Privatizações: entenda o debate!

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Última atualização em 08 de março de 2019.

 


Plataforma da Petrobras, maior empresa estatal brasileira. Foto: Agência Petrobras

Nos últimos anos entrou em discussão um dos pontos mais polêmicos sobre a gestão do Estado brasileiro: as privatizações de empresas e outros ativos estatais. Essa prática tem sido adotada sistematicamente há mais de duas décadas, desde que Fernando Collor chegou ao poder. O debate em torno das privatizações revela duas visões bastante diferentes sobre o papel do Estado na economia. Vamos entender um pouco melhor essa discussão.

Veja também: por que Collor sofreu impeachment?

Histórico das privatizações no Brasil

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Entre os anos 1930 e os anos 1980, o Brasil experimentou um longo período de industrialização de sua economia. Essa industrialização foi induzida em grande parte pelo papel ativo do Estado na formação dessa economia industrial. Foi assim que o governo de Getúlio Vargas criou empresas públicas muito importantes, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN, criada em 1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942) e mais tarde a Petrobras (1953). Por décadas, praticamente todos os setores-chave da economia eram controlados pelo Estado. O setor bancário brasileiro também tem expressiva participação do Estado, com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Esse modelo foi inclusive reforçado durante a ditadura militar, que criou centenas de novas estatais que atuavam não apenas em setores estratégicos, mas também em setores menores, como hotelaria e até supermercados.

Essa tendência de deixar sob o controle do Estado uma grande e importante parte da atividade econômica do país passou a ser invertida a partir dos anos 1990, quando o liberalismo econômico ganhou uma nova roupagem, batizada de neoliberalismo. Essa doutrina econômica prega sobretudo a não intervenção do Estado na economia, exceto em setores absolutamente essenciais para o bem público. Assim, a lógica seria o Estado abandonar ou abdicar de sua participação em qualquer área que não seja segurança, educação, saúde e assistência social. Colaborou para que essas ideias ganhassem força o completo fracasso econômico vivido pelo país na década de 1980, com hiperinflação, dívida externa crescente e estagnação econômica.

Foi o governo Collor o primeiro a promover o programa de privatizações do Estado brasileiro. Batizado de Programa Nacional de Desestatização, o plano de Collor previa a privatização de 68 empresas públicas brasileiras. Entretanto, apenas 18 delas realmente chegaram a passar para o setor privado ao longo de seu governo. O destaque foi para a privatização de boa parte das empresas siderúrgicas, aquelas que fabricam aços e ferros fundidos. A Usiminas foi uma das empresas privatizadas, o que gerou polêmica, já que se tratava de umas empresas públicas mais lucrativas do país na época. O maior beneficiário da privatização de siderúrgicas foi o grupo Gerdau.

Com o impeachment de Collor, veio o governo Itamar, que deu sequência menos acelerada ao programa de privatizações, com destaque para a Companhia Siderúrgica Nacional e a Embraer, empresa de aviação.

Mas foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que o programa de privatizações ganhou mais força. FHC criou o Conselho Nacional de Desestatização e acelerou bastante o processo de privatização de empresas públicas no país. As privatizações de maior destaque foram: Vale do Rio Doce (empresa de mineração que hoje chama-se apenas Vale), o sistema Telebras (incluindo a Embratel e 27 empresas de telefonia, e a Eletropaulo, estatal de energia elétrica do estado de São Paulo.

E não parou por aí: vários outros setores foram desestatizados. A Embratel foi vendida nessa época; vários bancos estaduais também passaram para mãos privadas; boa parte do setor de energia também foi leiloado para grupos privados (a distribuidora carioca Light, por exemplo).

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Além das privatizações, FHC criou as agências reguladoras, que passaram a cuidar das regulações das atividades de diversos setores estratégicos do país. A Anatel, por exemplo, é quem regula os serviços de telecomunicações no Brasil.

Foi também durante o governo FHC que houve mais manifestações públicas contra o processo de privatização em curso. As críticas surgiam tanto pelas privatizações em si, que segundo alguns não deveriam jamais ter ocorrido, quanto pelas condições em que foram conduzidas pelo governo, consideradas extremamente prejudiciais. Até hoje se ouve que a Vale do Rio Doce foi vendida “a preço de banana”. O valor de US$ 3,3 bilhões desembolsado por um consórcio privado seria muito inferior ao seu valor de mercado na época. Outra crítica levantada contra as privatizações no governo FHC foi a permissão do uso das chamadas “moedas podres” no processo de compra das estatais, além da atuação do BNDES, banco público que financiou boa parte das compras.

Com a chegada de Lula ao poder, em 2003, muito se suspeitou que o programa de privatizações seria paralisado, ou ao menos freado. Mas isso não se confirmou: houve continuidade, apenas com uma ênfase diferente do seu antecessor, FHC. Enquanto FHC vendeu estatais, Lula se focou em fazer concessões à iniciativa privada. A diferença fundamental entre os dois processos é que as privatizações têm um caráter definitivo: empresas privatizadas são leiloadas, vendidas e nunca mais voltarão ao controle do Estado. As concessões, por sua vez, se caracterizam pela transferência temporária da execução de certas atividades do Estado para a iniciativa privada, sem passar a titularidade desses ativos para os grupos privados.

O governo Lula priorizou um programa de concessões de rodovias e hidrelétricas, além de privatizar os bancos estaduais do Ceará e do Maranhão. O modelo também deu preferência às empresas que fizessem as menores propostas de tarifas nas licitações, de forma que os usuários das rodovias ou consumidores dos serviços das hidrelétricas sentissem menos no bolso as concessões realizadas. Esse modelo, porém, é criticado.

O governo Dilma deu continuidade ao modelo implementado por Lula, estendendo as concessões para outros setores importantes, como os aeroportos. Mas a situação que mais chamou atenção no primeiro governo Dilma foi o leilão do Campo de Libra, realizado em 2013. Libra é o primeiro campo de exploração do petróleo do pré-sal brasileiro. Nesse leilão, quatro empresas petrolíferas estrangeiras formaram um consórcio com a Petrobras, dividindo entre si o direito de explorar esses recursos. A presidente Dilma, na época, afirmou que o regime de partilha adotado para o campo de Libra não representa uma privatização, já que cerca de 85% da renda produzida pelo campo ficará nas mãos da União e da Petrobras.

Antes de ser afastada, Dilma ainda anunciou um novo programa de concessões cujo valor chegaria a R$ 198 bilhões e que inclui rodovias, portos, aeroportos e ferrovias.

No governo Temer muito se foi dito sobre privatizações. Temer chegou a anunciar o maior pacote de privatizações e concessões em duas décadas, com 57 nomes de empresas, incluindo a Eletrobras e a Casa da Moeda.

No entanto, a maioria de seus projetos não conseguiu ser concluído devido a falta de tempo e processos burocráticos. Agora, boa parte dos projetos pode ser assumido por Bolsonaro, que já mapeia estatais para serem privatizadas.

Veja também: o que são parcerias público-privadas?

Vale a pena privatizar?

Privatizar realmente rende bons resultados para o país? Ou o Estado deveria manter controle sobre áreas estratégicas da economia (serviços de água, luz, petróleo, mineração, entre outros)? Veja a seguir os principais argumentos dos dois lados: os que defendem mais privatizações e os que defendem o fim desse processo e até mesmo a reestatização de várias empresas.

Sim, privatizar é positivo e necessário

Segundo os defensores da privatização, geralmente pessoas de pensamento liberal na economia, essa prática é necessária para que o Estado brasileiro consiga sanar suas contas e otimize sua atuação, focando-se em áreas em que realmente sua presença é importante.

A necessidade de privatizar boa parte do patrimônio público advém do reconhecimento de que o Estado não é capaz de gerir tudo – muito pelo contrário, é bastante ineficiente em gerir a maior parte de seus recursos, seja pela falta de incentivos que valorizam o mérito, seja pelas muitas ingerências políticas nas atividades dessas empresas.

A iniciativa privada, por sua vez, seria muito mais eficiente na gestão das empresas e dos recursos. Isso se comprova, segundo os defensores das privatizações, pelos bons resultados obtidos em privatizações feitas nas últimas décadas.

O serviço de telefonia teve um salto de qualidade após a privatização da Telebras e a entrada de investidores privados no mercado; a energia elétrica foi universalizada nos últimos anos, após várias privatizações; várias empresas privatizadas que antes eram deficitárias passaram a registrar lucros (casos da Vale e da CSN); e muitas ex-empresas públicas geram em impostos mais receita à União do que quando estavam sob controle do Estado brasileiro.

Por fim, os favoráveis às privatizações afirmam que as estatais são fonte de corrupção e têm seu desempenho prejudicado por negociatas políticas.

Não, privatizar não é um bom caminho

A privatização do Estado brasileiro é vista com maus olhos porque seriam impostas pelos Estados Unidos e instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial, todos orientados ideologicamente a favor do neoliberalismo e da economia de mercado.

O pressuposto fundamental que sustenta a ideia de privatizações é que o mercado é mais eficiente do que o Estado na gestão de seus recursos. Isso é negado por grupos contrários às privatizações, como os desenvolvimentistas.

Além de considerar um mito a ideia de que a iniciativa privada é mais eficiente do que o Estado e que por isso deveria herdar a maior parte do patrimônio público brasileiro, os críticos das privatizações apontam que as privatizações feitas na década de 90 foram mal conduzidas, significando na prática uma “doação” de empresas públicas a grupos privados – normalmente grupos “amigos” dos governantes que conduzem as privatizações.

As privatizações de FHC renderam algo em torno de R$78 bilhões, enquanto entre 1994 e 1998 a dívida pública brasileira cresceu de US$60 bi para US$245 bi. Muitas das vendas também foram subsidiadas com dinheiro público, em forma de financiamentos do BNDES, prática também muito criticada. Existem, por fim, acusações graves de corrupção envolvendo os processos de privatização.

A defesa feita contra as privatizações é que o Estado não pode abdicar da participação em setores da economia que são de interesse público fundamental, sob o risco de privar a população carente de receber recursos básicos, como água, energia elétrica, entre outros.


E você, é contra ou a favor das privatizações? Deixei seus comentários e sugestões abaixo!

Referências:
El País – Pacote de privatizações de Temer é o maior em duas décadas, mas corre risco de não decolar – Estadão – Primeira MP de Temer cria programa para tentar destravar as concessões – Gazeta do Povo – “‘Saldão do Temer’: veja a lista das privatizações do governo federal – O Antagonista – Temer deixará 50 projetos de privatizações para próximo presidente – O Globo – Privatizações ganharam força a partir dos anos 90 – Rádio Câmara – Concessão x Privatização: definição e histórico – Bloco 1 – Veja – Governo Bolsonaro começa a mapear estatais para privatização

 

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1 comentário em “Privatizações: entenda o debate!”

  1. No governo Lula é preciso registrar que ele não focou apenas em concessões, pois ele privatizou os bancos estaduais do Ceará e Maranhão (2005 e 2004, respectivamente). Ambos tinham sido federalizados e logo após o advento do governo petista foram arrematados pelo Bradesco.

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Conteúdo escrito por:
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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