Prisão em segunda instância

Prisão em segunda instância: argumentos contra e a favor

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Atualizado em 08 de novembro de 2019.

Prisão em segunda instância

Você provavelmente já ouviu falar na discussão sobre a prisão em segunda instância, certo? O que talvez você não saiba é que este debate envolve a própria Constituição brasileira! Isso porque existe um dispositivo constitucional que versa sobre qual seria o momento da privação da liberdade de alguém que está em julgamento no sistema judiciário, entretanto este dispositivo já foi apresentado com entendimentos diferentes pelo Supremo Tribunal Federal algumas vezes. 

Em 2019, esse tema voltou para votação no STF, assim o tribunal precisou decidir novamente sobre a constitucionalidade da prisão de condenados em segunda instância. Para você entender quais as implicações dessa decisão e se ela viola ou não os direitos humanos do acusado, o Politize! preparou esse conteúdo com os argumentos contra e a favor da condenação em segunda instância.

Como assim prisão em segunda instância?

Para você compreender a questão, vamos começar com um exemplo: A condenação do Lula, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 2017. 

A decisão da condenação em primeiro grau de jurisdição foi feita pelo juiz Sérgio Moro, encarregado de julgar casos da Operação Lava Jato, que condenou o ex-presidente a nove anos e meio de reclusão. Por sua vez, a defesa de Lula recorreu à segunda instância do Judiciário, no Tribunal Regional Federal 4, em Porto Alegre. Os desembargadores, então, negaram o recurso de Lula e, inclusive, aumentaram seu tempo de prisão para 12 anos. Por conta dessa decisão e da negação de seu pedido de habeas corpus no STF, Lula foi condenado à prisão e se entregou à Polícia Federal no dia 07 de abril de 2018.

O caso chamou a atenção do país inteiro. Afinal, apesar de confirmada a condenação e do aumento da pena pelos desembargadores em janeiro deste ano, há quem afirme que a prisão só deve ser feita após a última instância – antes disso seria inconstitucional.

Mas por que tal confusão?

Desde a Constituição de 1988, o entendimento sobre a prisão em segunda instância já mudou duas vezes.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o réu só podia ser preso após o trânsito em julgado, ou seja, depois do recurso a todas as instâncias. Antes do esgotamento de recursos, ele poderia no máximo ter prisão preventiva decretada contra si.

Já em fevereiro de 2016, o Supremo decidiu que um réu condenado em segunda instância já pode começar a cumprir sua pena – ou seja, pode parar na cadeia mesmo enquanto recorre aos tribunais superiores. Naquele momento, a regra foi aplicada ao caso de um réu específico. No mesmo ano, o STF reafirmou a decisão, que passou a ter validade para todos os casos no Brasil.

Em 2019, a constitucionalidade da condenação em segunda instância voltou ao Supremo Tribunal Federal para novo julgamento. Apesar de a questão ser, em grande medida, um dos pilares da Operação Lava Jato – hoje, a operação tem cerca de 100 condenados em segunda instância – o ministro Dias Toffoli afirmou que “o julgamento não se refere a nenhuma situação particular”. 

Assim, de outubro a novembro de 2019, o Supremo analisou três Ações Declaratórios de Constitucionalidade – ou seja, ações que colocam à prova a própria lei – capazes de discutir o alcance da norma constitucional de presunção de inocência. Como você verá a seguir, o princípio da presunção de inocência – considerado uma Cláusula Pétrea – é o principal argumento contra a condenação em segunda instância. 

Vamos ver alguns argumentos que podem ter guiado os votos dos ministros do STF?

Para quem é contra a prisão em segunda instância

Alguns dos argumentos são:

Fere o princípio da presunção de inocência

Em 2016, o principal argumento dos cinco ministros contrários à prisão em segunda instância foi de que a Constituição de 1988 liga presunção de inocência ao trânsito em julgado. Nesse sentido, o princípio de presunção de inocência – previsto no artigo 5º do inciso LVII da Constituição – afirma que “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 

Portanto, isso significa que o processo judicial deveria se esgotar antes da prisão do réu. Nesse sentido, segundo alguns, esse é um direito constitucional que estaria sendo desrespeitado pelo novo entendimento do STF.

