O Direito Penal é o segmento do Direito Público que regula o poder punitivo do Estado. Ele detém a competência de selecionar as condutas humanas que são consideradas indesejadas, possuidoras de certa gravidade e reprovação social, e capazes de colocar em risco a convivência em sociedade.
Cabe ao Direito Penal, também, estabelecer as penas que serão cominadas aos agentes infratores, respeitando sempre os princípios constitucionais. Quer saber mais sobre o Direito Penal brasileiro? Então, continue lendo!
Por que o Direito Penal é necessário?
Com a vida em sociedade, surgiu a necessidade de garantir ao indivíduo certos direitos que seriam preteritamente assegurados através da autotutela – ou seja, cada pessoa seria responsável por defender o que entende ser seu por direito. Assim, por entender que essa proteção individual – pela autotutela – teria eficácia mínima, fez-se necessário a heterotutela. Agora, cada um de nós atribui a outrem, o Estado, a responsabilidade de lhe garantir seus direitos.
Muito debatida pelos contratualistas, o contrato social é que vai regular essa relação entre indivíduo e Estado. Há quem defenda um Estado forte para fazer valer as leis e garantias dos indivíduos, como Thomas Hobbes argumenta em sua obra Leviatã; outros como John Locke afirmam que o Estado deve apenas garantir aqueles direitos que serão livremente exercidos pelos indivíduos, como o direito a propriedade e a vida.
Entretanto, diante de diversas divergências e debates, parece ser quase que unânime entre os teóricos contratualistas a defesa da necessidade de um direito punitivo do Estado para que os direitos individuais possam ser de fato efetivados.
Muitos são os teóricos que vão analisar o papel do Direito Penal e da função punitiva dentro da sociedade moderna. Dentre quais, destaca-se Cesare Beccaria, que em sua obra “Dos Delitos e das Penas” aborda todas as questões em torno da necessidade e função da punição dentro de uma sociedade. Na visão dele, a sociedade depende quase que integralmente da existência de um Direito Penal.
Sendo assim, a função do Direito Penal é da proteção de bens jurídicos fundamentais, ou seja, a vida, o patrimônio, a honra, a integridade física, psíquica e orgânica, a imagem, a paz, e outros. Por isso, revela-se necessário, ao nos depararmos com um tipo penal (crime), identificar qual bem jurídico está sendo protegido para que se possa aplicar os princípios penais.
Já sabemos, então, que devido ao convívio social – ou seja, diante de atitudes individuais e coletivas que possam criar insatisfação e colocar em risco a pacificidade social – precisamos de algum instrumento para controlar esses indivíduos. Vamos, agora, analisar as correntes acerca do Direito Penal.
Teorias acerca da Pena
Três correntes doutrinárias a respeito da natureza e fins da pena foram consagradas pelo próprio Direito Penal, duas delas mais extremas e uma mais centralizada, como podemos ver:
Teorias Extremadas da Pena
[av_hr class=’invisible’ height=’5′ shadow=’no-shadow’ position=’center’ custom_border=’av-border-thin’ custom_width=’50px’ custom_border_color=” custom_margin_top=’30px’ custom_margin_bottom=’30px’ icon_select=’yes’ custom_icon_color=” icon=’ue808′ font=’entypo-fontello’ av_uid=’av-qjjl37′ admin_preview_bg=”]
Direito Penal Máximo
É considerada a corrente mais “rígida” ao defender a ampliação das leis penais; ou seja, mais condutas devem ser consideradas crime para que toda ofensa ao bem jurídico possa ser penalizada. Tal corrente defende também a ampliação das penas de prisão, diminuindo-se, assim, as outras modalidades de pena como multas e prestações alternativas.
De acordo com essa corrente, o regime de execução deve ser mais rígido, ou seja, regime fechado, sem direito a saída para trabalhar ou estudar. Além disso, a corrente defende tolerância zero aos crimes, sem possibilidade de não condenação; redução da maioridade penal; pena de prisão para usuários de drogas; e direito penal do inimigo (aqueles indivíduos que, por diversas vezes, cometerem crimes, terão alguns direitos e garantias retirados).
Pregam, assim, uma máxima efetivação do Direito Penal que deverá ser rígido e extremamente punitivo.
Essa teoria não passou muito do campo teórico e não pode ser visualizada em democracias constitucionais, entretanto é defendida por aqueles que acreditam que a mera existência de uma lei penal não inibe a prática do crime.
Saiba mais sobre maioridade penal!
Abolicionismo Penal
A corrente defende a descriminalização e a despenalização de diversos crimes. Trata-se, assim, de uma crítica sobre a ineficácia do Direito Penal, que lota o sistema carcerário e não consegue prevenir os crimes.
