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Qual o papel do Estado depois do coronavírus ? 

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Esse conteúdo é fruto de uma parceria entre o Politize! e o EPEP (Estudos de Política em Pauta) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 Congresso e a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Congresso e a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)Nas últimas semanas, tem sido comum ouvir notícias sobre o possível  aumento do desemprego, o agravamento da crise econômica, o crescimento da pobreza, a necessidade da ampliação dos programas de assistência social, entre uma série de outras informações. Uma das possíveis perguntas diante deste cenário é: como fazer o Brasil voltar a crescer depois dos tempos de pandemia?

A resposta ao questionamento parece passar por uma discussão acerca do papel a ser desempenhado pelo Estado brasileiro no futuro. Em resumo, o que se coloca em debate são duas grandes visões acerca de como governos devem se comportar.

Estado Mínimo ou Intervencionista?

A primeira visão invoca a imagem do chamado “Estado Neoliberal”, o que comumente se convencionou chamar, no Brasil, de um “Estado mínimo” ou de uma “máquina estatal enxugada”. Nessa visão, os governos deveriam intervir o mínimo possível na economia, dando amplo espaço para que os entes privados possam inovar e atuar por conta própria. O Estado apenas  faria contenção de possíveis “abusos do mercado”, por meio de uma política regulatória e fiscalizatória. Os gastos com programas sociais e econômicos deveriam ser menores. O Estado, em palavras leigas, seria mais um garantidor de liberdades do que efetivador de direitos. 

Já a segunda visão nos trás a figura típica de um Estado mais intervencionista, que gasta muito com programas sociais, investe recursos públicos na economia, cria empresas estatais (como a Petrobrás e o Banco do Brasil) e se mostra mais como um efetivador de direitos, investindo pesado em educação, saúde, habitação, entre outros, do que garantidor de liberdades individuais. Também não é incomum associar estas características ao chamado “Estado de Bem Estar Social”, expressão que pode ser pontuada nos debates acadêmicos e políticos. 

A equipe do Ministro da Economia, Paulo Guedes, vem se mostrando mais alinhada com a visão do Estado “Neoliberal”. É o que percebemos a partir da propositura e aprovação de medidas,  como a recente “Lei de Liberdade Econômica”. A mesma preza pela chamada autonomia privada e desburocratização das relações econômicas. O anúncio da vontade do governo em privatizar, ou seja, vender  algumas estatais como os Correios e a Eletrobrás são outros indicativos que o governo federal adotou a linha neoliberal de Estado. Além disso, o Ministro da Economia sempre destaca a importância das contas públicas terem um bom equilíbrio fiscal; o que se traduziria em corte de gastos e no controle da dívida pública. 

O que se coloca como contraponto é que o chamado “Estado Liberal” não seria capaz de promover a retomada do crescimento econômico ou de evitar ou aumento de problemas sociais como desemprego, pobreza e fome.  O Estado deveria adotar uma posição mais ativa e intervencionista na economia e na política social. A ampliação de programas como o Bolsa Família, a criação de novos benefícios sociais permanentes e o investimento estatal em áreas como construção civil, infraestrutura e o suporte financeiro  às empresas são elencadas como medidas que estimulariam a economia, evitando o desemprego e a pobreza em massa. Em relação à esse contraponto de visões, afirmou o ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e Professor de Economia da FGV, Nelson Barbosa, em entrevista à BBC News Brasil

“Na saída da crise, há quem ache que o governo não vai precisar fazer muito mais coisa, que o mercado vai se recuperar sozinho. Isso é um erro, porque teremos famílias e empresas com renda menor, mais dívida e maior incerteza. Então é muito difícil que o setor privado se recupere por conta própria”

Mesmo economistas que já se declararam alinhados à uma posição mais neoliberal, como Armínio Fraga (ex- presidente do Banco Central), vêm ressaltando a necessidade de maiores gastos e intervenções estatais como forma de se conter o agravamento da crise econômica e social por conta da pandemia do coronavírus. Neste sentido, destacou Fraga em entrevista à BBC News Brasil

“Há uma clara necessidade de se gastar de forma temporária em questões de saúde, sociais e em alguns casos empresariais. Mas está claro que não há espaço para outras aventuras, outros gastos, posto que o Brasil ainda não conseguiu recuperar sua saúde fiscal”

Entretanto, como ressaltado na parte final do último depoimento e ressaltado por diversos defensores da visão neoliberal, diante os clamores por um Estado mais atuante e intervencionista, surge uma grande questão: como fazer o Estado investir se os cofres do governo estão vazios? Apenas em 2019, as contas do governo federal fecharam o ano com um Déficit de aproximadamente 80 bilhões de  reais. Com o coronavírus, a previsão é que este valor chegue a 400 bilhões, conforme indicação do Tesouro Nacional. Ou seja, o governo gasta mais do que arrecada e as contas ficam no vermelho. Diante o cenário, mesmo que quisesse, o Estado não seria capaz de adotar uma estratégia mais atuante em relação às políticas econômicas e sociais. 

