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O Brasil vive um Parlamentarismo Informal?

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Na imagem, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Conteúdo "o Brasil vive um parlamentarismo informal?"

Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, durante sessão no plenário da Câmara dos Deputados. Foto: Wilson Dias/Ag.Brasil/Fotos Públicas.Parlamentarismo Branco, Parlamentarismo Jabuticaba, Parlamentarismo Informal, são termos que povoam a mídia e o debate público no Brasil. Todos se referem ao fato de que existiria, no país, uma forma de governo mista: se oficialmente o Chefe do Executivo é o presidente, na vida “real” quem levaria a cabo as pautas de governo seria o Legislativo, principalmente a partir de suas lideranças (atualmente, os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre)

O próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, tem reforçado esse cenário, com incentivo a manifestações que, entre outras pautas, possuem um caráter contrário ao Legislativo.

Mas será que essa avaliação está correta? Vivemos hoje uma forma de governo chamada Parlamentarismo Informal? E, talvez, mais importante, essa forma de governo existe? Neste texto, tratamos de expor argumentos e dados acerca da ideia de que o Brasil vive um Parlamentarismo Informal.

Presidencialismo x Parlamentarismo

O Presidencialismo e o Parlamentarismo são os dois sistemas de governo mais populares nas democracias ao redor do mundo: em uma amostra de 189 países 47% eram Parlamentaristas e 53% Presidencialistas. Os dois sistemas possuem muitas diferenças entre si, mas talvez a principal seja a relação do Poder Executivo com o Poder Legislativo.

No Presidencialismo, o chefe do Executivo – presidente – é eleito independentemente da Legislatura (Poder Legislativo), daí que a fonte da legitimidade de seu poder vem do voto popular. No Parlamentarismo, por sua vez, há uma simbiose – uma mistura – entre os dois poderes, porque quem escolhe o chefe do Poder Executivo é o partido que obteve a maioria nas eleições parlamentares (legislativas), caso nenhum dos partidos obtenha a maioria sozinho é preciso que faça uma coalizão com mais partidos.

Um exemplo para que as coisas fiquem mais claras: Boris Johnson, atual primeiro ministro da Inglaterra, foi eleito chefe do Executivo não porque o povo inglês votou diretamente nele, mas porque ele era o líder do partido que conquistou a maioria das cadeiras do Parlamento. Neste sentido, a sua fonte de legitimidade é o Parlamento.

No Parlamentarismo, o chefe do Executivo é eleito pelo Parlamento e pode cair pelas mãos dele, no momento em que perde a maioria legislativa: alguns de seus antigos colegas trocam de lado, por exemplo. Por outro lado, na maioria dos países que adotam o sistema de governo Parlamentarista, o chefe do Executivo pode, em um momento de incerteza, dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. Trata-se de um sistema complexo, em que a condição para poder governar é ter a maioria dos votos no Parlamento, tanto para aprovar leis, quanto para permanecer no cargo.

Em teoria, os presidentes não precisam do Parlamento para governar. Como sua fonte de poder é o voto popular, não precisariam da sanção do Poder Legislativo para perseguirem sua agenda política. Dai que entra outra ideia em jogo que apresentamos na próxima seção.

Separação de Poderes

Em 1748, Montesquieu, um dos mais importantes filósofos políticos da França, publicou um livro chamado: “Do Espírito das Leis”. Uma das ideias expostas no livro que permanece contemporânea é a questão da separação de poderes. Para Montesquieu, as ações dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser complementares e autônomas, o pressuposto do controle do poder pelo poder. Neste sentido, uma lei aprovada pelo Poder Legislativo pode ser vetada pelo Poder Executivo, ou mesmo declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário.

Essa ideia foi aplicada com sucesso no caso dos Estados Unidos. Para os “pais fundadores” (founding fathers) da Constituição daquele país, o poder de qualquer um dos ramos do governo deveria ser controlado através de uma série de pesos e contrapesos.

Receosos de que o presidente pudesse se tornar um ditador, os constituintes americanos deram grandes poderes ao Legislativo como forma de controlar qualquer impulso autoritário do chefe do Executivo. Um desses poderes é o impeachment: a remoção de um presidente que abusa de seu poder e/ou coloca em risco o país.

Enquanto no Parlamentarismo, tanto o chefe do Executivo pode dissolver o Legislativo quanto o Legislativo pode afastar o chefe do Executivo (primeiro-ministro, chanceler, entre outros nomes), no Presidencialismo somente o Legislativo tem o poder de afastar o presidente.

No entanto, os poderes do Legislativo não se resumem ao impeachment. No caso dos Estados Unidos, é o Congresso que propõe o orçamento do Governo Federal, bem como tem o poder de declarar ou não guerras.