O Abolicionismo Penal defende, assim, estruturas alternativas ao cárcere. Tais estruturas seriam responsáveis por promoverem apoio – seja antes do cometimento de possíveis ilicitudes, seja após o cometimento – para que se possa ter, de alguma forma, uma mais rápida reintegração dessas pessoas a sociedade.
A remição (redução) de pena de presos através da leitura de livros, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, pode ser considerada uma iniciativa com “espírito” abolicionista.
Garantismo Penal
Das três teorias esta pode ser considerada a mais centralizada e presente na maioria das democracias do mundo – é, para tanto, quase que um meio termo entre a corrente do abolicionismo e do direito penal máximo.
A corrente defende um Direito Penal equilibrado e razoável, amparado pelo Estado Democrático de Direito. Serão punidos, então, aqueles crimes cometidos que de fato provoquem uma lesão ao bem jurídico tutelado, sem entretanto, impossibilitar o retorno do infrator para a sociedade.
Axiomas do Garantismo Penal:
1) não há pena sem crime; (somente punirá aquilo que for crime)
2) não há crime sem lei; (princípio da legalidade)
3) não há lei sem necessidade; (não serão punidas condutas que não causem perigo ao convívio social)
4) não necessidade sem lesão; (não se pune a ideia, é necessário haver lesão, ofensa, algum direito tem que ter sido infringido)
5) não há lesão sem ação; (ninguém pode ser culpado pelo que não cometeu, ou cometeu de forma absolutamente involuntária)
6) não há ação sem culpa; (é necessário que haja intenção, presunção ou ao menos falta de cuidado para haver responsabilidade)
7) não há culpa sem processo; (ninguém pode ser condenado arbitrariamente)
8) não há processo sem acusação; (o judiciário deve ser provocado a julgar-lhe)
9) não há acusação sem prova; (não se pode acusar sem qualquer tipo de evidência)
10) não há prova sem defesa. (direito de defesa)
Tais axiomas resumem os princípios defendidos pelo Garantismo Penal.
Leia também: o que é Estado Democrático de Direito?
Direito Penal Brasileiro
O Direito Penal Brasileiro é regido especialmente pelo Código Penal e pela legislação especial penal, além de outros dispositivos normativos que também compoem o acervo penalista brasileiro.
O Código Penal (DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940) – que teve Nelson Hungria, Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, como um de seus principais redatores – foi divido em 2 partes: a Parte Geral e a Parte Especial. Vamos analisá-las para que você possa compreender como foi estruturado o Direito Penal no Brasil.
Parte Geral
A Parte Geral do CP vai trazer os princípios e regras que irão reger o direito punitivo, assim como a política criminal no país. Citaremos os mais relevantes princípios, alguns deles devido a sua tamanha relevância também foram positivados no rol do Art. 5 da Constituição Federal e também serão analisados.
Princípio da Legalidade
O primeiro artigo do CP dispõe: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Sendo assim, ninguém poderá ser punido por aquilo que não está expressamente configurado como crime, o que garante aos cidadãos segurança jurídica de que não serão punidos arbitrariamente.
Além disso, na parte final é positivado o direito de não cumprir a pena por aquele delito supostamente cometido sem a prévia cominação legal, ou seja, sem o processo judicial que condenará o réu ou não pela sua conduta.
Princípio da pessoalidade
O art. 5 inciso XLV da Constituição diz o seguinte: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Ou seja, em regra, somente o autor da conduta poderá ser punido e responsabilizado por sua conduta.
Princípio da Humanidade
Disposto no art. 5 inciso XLVII da CF, o referido princípio defende a ideia de que a dignidade da pessoa humana não pode ser atentada de forma violenta, sendo assim, observe o descrito no inciso: não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; e cruéis.
O princípio tem como fundamento as finalidades da pena no Brasil, que possuem caráter repressivo, mas também preventivo, e devem propiciar ao condenado, se possível, o retorno para a sociedade. O princípio da humanidade não é aplicado em países como Estados Unidos e China.
Princípio da intervenção mínima
O Direito Penal só atuará quando todas as demais esferas do Direito não forem suficientes para a solução do problema. Sendo assim, caso haja a possibilidade da questão ser resolvida em âmbito não penal, assim deverá ser feito. A aplicação do Direito Penal deverá ser necessária, caso contrário, o Estado estará agindo arbitrariamente.
Por exemplo: diante de alguma conduta indesejada, primeiramente deve-se observar se o Direito Administrativo não é capaz de solucionar a questão através de uma multa; ou se o Direito Civil, através da reparação de danos, não é o mais apropriado para a resolução do conflito. Assim, sendo o Direito Penal de atuação subsidiária.