Afinal, quem tem a razão? 

Uma análise ampla e racional do tema parece indicar que a completa razão não assiste a de nenhum dos extremos aqui considerados (seja para os defensores de um Estado Neoliberal puro ou para os que defendem o Intervencionismo pesado).

É  verdade que o Estado não pode “lavar as mãos” e deixarem as coisas se resolverem  por conta própria. Tomar tal posicionamento seria, no mínimo, caótico. A nossa própria Constituição Federal de 1988, Lei máxima que dita os rumos com que nossos governantes dirigem o governo, exige uma atitude imperativa, a ação por parte do Estado. São diversas as expressões como “O Estado deve”; “O Poder Público assegurará” e o “O Estado promoverá” em nossa Carta Magna. Quase sempre, estes comandos estão associados com o dever do Estado em promover a garantia dos direitos sociais e do desenvolvimento econômico. Ficar de “mãos atadas”,  no momento da atual pandemia, seria não só desobedecer primados constitucionais, mas  permitir o agravamento das crises social e econômica.

Tão pouco se pode achar que o “Estado” tem a capacidade de sair gastando, apoiando e investindo em diversos setores da economia e em relação aos novos grupos de vulnerabilidade social que surgirão depois do coronavírus. Agir com irresponsabilidade fiscal, neste momento, seria proporcionar um aumento exponencial da dívida pública no futuro. A desvalorização ainda maior de nossa moeda e o aumento das taxas de juros poderiam ser um grande problema a longo prazo, caso o Estado adotasse uma atuação mais forte e intervencionista sem medir seus custos.

Existem caminhos possíveis?

Encarando a realidade e necessidade de ação, por parte do Estado, um caminho possível parece ser estimular investimentos públicos com o aporte do Setor Privado. Meios de contratação como as Concessões de infraestrutura pública, Parceria Público Privadas, Contratos de Impacto Social, entre outros arranjos contratuais, permitem que grandes empresas privadas invistam em obras e serviços públicos que podem ajudar a reaquecer a economia. Para este cenário, entretanto, seria preciso encabeçar reformas que facilitem e diminuam as burocracias que impedem o privado de investir em setores públicos.

Mesmo assim, o Estado teria que reforçar seu caixa, para poder proporcionar um aporte adequado à estes investimentos, ao mesmo tempo que amplia e garante os programas sociais. Com tal intuito, já surgiram algumas propostas. Alguns projetos de Lei que circulam no Congresso preveem a possibilidade de tributação e da realização de empréstimos compulsórios em relação às grandes empresas. O ponto negativo disso poderia ser o  o desestímulo a maiores investimentos e atividades por parte dos setores privados. 

Outra alternativa sugerida tem sido a de tributar as grandes fortunas pessoais. Apesar da polêmica, destaca-se que a proposta não seria tributar os ganhos das classes médias. Ao se falar em “fortuna”, se quer dizer sobre o patrimônio daquelas pessoas cuja a cifra alcança das dezenas de milhões aos bilhões de reais. Diversos países, ao redor mundo, incluindo muito daqueles que se chamam de desenvolvidos, já fizeram medidas semelhantes desde o século passado.

Os grandes debates sobre o tema podem nos remeter a um contexto histórico. Logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, diversas nações europeias, destruídas e falidas, se viram diante a necessidade de reconstruir materialmente seus países. A solução foi tributar os ricos, naquilo que mais tarde ficou conhecido como “Imposto de Renda”.

O importante, nesse momento, é não radicalizar. Antes de encarar uma visão neoliberal ou mais intervencionista, devemos encarar a realidade para ver as alternativas que nos levem a superar as atuais crises.

E você, que visão tem sobre qual deve ser o papel do Estado? Compartilhe com a gente nos comentários!

Referências;

BBC News Brasil (Entrevistas) – Portal da Câmara (Projeto sobre empréstimos compulsórios de empresas) – Portal da Câmara (Previsão de déficit do Tesouro Nacional)

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A EPEP-FGV (Estudos de Política em Pauta) é uma entidade estudantil criada por alunos da Fundação Getúlio Vargas -EAESP. A composição da entidade é de alunos de Administração Pública e Empresas, Economia, Direito e Relações Internacionais. O objetivo está ligado ao desenvolvimento e à produção de conhecimento sobre as circunstâncias do cenários brasileiro e em levar à comunidade FGV um ambiente propício àqueles que pretendem compreender ou construir uma carreira política.

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19 abr. 2024

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