Confira essa que é a continuação do texto “Movimentos sociais e ativistas da Amazônia urbana transformam Belém com ações ambientais e comunitárias“. Nesta segunda parte, destacamos quatro experiências que revelam como as respostas à crise climática emergem dos territórios e das pessoas que vivem a Amazônia urbana no cotidiano.
Esta matéria foi escrita com base no podcast Belém 30º, uma série da Politize! em parceria com o Pulitzer Center, que apresenta pessoas de Belém em destaque no ativismo ambiental e climático. Continue a leitura!
Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.

Movimentos sociais na Amazônia: o LAB que nasce em Belém para repensar as cidades amazônicas
Criado em 2017 a partir da inquietação de grupos da sociedade civil com a forma como Belém vinha sendo pensada e administrada, o Laboratório da Cidade consolidou-se como uma organização dedicada a construir caminhos para tornar as cidades mais justas e resilientes às mudanças climáticas. A proposta parte da combinação entre produção de conhecimento técnico e valorização ativa dos saberes locais como fundamentos da inovação.
Com atuação em escalas regional, nacional e internacional, o laboratório coordenou, junto a diversos atores da Amazônia, a elaboração colaborativa da Agenda de Adaptação Climática para a Amazônia Urbana, fruto de oficinas presenciais e virtuais que reuniram representantes de diferentes territórios urbanos. Paralelamente, passou a incidir junto à Frente de Prefeitos da Amazônia e em espaços de diálogo com o Plano Clima nacional, defendendo que a formulação de políticas públicas considere as profundas desigualdades e especificidades regionais do país.
Entre os principais obstáculos encontrados pelo grupo está a persistência de modelos de desenvolvimento urbano importados do Sudeste, frequentemente incompatíveis com a complexidade ambiental, social e cultural da Amazônia. Técnicos públicos ainda são formados dentro de paradigmas que não integram a natureza ao planejamento urbano, o que se reflete em ações pouco eficazes, como a baixa arborização das capitais amazônicas e a falta de soluções estruturadas de adaptação climática.
Outro desafio recorrente é a desigualdade no acesso a recursos. Organizações amazônidas enfrentam dificuldades de financiamento que limitam o fortalecimento institucional necessário para atuar em larga escala, enquanto parte expressiva dos recursos destinados ao debate climático continua concentrada em entidades de outros centros do país.
A partir dessa realidade, o Laboratório da Cidade defende que inovação não se traduz em soluções prontas, mas na escuta ativa dos territórios, na valorização da natureza como infraestrutura urbana e na construção participativa de respostas que façam sentido para as pessoas. É a partir dessa perspectiva que Belém pode contribuir para referências de urbanismo climático em outras regiões brasileiras e também para as agendas globais levadas à COP30.
Escute o relato de Ana Carla sobre o LAB no nosso podcast “Belém 30º”: Belém que pensa o futuro: o Laboratório da Cidade e a inovação que nasce do território
Jornalismo ambiental no centro da crise climática
A trajetória de Danielly Gomes no jornalismo ambiental começou em um dos períodos mais críticos da história recente da Amazônia. Em 2019, ainda como repórter da Rádio CBN Amazônia Belém, participou da cobertura do aumento recorde dos focos de incêndio florestal e do chamado Dia do Fogo, episódio em que produtores rurais articularam queimadas em grande escala no município de São Félix do Xingu.
O contexto político daquele ano, marcado pelo enfraquecimento das políticas ambientais, contribuiu para a intensificação das atividades ilegais de desmatamento. A experiência levou Daniele a aprofundar sua atuação investigativa, voltando-se para a apuração dos fatores estruturais que sustentam a degradação da floresta e os impactos diretos sobre populações tradicionais.
Com apoio do Pulitzer Center, desenvolveu duas grandes séries jornalísticas. A primeira abordou as causas, consequências e possíveis caminhos de enfrentamento do desmatamento no Pará. A segunda investigou a cadeia de extração e escoamento ilegal do manganês entre Marabá e o porto de Barcarena, revelando redes de ilegalidade, corrupção e violência territorial.
As reportagens ganharam ampla repercussão nacional, reforçando o papel estratégico do jornalismo amazônico na denúncia de crimes ambientais e no alerta à sociedade brasileira e internacional.
Danielly também chama atenção para as evidências do agravamento da crise climática na região. O regime de chuvas amazônico tem apresentado alterações expressivas, com períodos de estiagem e de precipitação cada vez mais extremos e prolongados. A possibilidade de o bioma atingir um ponto de não retorno, transformando-se em savana, deixa de ser uma projeção distante e passa a fazer parte do debate cotidiano.