Relativização dos direitos fundamentais

De acordo com o defensor público, Pedro Carrielo, “A relativização no processo penal vai permitir a relativização de outros direitos fundamentais. É uma porta que se abre”. Ainda nesse sentido, outros argumentam que a condenação em segunda instância deveria ser pensado tendo em mente a situação carcerária brasileira – de maioria negra e pobre. Ou seja, são estes que têm em grande medida seus direitos violados a partir da decisão do Supremo de condenação em segunda instância.

A culpabilidade do acusado não fica comprovada após o julgamento em segunda instância

De acordo com dados trazidos pelo ministro Ricardo Lewandowski, um terço dos pedidos de habeas corpus de condenados em segunda instância que chegam ao Superior Tribunal de Justiça tem suas penas revistas. Esse volume revelaria a importância dos recursos aos tribunais superiores, que corrigem penas injustas. 

Para quem é a favor da prisão em segunda instância

Alguns dos argumentos são:

Réus protelam condenação com recursos

Os recursos aos tribunais superiores, como o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), não têm como objetivo julgar o mérito individual de cada caso. Já vimos em post sobre o STF que esse tribunal trabalha para resolver eventuais controvérsias jurídicas que surgem em processos na justiça comum, à luz do que diz a Constituição Federal. Ou seja, o objetivo principal é proteger os princípios constitucionais. Isso pode apenas indiretamente beneficiar um ou mais réus.

Assim, os ministros que votaram a favor da prisão após a condenação em segunda instância em 2016 – foram seis dos onze magistrados – consideraram que o recurso a instâncias superiores tornou-se uma forma de protelar ao máximo a decisão final. É para evitar esse quadro que a prisão logo após a segunda instância seria mais justa. O ministro Luiz Fux, por exemplo, afirmou que as decisões são postergadas por “recursos aventureiros” e que o direito da sociedade de ver aplicada a ordem penal está sendo esquecido.

Casos de impunidade

O ministro Luís Roberto Barroso mencionou várias situações em que o réu foi condenado em segunda instância e passou vários anos em liberdade ou até mesmo não chegou a ser preso. Foi o caso do jornalista Antônio Pimenta Neves que assassinou a namorada, Sandra Gomide. Passaram-se quase onze anos até que Neves fosse preso.

Ainda como exemplo, o ex-senador Luís Estevão foi condenado em 1992 por desviar R$ 169 milhões de uma obra. Depois de apresentar mais de 30 recursos aos tribunais superiores, o processo contra ele se arrastou por vinte e quatro anos. Apenas em 2016 saiu o trânsito em julgado e o ex-parlamentar foi parar na prisão.

Assim, o argumento é de que em todos esses casos a condenação em segunda instância evitaria a impunidade ou a postergação do cumprimento das penas.

Modelo adotado por outros países

O modelo de prisão antes do trânsito em julgado, como lembra o advogado André Schmidt Jannis, não é exclusivo do Brasil. Entre os países que o adotam estão Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina.

Quais os impactos da decisão?

O Supremo Tribunal Federal, durante a votação em  2019, possuía três opções de conduta:

  1. Manter a decisão de 2016 de prisão após condenação em segunda instância
  2. Retornar ao entendimento de que a prisão só pode ocorrer após esgotados todos os recursos – ou seja, após o trânsito em julgado.
  3. Permitir que o réu utilize recursos até o Superior Tribunal de Justiça – e discutir se basta o primeiro julgamento no STJ para o réu ser preso ou o trânsito em julgado no STJ.

Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a decisão por prisão somente após trânsito em julgado poderia soltar 4,9 mil presos – dependendo dos casos. Além disso, tal decisão também poderia impactar os já condenados da Operação Lava Jato e futuros julgamentos da operação.