O Brasil nos últimos tempos

A Constituição brasileira de 1988 conferiu grandes poderes ao presidente da República. O chefe do Executivo pode propor leis, tem a prerrogativa de propor o Orçamento do governo federal, pode editar medidas provisórias, além de liberar emendas para parlamentares. Segundo o cientista político Marcus Melo, o Brasil só perde para o Chile, na América Latina, como o sistema político com o presidente com maiores poderes legislativos.

Dito isso, é importante notar que apesar de o presidente ter muitos poderes, o Brasil é o país com o sistema partidário mais fragmentado do mundo: nas eleições de 2018, 30 partidos ganharam ao menos uma cadeira na Câmara dos Deputados. Isso aumenta os custos, como diversas pesquisas apontam, de negociação entre o presidente e o Congresso Nacional. E custos aqui não significam dinheiro, necessariamente, mas a capacidade de convencimento de deputados sobre a importância de determinada lei ou política pública.

Esse é o famoso presidencialismo de coalizão: o presidente pode ser eleito sem que seu partido tenha conquistado a maioria das vagas no Congresso, isso força a necessidade de se formar coalizões para que o presidente possa governar e, no limite, se mantenha no cargo, dado que o Congresso possui o instrumento do impeachment.

O sistema funcionou relativamente bem nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Michel Temer, falhando nos governos de Fernando Collor, Dilma Rousseff e até agora Jair Bolsonaro.

A diferença entre funcionar bem ou não foi a capacidade do presidente em formar uma coalizão estavel no Congresso que votasse favoravelmente os interesses do governo. Nos governo Collor, Dilma e, agora, Bolsonaro, os chefes do Executivo não conseguiram montar uma base de apoio no Congresso e tiveram dificuldades para governar.

O que seria Parlamentarismo Informal?

Até agora vimos – rapidamente – as principais diferenças entre Parlamentarismo e Presidencialismo, a ideia de separação de poderes e como o sistema de governo funciona no Brasil. Mas o que seria o Parlamentarismo Informal?

Esse conceito pressupõe que quem detém o poder Executivo, ou seja, o poder de “tocar” a agenda do governo não é o presidente, mas sim o Legislativo, a partir de suas principais lideranças. Isso não é verdadeiro no caso brasileiro. O que há, como aponta o pesquisador Acir Almeida, é maior protagonismo do Legislativo no processo de elaboração de leis e controle do orçamento. Para Acir Almeida, o momento atual do Brasil pode ser considerada a partir da:

(…) insistência do presidente em não construir uma coalizão majoritária e os movimentos do Congresso para ampliar suas prerrogativas, particularmente as orçamentárias. O primeiro diz respeito à estratégia de gestão de governo; o segundo, ao quadro institucional (ALMEIDA, 2020, p. 07).

Por um lado, o presidente Jair Bolsonaro opta por não formar uma coalizão de governo e, de outro, o Legislativo tem assumido uma função cada vez maior na formulação de leis. Este segundo ponto é destacado desde 2008, ao menos, por pesquisadores e pesquisadoras que tratam das relações entre Executivo e Legislativo no Brasil.

Ou seja, não podemos dizer que o sistema de governo no Brasil mudou e hoje vivemos um Parlamentarismo informal, mas que as próprias condições do sistema se adaptam a quem comanda Legislativo e Executivo. A separação de poderes pressupõe que cada poder tenha autonomia em suas ações, com controle dos outros ramos. No Brasil, o presidente continua tendo enormes poderes, consagrados pela Constituição de 1988, mas o papel da liderança é essencial para que esses poderes sejam exercidos.

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REFERÊNCIAS

Politize: Parlamentarismo e presidencialismo: o que é melhor?

BBC Brasil: ‘Parlamentarismo informal’: afinal, Bolsonaro está perdendo liderança do governo para Congresso?

Folha de São Paulo: Maia dita ritmo e já indica 2020 com parlamentarismo branco fortalecido na Câmara

Estado de São Paulo: Parlamentarismo Jabuticaba

Correio Braziliense: Em Boa Vista, Bolsonaro convoca população para manifestações de 15 de março

Wikiwand: Lista de países por sistema de governo

Âmbito Jurídico: Revisitando Montesquieu: uma análise contemporânea da teoria da separação dos poderes

BBC: UK general election 2019: Who won and what happens now?

Politize: O que é uma medida provisória?

Marcus André Melo: Strong presidents, robust democracies? Separation of powers and rule of law in Latin America.

G1: Saiba como eram e como ficaram as bancadas da Câmara dos Deputados, partido a partido

Alcir Almeida: Legislativo e governabilidade à luz da crise no COVID-19. IPEA

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Conteúdo escrito por:
Doutorando em Ciência Política na UFRGS. Interesses de pesquisa: organização partidária, surgimento de novos partidos (Brasil e América Latina), estudos legislativos e financiamento eleitoral.

O Brasil vive um Parlamentarismo Informal?

29 mar. 2024

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