Leis antigas: cinco leis da era vargas ainda vigentes

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!

Praticamente todas as leis trabalhistas, sanções do Código Penal e do Processo Penal que norteiam a sociedade brasileira ainda hoje, foram criados entre os anos 1930 e 1945, período ditatorial em que o presidente Getúlio Vargas governou o Brasil. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) diz respeito à um conjunto de leis que regulamenta as relações trabalhistas e protege o trabalhador contra explorações. O Código Penal reúne as condutas consideradas crimes no país e suas as respectivas penas. E o Código do Processo Penal, por sua vez, é todo caminho que a justiça deve percorrer para aplicar as leis. Pensando nessas leis antigas, o Politize! preparou esse texto para falar um pouquinho sobre algumas leis que já não se enquadram na nossa realidade, mas que ainda estão vigentes em nosso ordenamento jurídico!

Leia também: Instâncias da justiça: conheça os tão famosos graus de jurisdição!

Imagem: Pixabay

OK, MAS QUAL É O PROBLEMA DAS LEIS ANTIGAS?

É verdade que durante o governo de Getúlio Vargas muitas conquistas para o trabalhador foram estabelecidas. No entanto, mesmo a melhor das leis pode ficar desatualizada ou limitada com o tempo, afinal, o mundo não é estático. Mudanças acontecem o tempo todo e o sistema legislativo de cada país tem que estar atento à essas mudanças para conseguir se renovar junto ao povo.

A sociedade brasileira da Era Vargas (para qual foram pensados o Código Penal, do Processo Penal e as leis trabalhistas, por exemplo) não é a mesma sociedade de 2018. Para se ter uma ideia, em 1940 o Brasil tinha acabado de se tornar um país industrial. O primeiro computador eletrônico, ENIAC, ainda não tinha sido lançado. Internet então? Nem a televisão tinha chegado na casa das pessoas. A ONU não havia sido fundada. Michel Temer, atual presidente do país, tinha acabado de nascer.

Muita coisa mudou de lá para cá, não é mesmo? Porém algumas leis desse período continuam vigentes e contribuem para a grande confusão que é o sistema legislativo brasileiro. Além disso, essa situação pode promover insegurança jurídica (brechas) e lentidão nos processos, já que ninguém sabe ao certo o que está valendo ou não. Estima-se que o país tenha pelo menos 5 milhões de leis, muitas delas conflitantes, desatualizadas ou completamente obsoletas.

Abaixo, veremos 5 destas leis antigas, criadas na Era Vargas e que continuam em vigor:

Decreto-lei nº 639, artigo 17, de 1938: Os estrangeiros e a agricultura

” Art. 17. O agricultor ou técnico de indústria rural, quando houver ingressado no país prevalecendo-se da preferência da quota (art. 16), não poderá abandonar a profissão durante o período de quatro (4) anos consecutivos, contados da data do seu desembarque, salvo autorização do Conselho.”

Essa lei fala sobre o trabalho dos estrangeiros no campo. Segundo ela, o estrangeiro agricultor, vindo ao Brasil, teria que, obrigatoriamente, continuar na profissão por no mínimo 4 anos. Algo impensável hoje, já que desrespeita as liberdades individuais.

Essa lei foi feita para uma sociedade bem diferente da que vivemos atualmente. Uma sociedade de 80 anos atrás que tinha interesse em manter a força de trabalho estrangeira no campo. Uma lei que já não tem aplicabilidade, que está obsoleta, mas em vigor.

Decreto-Lei nº 3.688, artigo 59, de 1941: A lei da vadiagem

O decreto de Lei n° 3688 trata das contravenções penais. A mais curiosa delas e ainda vigente é a conhecida antigamente como “lei da vadiagem”, que considera a ociosidade um crime passível de punição: 15 dias a 3 meses. Essa lei foi muito utilizada durante a Era Vargas até meados de 1990 para prender pessoas, principalmente pobres e negros, que por qualquer motivo não tinham um emprego registrado em carteira ou apenas não portavam o documento no momento da abordagem policial. Veja aqui o relato de um caso de aplicação desta lei.

Cerca de 75% das pessoas presas por vadiagem eram absolvidas, pois não haviam provas. Ser “vadio” era considerado crime contra os costumes, reflexos de como funcionava o pensamento da sociedade na época. Não ter registro em carteira de trabalho era sinônimo de ser bandido.

Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:”

Hoje, em um Brasil de cerca de 12,7 milhões de desempregados e várias outras categorias de trabalho fora da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), essa lei, que já era inaplicável há 77 anos atrás, quando foi criada, tornou-se ainda mais obsoleta.