Qual foi o resultado desta votação?

A votação iniciou em outubro de 2019, mas somente terminou no início de novembro – na quinta sessão realizada sobre o assunto. Assim, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu derrubar a possibilidade de prisão em segunda instância – ou seja, aletrou o entendimento adotado em 2016.

Os votos contra a prisão em segunda instância foram dados pelos ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli – este último que deu o voto de minerva para a decisão. Do outro lado, de quem estava a favor da prisão em segunda instância, estavam os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

A decisão valerá para todas as instâncias do Judiciário e será de cumprimento obrigatório. Entretanto, de acordo com os ministros Toffoli e Fachin, a decisão do STF não implica em liberação automática dos presos em segunda instância – ou seja, caberá a cada juiz analisar, caso a caso, a situação dos processos.

Uma medida de combate à impunidade e abusos do sistema de recursos ou uma violação de direitos fundamentais dos indivíduos: o que você acha da prisão após condenação em segunda instância?

REFERÊNCIAS

Jus Brasil: prisão após decisão em segunda instância

Folha de S. Paulo: stf busca se afastar de lula

G1: julgamento sobre prisão após segunda instância

Agência Brasil: ministros defendem prisão em segunda instância

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3 comentários em “Prisão em segunda instância: argumentos contra e a favor”

  1. Cláudio Fleury Barcellos

    É desnecessária a alteração do texto constitucional para a “prisão após condenação em segunda instância” . A almejada segurança jurídica sobre o tema “prisão após condenação em segunda instância” demanda a resolução da dicotomia entre os conceitos de TRÂNSITO EM JULGADO e COISA JULGADA. Em outras palavras, há outro caminho para o reconhecimento da possibilidade – já contida no atual texto constitucional (art.5º, inciso LVII, da CF) – de prisão após condenação em segunda instância, entenda-se, voltado para uma melhor compreensão do próprio conceito de TRÂNSITO EM JULGADO, desvirtuado através de antigo paralogismo que insiste em confundi-lo com o conceito de COISA JULGADA. Observe-se que é do teor do art.502, do Código de Processo Civil (assim como do art.6º, § 3º, do Decreto-Lei 4657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) que se extrai a certeza de que as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado dizem respeito ao conceito de coisa julgada, não ao de trânsito em julgado, lembrado que as duas expressões são utilizadas em diferentes incisos (XXXVI e LVII) do próprio art. 5º, da CF; insofismável evidência de que o Poder Constituinte optou por recepcioná-las com sentidos diferentes. E segundo lição do jurista Eduardo Espínola Filho, transita em julgado a sentença penal condenatória a partir do momento em que já não caiba recurso com efeito suspensivo. Assim, considerando que os recursos excepcionais (para o STJ e o STF) são desprovidos de efeito suspensivo, esgotada a segunda instância, a decisão condenatória transita em julgado de imediato; ainda que fique pendente a coisa julgada por força de eventual recurso excepcional. Como se vê, compreendido o conceito de trânsito em julgado, resulta natural e suficiente a aplicação da atual redação do art.5º, inciso LVII, da CF, assim como do art.283, do CPP, não havendo que falar na pretensa necessidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou de uma norma infraconstitucional que tenha por objeto a já constitucional prisão após condenação em segunda instância (execução penal provisória). Por outro lado, considerando que haverá resistência (doutrinária e jurisprudencial) à resolução da dicotomia entre os conceitos de TRÂNSITO EM JULGADO e COISA JULGADA, de toda conveniência que a insegurança jurídica seja elidida através de uma norma infraconstitucional; algo que pode ser feito, por exemplo, mediante inserção do adequado conceito de TRÂNSITO EM JULGADO (ausência do efeito suspensivo em determinados recursos) na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. ———————– SINOPSE – 1º) a segurança jurídica sobre o tema “prisão após condenação em segunda instância” demanda a resolução de antigo paralogismo do direito brasileiro, que envolve a dicotomia entre os conceitos de trânsito em julgado e coisa julgada; 2º) transita em julgado a sentença penal condenatória a partir do momento em que já NÃO caiba recurso COM efeito suspensivo. O que fica por ocorrer, após o último pronunciamento do último órgão jurisdicional provocado, é a coisa julgada, que encerra as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado (art.502, do CPC, assim como art.6º, § 3º, do Decreto-Lei 4657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Portanto, não é o esgotamento de determinada instância que caracteriza o trânsito em julgado, mas a ausência do efeito suspensivo no recurso oponível à respectiva decisão; 3º) culpado é o condenado por sentença penal contra a qual já NÃO cabe recurso COM efeito suspensivo; 4º) exaure-se a presunção de inocência com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ainda que pendente a coisa julgada; 5º) com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, tem início a execução provisória. Caracterizada a coisa julgada, a execução penal passa a ser definitiva; 6º) resolvido o supramencionado paralogismo, imperativa a conclusão de que é desnecessária qualquer reforma da legislação para a prisão após condenação em segunda instância; 7º) por outro lado, a necessidade de se conferir segurança jurídica à matéria recomenda que o Poder Legislativo normatize a resolução do antigo paralogismo (que envolve a dicotomia entre os conceitos de trânsito em julgado e coisa julgada), por exemplo, mediante inserção do adequado conceito de trânsito em julgado em novo parágrafo do artigo 6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