Nesse cenário, Belém não representa apenas a sede de um evento internacional, mas um território simbólico de encontro entre múltiplas Amazônias. O jornalismo local assume, então, o papel de interlocutor entre os saberes da região e o olhar externo, contribuindo para que a COP30 dialogue com realidades concretas e não apenas com discursos abstratos.
Saiba mais sobre a atuação de Danielly no nosso podcast “Belém 30º”: O jornalismo ambiental de Danielly Gomes em Belém
Tucunduba Pró-Lago Verde e a luta socioambiental nas periferias
No bairro da Terra Firme, uma das regiões mais populosas e vulneráveis de Belém, a luta por justiça climática se confunde com a luta por dignidade. O território está assentado na bacia hidrográfica do Tucunduba, composta por igarapés, várzeas e áreas alagáveis historicamente ocupadas por famílias de baixa renda, majoritariamente negras.
Foi nesse contexto que se fortaleceu, ao longo de décadas, o ativismo socioambiental local, que mais recentemente se organizou no movimento Tucunduba Pró-Lago Verde. A principal reivindicação envolve a macrodrenagem dos cursos d’água como alternativa ao problema crônico de alagamentos e falta de saneamento básico.
Embora a obra seja um desejo antigo da comunidade, a forma como tem sido conduzida pelo governo estadual gera conflitos. Projetos padronizados priorizam a canalização de igarapés com grandes estruturas de concreto, e segundo o líder do projeto Vavá Mesquita, ignorando soluções ambientais e sendo implementados sem escuta ou participação popular.
O caso do afluente Lago Verde revela uma complexidade adicional. A área pertence formalmente à Universidade Federal do Pará e à União, o que mantém pendências fundiárias há décadas e dificulta indenizações adequadas. Muitas famílias recebem valores insuficientes para recomeçar a vida em outro local ou são deslocadas para aluguel social por longos períodos, sem garantia de reassentamento definitivo.
Diante dessas questões, o movimento articula apoio de instituições como Ministério Público, Defensoria Pública, universidade e outros coletivos socioambientais, buscando assegurar regularização fundiária, indenizações justas e soluções sustentáveis.
No cotidiano da Terra Firme, a pauta ambiental não se dissocia das urgências sociais. A fome, o acesso à água, a moradia e o trabalho precisam ser tratados conjuntamente com a discussão climática. Para o movimento, e para Vavá, somente ao integrar justiça social e justiça ambiental é possível construir soluções reais para Belém e para a Amazônia.
Já ouviu falar sobre o movimento Pró-Lago Verde? Quer saber mais? Escute tudo na íntegra, no nosso podcast “Belém 30º”: Território de resistência: Vavá Mesquita e a luta pelo Tucunduba em Belém
Artivismo quilombola
Entre o quilombo Axalá de Jacundaí, no município de Mojú, e a região metropolitana de Belém, a trajetória de Samilly Valadares revela a potência do artivismo como ferramenta de resistência climática e política. Psicóloga de formação, Samilly identificou na universidade a necessidade de construir uma psicologia que dialogasse com as realidades quilombolas, urbanas e periféricas da Amazônia.
Dessa vivência nasceu o Instituto Perpetuar, uma iniciativa criada coletivamente por juventudes quilombolas para fortalecer identidades, ancestralidades e territorialidades por meio da educação, da arte, da cultura e da comunicação. Em rodas de memória e encontros intergeracionais, o Perpetuar busca recuperar histórias invisibilizadas e transformar narrativas em estratégias de mobilização.
Para Samilly, aquilombar é uma prática de resistência diante do racismo estrutural e das violências direcionadas a corpos negros, indígenas e periféricos. A rede comunitária torna-se a principal base de sustentação para enfrentar exclusões institucionais e afirmar o direito à cidade.
A COP30, em sua avaliação, somente terá sentido se for construída a partir dos territórios e da participação efetiva das populações tradicionais. As tecnologias que podem mitigar a crise climática já existem e são produzidas há séculos nos modos de vida quilombolas, indígenas e ribeirinhos. São essas populações que mantêm a floresta em pé, inclusive dentro e ao redor das grandes cidades amazônicas.
Belém, marcada por sua diversidade étnica e cultural, concentra múltiplas narrativas de pertencimento e resistência. É nesse encontro entre juventudes, saberes ancestrais e práticas culturais que se desenham caminhos para soluções climáticas socialmente justas, contextualizadas e emancipadoras.
Escute mais sobre o que Samilly tem a dizer na íntegra, no nosso podcast “Belém 30º”: Arte que resiste: o artivismo quilombola de Samilly Valadares em Belém
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Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!