necessárias para tornar a integração do imigrante possível na sociedade de acolhida é impedida por desconhecimento em relação a documentação necessária fundada, muitas vezes, por xenofobia e preconceito (STEFFENS, 2017).    

O que podemos aprender com o histórico brasileiro em relação aos imigrantes e refugiados e como podemos contribuir para melhorá-lo?

Para que essa população realmente encontre segurança em nosso país, a ampliação das políticas públicas como a implementação de Centros de Referência para Imigrantes é extremamente necessária – há apenas dois em todo o Brasil, nas cidades de São Paulo e Florianópolis. Tais espaços são essenciais para que estes recebam atendimento apropriado e qualificado para que suas demandas primordiais sejam atendidas.

No entanto, as estruturas burocráticas não são capazes de combater as fronteiras invisíveis que erguem-se para imigrantes e refugiados todos os dias. Para tanto, é necessário exercitar a empatia e a solidariedade diariamente. E como fazê-lo?

  • Debater o assunto e desconstruir sensos comuns;
  • Ser gentil com refugiados e imigrantes no dia-a-dia;
  • Dar oportunidade de emprego a eles, mesmo que não seja possível apresentar comprovante de escolaridade, por exemplo. Lembre-se que muitos fugiram de guerras e situações extremas, nem sempre é possível trazer todos os documentos!  
  • Comprar produtos de pessoas migrantes e em situação de refúgio. Muitos são verdadeiros empreendedores e usam de sua cultura extremamente rica para sobreviver e promover sua origem no Brasil.
  • Participar e promover eventos que possam sensibilizar as pessoas sobre a causa da migração e do refúgio. Te convido a acessar os links abaixo para que possas ter a oportunidade de contribuir com as organizações que trabalham com refugiados por todo o Brasil ou mesmo para que participes dos diversos eventos que vão acontecer na semana do refugiado!  

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Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!

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Conteúdo escrito por:
Gabriela Martini é graduada em Relações Internacionais pela UFSC. Se apaixonou pelo tema de migrações e refúgio após fazer trabalho voluntário em um campo de refugiados em Bicske, Hungria. Foi extensionista da Cátedra Sérgio Vieira de Mello na Pastoral do Migrante de Florianópolis, e posteriormente, coordenadora. Hoje atua como agente de integração no Centro de Referência de Atendimento ao Imigrante – CRAI/SC.

O que aprendi trabalhando com refugiados e refugiadas

19 abr. 2024

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