  2. Cláudio Fleury Barcellos

    Prisão após condenação em segunda instância –

    A segurança jurídica sobre o tema “prisão após condenação em segunda instância” demanda a resolução de paralogismos (sobre dicotomias conceituais) que se firmaram ao longo de décadas:

    1º) TRÂNSITO EM JULGADO X COISA JULGADA –
    É do teor do art. 502 do CPC (assim como do art.6º, § 3º, do Decreto-Lei 4657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) que se extrai a certeza de que as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado dizem respeito ao conceito de COISA JULGADA, não ao de TRÂNSITO EM JULGADO, merecendo destaque a observação de que as duas expressões são utilizadas em diferentes incisos (XXXVI e LVII) do próprio art. 5º, da CF; insofismável evidência de que o Poder Constituinte optou por recepcioná-las com sentidos diferentes. E segundo lição do jurista Eduardo Espínola Filho, transita em julgado a sentença penal condenatória a partir do momento em que já NÃO caiba recurso COM efeito suspensivo. Assim, considerando que os recursos excepcionais (para o STJ e o STF) são desprovidos de efeito suspensivo, esgotada a segunda instância, a decisão condenatória transita em julgado de imediato; ainda que fique pendente a coisa julgada por força de recurso excepcional. Neste contexto, não há falar em execução “antecipada” da pena, mas em execução oportuna, cuidando-se de execução penal provisória até que se caracterize a coisa julgada (a partir da qual não cabe mais recurso de espécie alguma), tornando-se, então, uma execução penal definitiva. Como se vê, compreendido o conceito de trânsito em julgado, resulta natural e suficiente a aplicação da atual redação do art.5º, inciso LVII, da CF, assim como do art.283, do CPP, não havendo que falar na pretensa necessidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou de uma norma infraconstitucional que tenha por objeto a já constitucional prisão após condenação em segunda instância (execução penal provisória).
    Por outro lado, considerando que haverá resistência (doutrinária e jurisprudencial) à resolução da dicotomia entre os conceitos de TRÂNSITO EM JULGADO e COISA JULGADA, de toda conveniência que a insegurança jurídica seja elidida através de uma norma infraconstitucional; algo que pode ser feito, por exemplo, mediante inserção do adequado conceito de TRÂNSITO EM JULGADO (ausência do efeito suspensivo em determinados recursos) na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro;

