O Brasil e a dança das cadeiras permanentes na ONU

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O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é um dos órgãos mais influentes da comunidade internacional, sendo o único com a autoridade de efetivar soluções obrigatórias para todos os 193 estados-membros da ONU. Criado com a missão de assegurar a paz e ampliar a segurança internacional, o Conselho tem grande importância na construção do futuro do mundo. E é por sua relevância e influência que se torna essencial a boa representação do CSNU, não apenas pelas grandes potências, mas também por países emergentes e diretamente afetados por decisões originadas do Conselho.

Neste artigo vamos explorar a estrutura do CSNU, sua influência, os diferentes papéis dos membros e a busca histórica do Brasil por um assento permanente nesse importante órgão da política internacional.

Histórico: o “fracasso” do Brasil na Liga das Nações

O Brasil, historicamente, tem um papel muito proeminente na comunidade internacional. Notoriamente, foi o único país sul-americano a participar da Primeira Guerra Mundial e foi um dos fundadores da Liga das Nações, fundada em 1919. O país participou, inclusive, da comissão responsável por discutir a criação da Liga. A Liga – como a ONU atualmente – era composta por vários órgãos, sendo um deles o Conselho.

O Conselho da Liga das Nações

O Conselho da Liga tinha como objetivo operar como agente de paz e segurança, lidando com conflitos e efetivando soluções para resolvê-los. No início, quando o conselho ainda estava sendo estruturado, o Reino Unido defendia que ele fosse composto apenas por grandes potências, o que provocou grande oposição do Brasil – na época presidido por Epitácio Pessoa.

No fim das contas, ficou decidido que outros membros poderiam participar, criando-se duas “categorias”: os membros permanentes (França, Reino Unido, Itália, Japão e mais tarde União Soviética e Alemanha) e os não permanentes – escolhidos anualmente na Assembleia, órgão que reunia todos os países-membros.

Inicialmente, os Estados Unidos também participariam da Liga como membro permanente do Conselho. Porém, em um contratempo, o Senado americano não ratificou o Pacto da Liga, deixando os EUA fora da organização. Assim iniciou o primeiro ano do Conselho, com quatro membros permanentes (citados anteriormente) e quatro membros temporários (Brasil, Bélgica, Grécia e Espanha). E o Brasil então virou – com a saída dos Estados Unidos – o único representante das Américas.

Mas os dias de glórias incontestadas para o Brasil estavam acabando, e talvez não muito surpreendentemente, nas mãos da Argentina. Na primeira Assembleia da Liga, em 1920, a Argentina contestou a forma de admissão dos membros temporários, exigindo uma rotação mais regulamentada no momento da eleição. O Brasil foi contra essa reivindicação, votando – e por um tempo sendo bem sucedido – em manter o status quo.

Na segunda Assembleia, em 1921, o Chile surpreendeu o Brasil com a proposta de inclui-lo, junto à Espanha, como membro permanente. O Brasil concordou com a proposta, argumentando que a América não tinha representatividade permanente, enquanto a Europa tinha três representantes e a Ásia um. Contudo, para essa proposta passar, era necessária a aprovação unânime do Conselho, que não foi atingida por oposição belga e britânica. O Reino Unido tinha, por sua vez, proposto que o Conselho aceitasse apenas a Espanha como membro permanente, proposta que obteve um veto do Brasil* e resultou na não-entrada de ambos.

Nas quatro Assembleias seguintes, a questão da rotatividade dos membros era continuamente discutida, e o Brasil, apesar de insistente e constante, continuava falhando em conseguir um assento permanente no conselho. Suas maiores oposições eram os países sul-americanos, que almejavam mais rotatividade e não se viam representados pelo Brasil, e o Reino Unido, que queria manter o assento permanente exclusivo para as grandes potências.

Em paralelo a esses acontecimentos, os Tratados de Locarno, em outubro de 1925, marcaram a reconciliação da França e da Alemanha. Uma das demandas do Acordo era a criação de um assento permanente para a Alemanha no Conselho, que foi solicitada oficialmente em fevereiro de 1926.

Aproveitando a oportunidade, o Brasil – assim como a Espanha – reafirmou sua intenção de entrar como membro permanente, e foi novamente recebido com oposição pelo Reino Unido e os países sul-americanos.