Decreto Lei n.º 5.452, artigo 137, DE 1943: a anotação das férias

“A concessão das férias será participada, por escrito, com a antecedência, no mínimo, de oito dias. Dessa participação o interessado dará recibo.”

Outra regra em desuso dentro da CLT é a da necessidade de anotação das férias por escrito na carteira de trabalho. Apesar de uma pequena mudança no número de dias de antecedência, a Reforma Trabalhista aprovada em 2017 não mudou a regra de anotação por escrito, que continua valendo ainda hoje, nos tempos da tecnologia, em que muito tem se tornado digital digital.

Para saber mais: reforma trabalhista: conheça os principais pontos!

O código do processo penal e as multas em réis

“Art. 264.  Salvo motivo relevante, os advogados e solicitadores serão obrigados, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, a prestar seu patrocínio aos acusados, quando nomeados pelo Juiz.”

“Art. 277.  O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, salvo escusa atendível.”

“Art. 101.  Julgada procedente a suspeição, ficarão nulos os atos do processo principal, pagando o juiz as custas, no caso de erro inescusável; rejeitada, evidenciando-se a malícia do excipiente, a este será imposta a multa de duzentos mil-réis a dois contos de réis.”

Várias multas expressas no Código do Processo Penal, criado em 1941, ainda são cobradas em réis. A existência dessas multas mostra que há pouco interesse na correção das regras que, mesmo sem utilidade, ainda fazem parte do texto jurídico.

Nota de vinte mil réis – Imagem: Domínio Público

Lei nº48, artigo 3, de 1935: analfabetos e o voto

“Art. 3º Não se podem alistar eleitores:

  1. a) os que não saibam ler e escrever;
  2. b) as praças de pret, exceptuados os alumnos das escolas militares de ensino superior, os aspirantes a officiaes, e os sargentos do Exército, da Armada e das forças auxiliares do Exército
  3. c) os mendigos;
  4. d) os que estiverem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos.”

Apesar da Constituição Federal de 1988 permitir o voto dos analfabetos, a lei nº 48 de 1935, ainda não revogada, discrimina essa população. É um exemplo de lei  conflitante e em desuso, mas que segue válida há 83 anos.

UM GRANDE NOVELO DE LEIS

As leis apresentadas neste texto são apenas um exemplo do confuso novelo em que o Brasil se encontra. Todos os dias são criadas cerca de 18 novas leis e a maioria cai em desuso em pouquíssimo tempo, seja por serem inconstitucionais, seja por serem completamente desconhecidas pelos juízes ou simplesmente “inúteis”. Nesse ritmo, daqui 80 anos, imagine como estará a máquina legislativa, a quantidade de “brechas” nas leis… você se sentiria seguro diante desse cenário? Segundo o autor Noel Baratieri:

O crescimento vegetativo de leis transforma em lenda a presunção de que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (art. 3º, do Decreto-Lei n. 4657, de 4 de setembro de 1942). É impossível o destinatário das normas jurídicas conhecê-las na sua integralidade, pois a quantidade de normas jurídicas existentes inviabiliza seu conhecimento.”  (BARATIERI, 2016)

Propostas para a simplificação desse sistema chegam através da Consolidação de Leis –  que significa agrupar leis que tratam do mesmo assunto – organizando-as e cortando do texto o que for conflitante ou ultrapassado. Organizar as normas legais é um dever dos legisladores. Por isso, fique de olho, criar novas leis não significa necessariamente melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro, muito menos dar mais segurança. Pode, por vezes, significar justamente o contrário disso. É a velha máxima da qualidade, em vez da quantidade.

O que achou desse conteúdo? Deixe seu comentário.

Aviso: mande um e-mail para contato@politize.com.br se os anúncios do portal estão te atrapalhando na experiência de educação política. 🙂

Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!
Fecontesc – Brasil vive emaranhado legal e nem sabe quantas leis estão valendo

Lei nº48, de 4 de maio de 1935

Decreto-Lei nº 406 de 4 de maio de 1938

Decreto-Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941

Decreto-Lei nº 1.535 de 15 de abril de 1977

Jus Brasil – A inutilidade das leis em demasia

GNN – Problema está na lei desatualizada

Infoescola – Código Penal brasileiro

O Globo – O código penal de 1940 não parece que foi ontem

O Globo – Brasil faz 18 leis por dia, a maioria vai para o lixo

Conjur – Brasil editou 54 milhões de normas

Jus – A consolidação como técnica de simplificação e organização da legislação municipal

GoCache ajuda a servir este conteúdo com mais velocidade e segurança

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Estudante de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo, estagiária na TV Globo e formada em Jogos Digitais. Acredito que é através da informação que as grandes mudanças acontecem.

Leis antigas: cinco leis da era vargas ainda vigentes

18 abr. 2024

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo