Separatismo: será que você entende o que é isso?

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Separatismo
Manifestantes se reúnem em Barcelona para aniversário de referendo separatista catalão. Foto: Albert Gea/Reuters.

Aposto que você já viu alguma notícia por aí falando sobre separatismo. Em 2017, o caso da Catalunha – que busca declarar independência da Espanha – repercutiu pelo mundo inteiro.

Mas afinal, o que é separatismo? Esse fenômeno é legalizado? Vem com o Politize! que a gente te explica.

O princípio da autodeterminação dos povos

Para explicar o que é separatismo, é necessário esclarecer o conceito de autodeterminação dos povos. Esse termo é bastante antigo – foi citado em 1776, na independência dos Estados Unidos, e na Revolução Francesa de 1789 – e refere-se ao direito que povos têm de decidirem livremente sua situação política.

O princípio da autodeterminação permite o direito de autogoverno e também possibilita aos Estados defenderem sua condição independente. Ao se falar em “povos”, deve-se ter em mente o conceito trazido pela sociologia, que se refere a grupos de pessoas que são unidas por laços subjetivos e objetivos:

Laços subjetivos:

  • Vontade de viverem juntos, sob um mesmo governo e mesmas regras.
  • Consciência de pertencimento ao mesmo grupo.

Laços objetivos (características comum a um grupo):

O princípio de autodeterminação dos povos tem caráter democrático. Portanto, só pode ser reivindicado se há uma concordância entre o grupo, a qual pode ser confirmada por meio de um plebiscito.

Dica: saber a diferença entre Estado, país e nação pode te ajudar a entender sobre separatismo.

O separatismo das colônias

Mais recentemente, no século XX, o princípio da autodeterminação dos povos foi incluído no Pacto da Liga das Nações – uma organização internacional que antecedeu a ONU – e também na Carta das Nações Unidas. No âmbito da ONU, esse princípio foi inserido já no artigo 1º da Carta – que é similar a uma Constituição Federal, no sentido que rege as ações e valores da organização.

Capítulo I OBJETIVOS E PRINCÍPIOS Artº. 1 Os objetivos das Nações Unidas são:

2. Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal.

Nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial e à formação da ONU, tal princípio foi amplamente reivindicado pelos movimentos separatistas das colônias, sobretudo africanas, que buscavam independência de suas metrópoles europeias.

As Nações Unidas, entretanto, passaram anos ignorando a legitimidade de tais lutas, já que os Estados europeus – integrantes importantes da ONU, sendo dois deles (Reino Unido e França) membros permanentes do Conselho de Segurança – não queriam perder o controle de tais territórios.

Foi apenas em 1961 que a ONU criou o Comitê Especial de Descolonização, que visava auxiliar os denominados territórios não-autônomos e sob tutela – aqueles regidos por outros países – a conquistar sua independência.

Naquela época, uma lista levantada pelo Comitê identificava 72 territórios não-autônomos. Muitos desses encontravam-se no continente africano, o qual foi palco de inúmeros movimentos separatistas por décadas.

As colônias portuguesas tiveram dificuldades ainda maiores no processo de conquista de independência. Isso se deveu ao fato de Portugal negar admitir que aqueles eram territórios não-autônomos, definindo-os como territórios ultramarinos e assim ignorando as pressões da ONU baseadas no princípio da autodeterminação dos povos.

Apenas em meados da década de 1970 que as colônias africanas se viram livres das administrações coloniais. A ONU teve um importante papel nisso, ao pressionar os Estados europeus e ao legitimar as lutas separatistas, possibilitando que líderes de tais movimentos falassem no ambiente amplamente reconhecido das Nações Unidas para seus países-membros.

Territórios não-autônomos são coisa do passado?

Ainda não. Atualmente, existem 17 nomes na lista de territórios não-autônomos da ONU, sendo que a questão mais grave ocorre no Saara Ocidental, que reivindica independência do Marrocos. A organização internacional atua no conflito por meio Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (MINURSO).

Como o nome diz, a operação tem o objetivo de realizar uma consulta popular para decidir – segundo o princípio da autodeterminação dos povos – se o território deixará, ou não, de ser parte do Marrocos. A missão foi criada em 1991 e, por conta de inúmeras instabilidades, continua ativa.

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Os Estados Nacionais e os movimentos separatistas

Existe um pequeno problema em relação ao princípio de autodeterminação dos povos na Carta da ONU: ele vai contra as Constituições Federais da maioria dos países. Esse é o caso do Brasil, que define no artigo 1º da Constituição de 1988 que “o Brasil é uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” (grifo nosso).

Explicando de uma maneira simples, os países-membros da ONU comprometem-se a respeitar a autodeterminação dos povos desde que isso não diga respeito a um separatismo dentro de seu território.

Devido ao princípio da soberania dos Estados-nacionais – que tornam os países as entidades “mais superiores” existentes, sem que haja uma organização que possa obrigá-los a algo –, nem a ONU e nem outras nações podem intervir diretamente em questões domésticas de outro país.

A Comunidade Internacional pode agir indiretamente quando, por exemplo, algum movimento separatista é muito forte e amplamente aderido por populações. É o caso do Saara Ocidental, onde a ONU tomou para si a missão de realizar um referendo. Sanções econômicas também representam uma maneira de intervenção indireta, geralmente definidas no âmbito de uma organização internacional, e colocada em prática pelos países.

Acontece que os Estados têm um grande “pé atrás” quando o assunto é separatismo. Por exemplo, digamos que o Brasil resolva apoiar a Catalunha nas suas intenções de separar-se da Espanha. Caso um movimento separatista dentro do Brasil ganhe força em alguns anos, é muito provável que a Espanha apoie esse movimento, já que anteriormente o governo brasileiro não teria respeitado a soberania espanhola ao apoiar uma luta que objetivava desintegrar parte do território nacional da Espanha.

Por isso os países raramente apoiam movimentos separatistas. Essa estratégia também evita que, caso a Catalunha – por exemplo – realmente conquiste sua independência, outros separatismos ganhem força ao serem inspirados pela vitória de uma luta semelhante. Não apoiar movimentos separatistas é uma forma de evitar um “efeito dominó” que poderia se alastrar pelo mundo inteiro.

Separatismo no Brasil?

Se você acha que o Brasil está imune ao separatismo, pense duas vezes. Alguns desses movimentos aconteceram no passado e ficaram famosos na história brasileira – como é o caso da Inconfidência Mineira, em 1789, e a Revolução Farroupilha, acontecida na região do Rio Grande do sul entre 1835 e 1845.

Atualmente, existem pelo menos 23 movimentos separatistas ativos pelo país, nenhum deles com força o suficiente para ameaçar a União. Afinal, a maioria são apenas movimentos formados em redes sociais que coletaram algumas dezenas de apoiadores. 

 Exemplos desses são:

  • Amazônia Independente: objetiva a emancipação dos sete estados da Região Norte.
  • Frente Libertária Nordeste Livre (FLNL): busca a independência dos nove estados do Nordeste.
  • O Rio é o Meu País: movimento pela independência do Rio de Janeiro.
  • O Espírito Santo é Meu País: busca a independência do estado do Espírito Santo.

Entretanto, outros se tornaram famosos nos últimos anos e realizaram até plebiscitos informais. Esse é o caso dos movimentos “Sul é o Meu País” e do Movimento São Paulo Livre. 

O primeiro é o mais atuante. Realizou dois plebiscitos nos últimos anos – de acordo com o site do movimento, os habitantes dos três estados da região sul deveriam responder se gostariam que Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul formassem um país independente.

Em 2016, o Plebisul – como ficou conhecida a votação – 616 mil eleitores participaram, ou seja, menos de 2% da população da região Sul. Em 2017, participaram 364 mil eleitores da nova edição do Plebisul. Ainda, em ambas as votações, os resultados foram pela separação.

O Movimento São Paulo Livre, por sua vez, realizou uma consulta popular em 2016 com a seguinte pergunta: Você está insatisfeito com a atual representação política do Estado de São Paulo na federação? A votação teve 48 mil respostas – com 54% de respostas afirmativas. 

Os principais argumentos dos independentistas estão geralmente relacionados a alta carga tributária que não retorna em forma de investimentos para as regiões, a possibilidade de autossuficiência caso fossem independentes da União e a corrupção da capital Brasília. 

Apesar das consultas realizadas por alguns movimentos, como acabamos de ver, a independência de regiões é inconstitucional. Isso porque entende-se que a separação de um estado só poderia ser feita por um povo – o princípio da autodeterminação dos povos – e, no caso brasileiro, não há o potencial de determinante cultural específico em somente alguma região, ou seja, o povo é a população brasileira. 

Separatismo no mundo

separatismo
Frase pintada em muro pede “Liberdade ao País Basco” (Foto: Wikimedia | Jaume Meneses).

Existem vários movimentos separatistas pelo mundo. No Reino Unido, por exemplo, parte da população da Escócia busca independência. A França vive com o separatismo da Córsega, que vem aumentando nos últimos anos.

Na região da Crimeia, há um movimento que busca a separação da Ucrânia e consequente anexação à Rússia, que apoia a intenção. Vladimir Putin, presidente russo, chegou a afirmar que “a Crimeia sempre foi parte da Rússia nos corações e mentes das pessoas”.

Leia mais sobre: Ucrânia e Rússia: 3 pontos para entender a crise!

Já a Espanha não lida apenas com o fantasma nacionalista catalão. A região do País Basco também busca autonomia e o Politize! já te explicou o motivo neste post.

Também é importante entender que conseguir declarar-se independente não significa uma vitória completa do movimento separatista em questão. É o caso do Kosovo, que em 2008 decretou sua independência da Sérvia. A declaração foi unilateral, ou seja, não aceita pelo governo sérvio.

Entretanto, essa posição não é unanimidade no mundo. Países como Portugal, Rússia e os Estados Unidos reconheceram a independência do país. Mesmo assim, Kosovo não foi reconhecido pela ONU, o que é tido como o “ápice do reconhecimento do novo Estado”, segundo o advogado Fábio Schneider.

Sobre os critérios para reconhecimento de um novo Estado, a Carta das Nações Unidas traz, no artigo 4º, que:

1. A admissão como Membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações.
2. A admissão de qualquer desses Estados como Membros das Nações Unidas será efetuada por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.

Quer saber mais sobre o funcionamento da ONU? Clique aqui!

Entendeu como o separatismo pelo mundo é uma questão complicada? Vários desses movimentos independentistas recorrem a protestos, referendos e até atos terroristas para chamar atenção para sua causa. Entretanto, o princípio da autodeterminação dos povos muitas vezes fica abaixo dos interesses dos Estados e por isso é invalidado.

Conseguiu entender o que é separatismo? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

REFERÊNCIAS:
Publicado originalmente em 17 de setembro de 2018. Atualizado em 24 de fevereiro de 2022.

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Conteúdo escrito por:
Assessora de conteúdo no Politize! e graduanda de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Quer ajudar a tornar um tema tido como polêmico e muito complicado em algo do dia a dia, como a política deve ser!

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20 abr. 2024

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