Em uma reunião do Conselho, em março de 1926, a entrada da Alemanha foi colocada em voto, e recebeu um veto do Brasil. Isso provocou uma grande crise, resultando na reavaliação das admissões. O Reino Unido apresentou um projeto que asseguraria sempre três assentos temporários para a América Latina, na base da rotatividade, significando que o Brasil não poderia ser reeleito no ano seguinte e a Alemanha poderia, portanto, se tornar membro permanente. Assim foi, e o Brasil acabou renunciando ao seu assento temporário em junho de 1926, retirando-se da Liga das Nações.

E a Liga, por fim, falhou em cumprir seus objetivos. Foi vista como pouco representativa – começou como um produto direto da vitória dos Aliados e abrangeu apenas 58 membros no período de maior adesão. Isto, combinado com grandes fraquezas militares e outros problemas estruturais, desmanchou a Liga, que foi substituída pelas Nações Unidas (ONU).

* Note que diferente do Conselho de Segurança da ONU atualmente, o Conselho da Liga das Nações dava direito de veto para todos os membros participantes, não apenas os com assento permanente.

Tempos de ONU

Com a inauguração da ONU em 1945 e a criação do Conselho de Segurança (órgão equivalente ao Conselho da Liga das Nações), o Brasil voltou a almejar a permanência no Conselho. Recebeu, inclusive, apoio dos EUA nas negociações iniciais da ONU, que argumentou ser necessária a representação de um país latino-americano – cujo representante natural seria o Brasil. Contudo, essa questão precisaria ser recebida com unanimidade,e  obteve novamente a oposição do Reino Unido, e agora também da União Soviética. Decidindo que havia questões mais importantes naquele cenário, os Estados Unidos parou de buscar a cadeira permanente para o Brasil, deixando a questão para negociações futuras, e apoiou, por sua vez, uma candidatura do Brasil como um dos primeiros membros temporários.

Já na primeira Assembleia, o Brasil criticou o poder de veto, discursando que este era um preço alto que as nações pouco desenvolvidas e em desenvolvimento tinham concedido. Nas seguintes Assembleias, as falas do Brasil continuaram sendo marcadas pelo idealismo, ressaltando o papel da ONU e criticando muitas das ações tomadas pelas grandes potências. Os discursos criticando o status quo marcaram de forma um tanto sutil a busca do Brasil pela reforma da Carta da ONU. Foi apenas em 1953, na oitava Assembleia, que o Brasil expressou explicitamente a necessidade de uma revisão na Carta da ONU.

A partir daquele ano o Brasil continuou fazendo – de forma implícita e explícita – menção à reforma, ao criticar os procedimentos e a composição do Conselho. Em 1962, o Brasil discursou que deveria ser realizada uma conferência a fim de revisar os Estatutos da ONU, argumentando que o mundo havia mudado desde 1945 – tendo mais do que o dobro de Estados membros. E em 1965 a reforma do Conselho foi realizada, pela primeira e última vez.

Nas discussões, o Brasil empenhou-se na transformação do Conselho em um órgão mais representativo. Porém, os objetivos do Brasil com respeito aos membros permanentes não foram concretizados. A reforma no Conselho se reduziu apenas à ampliação do número de membros temporários, de seis para dez.

Nas duas décadas que seguiram, o Brasil parou de se focar no assento, usando os discursos na Assembleia para trazer questões relacionadas ao desenvolvimento dos países mais pobres, direitos humanos e o desarmamento, além de discutir os conflitos relevantes para cada época. A questão da reforma do Conselho voltou a ter prominência na agenda internacional no final da década de 80, e foi em 1989, em um discurso do então presidente José Sarney, que o tema foi retomado pelo Brasil. O discurso de abertura da 44a Assembleia da ONU enfatizava a importância de uma reforma no Conselho de Segurança, para que ele fosse melhor representado, e sugeria a contemplação de uma nova categoria de membro permanente, sem o privilégio do veto.

Nos dois anos seguintes, presididos por Fernando Collor, essa questão foi deixada de lado nos discursos da Assembleia. Somente em Abril de 1992, quando Celso Lafer assumiu brevemente o Ministério de Relações Exteriores, o tema voltou à discussão. Porém, com o impeachment de Collor em setembro do mesmo ano, os esforços de Lafer foram pausados e Itamar Franco assumiu a presidência, dedicando-se inicialmente em assegurar à comunidade internacional que o Brasil continuava estável.