    2º) PRISÃO PROVISÓRIA X EXECUÇÃO PROVISÓRIA –
    Espécie de prisão provisória, o que se depreende dos artigos 282 (e parágrafos), 283 (e parágrafos) e 312, todos do CPP é que a prisão preventiva só tem cabimento a título cautelar, entenda-se, antes de ser lançada a SENTENÇA penal condenatória. Efetivamente, considerando que toda medida incidental, de caráter cautelar, se exaure com o advento de uma SENTENÇA, que passa a impor os mais fortes efeitos que lhe são inerentes, qual o sentido de se determinar uma prisão cautelar quando se está diante de uma SENTENÇA condenatória, que já impôs uma pena (com prazo definido), depois do exame dos fatos, das provas e argumentos das partes? Além de não haver outro instrumento judicial mais firme e valioso que uma SENTENÇA penal condenatória para garantir a ordem pública ou econômica, depois de lançada, não teria sentido custodiar alguém “preventivamente”, “sem prazo”, por conveniência de uma instrução já finda ou para assegurar a aplicação de uma lei penal já aplicada (via SENTENÇA). Em outras palavras, cogitar da prisão preventiva (medida cautelar, prisão provisória) como instrumento alternativo (substituto) da prisão após condenação em segunda instância (execução provisória), à evidência, constitui um equívoco sistêmico; lembrado que a expressão “processo” (art.283, “caput”, e art.311, ambos do CPP), no que concerne às cautelares, deve ser interpretada à semelhança da expressão “instrução criminal” (art.282, I e art.312, ambos do CPP), inclusive porque a fase de formação da culpa transcorre com os autos em primeira instância (a segunda instância é revisora da culpa que se disse formada, ou não, segundo os elementos de convicção colhidos em primeira instância e examinados na SENTENÇA).
    Iniludivelmente, tanto quanto antes da SENTENÇA condenatória só tem cabimento a prisão provisória, depois dela só tem cabimento a execução provisória (após o trânsito em julgado) ou a execução definitiva (após a coisa julgada). Portanto, após condenação em segunda instância, não há falar na necessidade de fundamentação – ou de reavaliação de requisitos – acerca de prisão preventiva (cautelar), porque há uma pena a ser cumprida (execução provisória), por força de SENTENÇA condenatória transitada em julgado, ficando pendente apenas a coisa julgada em caso de eventual recurso excepcional.
    Como corolário, culpado é o condenado por sentença penal contra a qual já não cabe recurso com efeito suspensivo, contexto caracterizador do trânsito em julgado, pelo que exaurida a presunção de inocência; restando imperativo o cumprimento da pena privativa de liberdade mediante execução provisória, em lugar da imposição de uma descabida prisão provisória (“sem prazo” e insuscetível de benefícios típicos do cumprimento da pena) … .

  3. Cláudio Fleury Barcellos

    A segurança jurídica sobre o tema ‘prisão após condenação em segunda instância’ demanda a resolução de paralogismos (sobre dicotomias conceituais) que se firmaram ao longo de décadas:

    1º) TRÂNSITO EM JULGADO X COISA JULGADA –
    É do teor do art. 502 do CPC (assim como do art.6º, § 3º, do Decreto-Lei 4657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) que se extrai a certeza de que as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado dizem respeito ao conceito de COISA JULGADA, não ao de TRÂNSITO EM JULGADO, merecendo destaque a observação de que as duas expressões são utilizadas em diferentes incisos (XXXVI e LVII) do próprio art. 5º, da CF; insofismável evidência de que o Poder Constituinte optou por recepcioná-las com sentidos diferentes. E segundo lição do jurista Eduardo Espínola Filho, transita em julgado a sentença penal condenatória a partir do momento em que já NÃO caiba recurso COM efeito suspensivo. Assim, considerando que os recursos excepcionais (para o STJ e o STF) são desprovidos de efeito suspensivo, esgotada a segunda instância, a decisão condenatória transita em julgado de imediato; ainda que fique pendente a coisa julgada por força de recurso excepcional. Neste contexto, não há falar em execução ‘antecipada’ da pena, mas em execução oportuna, cuidando-se de execução penal provisória até que se caracterize a coisa julgada (a partir da qual não cabe mais recurso de espécie alguma), tornando-se, então, uma execução penal definitiva. Como se vê, compreendido o conceito de trânsito em julgado, resulta natural e suficiente a aplicação da atual redação do art.5º, inciso LVII, da CF, assim como do art.283, do CPP, não havendo que falar na pretensa necessidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou de uma norma infraconstitucional que tenha por objeto a já constitucional prisão após condenação em segunda instância (execução penal provisória). Por outro lado, considerando que haverá resistência (doutrinária e jurisprudencial) à resolução da dicotomia entre os conceitos de TRÂNSITO EM JULGADO e COISA JULGADA, de toda conveniência que a insegurança jurídica seja elidida através de uma norma infraconstitucional; algo que pode ser feito, por exemplo, mediante inserção do adequado conceito de TRÂNSITO EM JULGADO (ausência do efeito suspensivo em determinados recursos) na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro;

    2º) PRISÃO PROVISÓRIA X EXECUÇÃO PROVISÓRIA –
    Espécie de prisão provisória, o que se depreende dos artigos 282 (e parágrafos), 283 (e parágrafos) e 312, todos do CPP é que a prisão preventiva só tem cabimento a título cautelar, entenda-se, antes de ser lançada a SENTENÇA penal condenatória. Efetivamente, considerando que toda medida incidental, de caráter cautelar, se exaure com o advento de uma SENTENÇA, que passa a impor os mais fortes efeitos que lhe são inerentes, qual o sentido de se determinar uma prisão cautelar quando se está diante de uma SENTENÇA condenatória, que já impôs uma pena (com prazo definido), depois do exame dos fatos, das provas e argumentos das partes? Além de não haver outro instrumento judicial mais firme e valioso que uma SENTENÇA penal condenatória para garantir a ordem pública ou econômica, depois de lançada, não teria sentido custodiar alguém ‘preventivamente’, ‘sem prazo’, por conveniência de uma instrução já finda ou para assegurar a aplicação de uma lei penal já aplicada (via SENTENÇA). Em outras palavras, cogitar da prisão preventiva (medida cautelar, prisão provisória) como instrumento alternativo (substituto) da prisão após condenação em segunda instância (execução provisória), à evidência, constitui um equívoco sistêmico; lembrado que a expressão ‘processo’ (art.283, ‘caput’, e art.311, ambos do CPP), no que concerne às cautelares, deve ser interpretada à semelhança da expressão ‘instrução criminal’ (art.282, I e art.312, ambos do CPP), inclusive porque a fase de formação da culpa transcorre com os autos em primeira instância (a segunda instância é revisora da culpa que se disse formada, ou não, segundo os elementos de convicção colhidos em primeira instância e examinados na SENTENÇA).

    Iniludivelmente, tanto quanto antes da SENTENÇA condenatória só tem cabimento a prisão provisória, depois dela só tem cabimento a execução provisória (após o trânsito em julgado) ou a execução definitiva (após a coisa julgada). Portanto, após condenação em segunda instância, não há falar na necessidade de fundamentação – ou de reavaliação de requisitos – acerca de prisão preventiva (cautelar), porque há uma pena a ser cumprida (execução provisória), por força de SENTENÇA condenatória transitada em julgado, ficando pendente apenas a coisa julgada em caso de eventual recurso excepcional.

    Como corolário, culpado é o condenado por sentença penal contra a qual já não cabe recurso com efeito suspensivo, contexto caracterizador do trânsito em julgado, pelo que exaurida a presunção de inocência; restando imperativo o cumprimento da pena privativa de liberdade mediante execução provisória, em lugar da imposição de uma descabida prisão provisória (“sem prazo” e insuscetível de benefícios típicos do cumprimento da pena).

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Conteúdo escrito por:
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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19 abr. 2024

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