O governo de Itamar acabou sendo um dos mais históricos na trajetória do Brasil em relação ao assento permanente. O ano de 1993 marcou uma nova fase na diplomacia brasileira, com a nomeação de Celso Amorim para Ministro das Relações Exteriores. Na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 1993, Amorim discursou que o Conselho deveria ser reformado, e na Assembleia do ano seguinte declarou a candidatura oficial do Brasil para representante permanente no Conselho.

Os governos seguintes, de FHC, Lula e Dilma continuaram tendo o assento permanente como meta, com diferentes níveis de enfoque de ano em ano. E, talvez validando toda essa trajetória histórica, da Liga das Nações aos tempos atuais, pode-se dizer que o Brasil está cada vez mais perto de conseguir a cadeira permanente, em grande parte por ações do G4.

O que é o G4?

O G4 – composto por Alemanha, Brasil, Índia e Japão – é uma aliança de quatro países que se apoiam na candidatura de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Esses quatro países se destacam por serem grandes economias, terem quatro das maiores populações do mundo e serem grandes financiadores da ONU. A incorporação dos quatro também traria maior representação para um órgão visto como insuficientemente representativo.

Em 2008, o Reino Unido – sim, o mesmo país que se opôs por décadas a uma cadeira permanente do Brasil – e a França lançaram uma declaração conjunta, apoiando a candidatura dos membros do G4 para assentos permanentes.

Quais as vantagens de um assento permanente?Security Council votes unanimously at the beginning of the meeting on Children in Armed conflict

Representação

Os países que tem assentos permanentes vão estar sempre representados no Conselho, enquanto os não permanentes podem ficar décadas sem uma representação. O Conselho é um dos órgãos mais influentes do mundo, e dita boa parte das medidas de segurança e missões de paz. Uma representação permanente significa ter sempre uma voz para efetivar essas medidas, e poder acompanhar de forma atuante o cenário mundial.

Veto

A distinção mais crucial entre um assento permanente e um não permanente é o poder de veto. Qualquer um dos cinco países permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) pode vetar (anular) uma solução do Conselho.

Historicamente, o país que mais usou o poder de veto foi a Rússia, com um total de 103 vezes até 2007. Curiosamente, o maior uso do veto pela Rússia foi na época da União Soviética, com 80 vetos apenas nos primeiros 10 anos de existência do Conselho. Nesses 10 anos, Vyacheslav Molotov, o ministro de relações externas da URSS, ficou conhecido como “Senhor Veto”.

Dos anos 70 para os dias atuais, o país que mais usou o poder de veto é, de longe, os Estados Unidos. Confira o gráfico:

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Mas e aí, vamos conseguir essa cadeira ou não?

Na 70º Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2015, a Decisão 69/560, que solicitava a reforma do Conselho de Segurança, foi recebida com consenso entre as nações e avançou pela primeira vez. Seguindo isso, o primeiro ministro da Índia convocou uma reunião dos membros do G4, a fim de discutir o futuro da aliança e criar estratégias para a entrada permanente no Conselho.

Como vimos ao longo da trajetória do Brasil nessa busca, a reforma é incerta. A opinião de muitos é que ela nunca esteve tão perto. De outros, que ela nunca virá. E com a incerteza de ambos os lados, continuamos fazendo a dança da cadeira permanente, sem saber se o Brasil vai sentar ou ficar de fora quando a música parar de tocar.
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Referências:

OPIL – UN Foundation – Treaties – UN  – Biblioteca PresidênciaArchive.orgNational ArchivesUFRGSUNFirst PostGlobal Policy

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Conteúdo escrito por:
Aficionado por múltiplas áreas das ciências sociais, estuda política por conta própria, buscando melhor compreensão do mundo e suas diversas faces.
Dubner, Danny. O Brasil e a dança das cadeiras permanentes na ONU. Politize!, 2 de dezembro, 2015
Disponível em: https://www.politize.com.br/cadeiras-permanentes-na-onu/.
Acesso em: 14 de dez, 2024.

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