Princípio da Insignificância ou bagatela
Um dos princípios mais contundentes atualmente e que não esta positivado, ou seja, não está previsto em lei, mas foi reconhecido pela jurisprudência e já foi pautado em diversas súmulas de tribunais superiores é o princípio da bagatela.
Esse princípio defende que não serão punidos lesões insignificantes ao bem jurídico. Ele deriva da ideia de que o Direito Penal tem como missão proteger valores relevantes e jamais deverá punir um indivíduo por lesões insignificantes ao bem jurídico tutelado. Exemplo: um sujeito que furta uma barra de cereal de um supermercado. Certamente ele não será punido pois a lesão que causou ao bem jurídico tutelado é insignificante.
O princípio da insignificância também deriva do princípio da intervenção mínima.
Princípio da retroatividade da lei penal benéfica
Um dos princípios mais importantes do ponto de vista da segurança jurídica é o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, previsto no Art. 2º do CP. Apesar do nome um pouco complexo o conceito é bem simples: aquele indivíduo que foi punido por determinada conduta, e essa conduta tenha deixado de ser considerada crime, não poderá mais por ela ser punido.
No artigo está definido como: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.
Princípio da Transcendentalidade
Princípio implícito que defende que ninguém será punido por causar mal a si próprio, o Direito Penal em regra só punirá comportamentos que ferem bens jurídicos alheios.
Muitos outros princípios e regras são positivados no Código Penal, como por exemplo, a jurisdição sobre crimes praticados por brasileiros fora do país, ou contra brasileiros; questões sobre a prática do crime; o agente criminoso e a vítima; e, ainda, conceitos criminais que serão utilizados pelos magistrados na fixação da pena.
A Parte Geral do Código é rica em conceitos e elucida a interpretação e estruturação do Direito Penal Brasileiro, por isso, é inviável analisarmos todo o seu conteúdo. Entretanto, você já deve conseguir ter uma ideia de como nosso sistema funciona.
Parte Especial
É onde se encontra os tipos penais, ou seja, os crimes. Aqui esta estipulado as condutas criminosas e as penas que serão aplicadas aos agentes. Em regra, estará descrito uma conduta, mais precisamente um verbo, e depois a sua pena:
Exemplo: Art. 129, crime de lesão corporal, está disposto da seguinte maneira:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
Observe que o verbo em questão é ofender, e após é citado pelo artigo o tipo de ofensa que será punida por este tipo penal.
Estrutura da Parte Especial
A Parte Especial é dividida nos seguintes títulos:
– Dos crimes contra a pessoa;
– Dos crimes contra o patrimônio;
– Dos crimes contra a propriedade imaterial;
– Dos crimes contra a organização do trabalho;
– Dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos;
– Dos crimes contra os costumes;
– Dos contra a família;
– Dos crimes contra a incolumidade pública;
– Dos crimes contra a paz pública;
– Dos crimes contra a fé pública;
– Dos crimes contra a administração pública e
– Disposições finais.
Certamente não é viável analisarmos cada um dos títulos, seus capítulos e artigos, entretanto, é importante ressaltar que os crimes seguem um princípio, o da proporcionalidade a lesão ao bem jurídico. Isto significa que a pena a ser aplicada a um crime contra a honra, por exemplo, não poderá ser superior àquela aplicada a um crime contra a vida.
Para terminar, devemos destacar ainda mais um principio muito pertinente a Parte Especial. O princípio da Especialidade faz com que, ao nos depararmos com um fato, que poderia ser enquadrado em dois tipos penais – ou seja, regulamentado por leis diferentes – deve se aplicar aquele que é especial, ou seja, que carrega com si alguma especialidade em detrimento do outro.
Por exemplo, o Art. 121 prevê o crime de homicídio, matar alguém. Entretanto, se a conduta matar alguém, expressa pelo artigo, ocorrer na condução de veículo automotor, o autor do crime não responderá pelo 121 do CP, e sim pelo Código de Trânsito Brasileiro, pois este é especial em relação ao Código Penal. Observe que há uma “especialidade” nesse caso, que seria a condução de veículo automotor enquanto ocorre a prática do crime.
Infelizmente não há possibilidade de analisarmos o Direito Penal e o Código em toda sua íntegra. Entretanto, esperamos que você tenha conseguido compreender como nosso país adotou o Direito Penal. Gostou do conteúdo? Deixe seu comentário!
REFERÊNCIAS
Planalto: leis – Planalto: Constituição
Peter Walter Ashton: as principais teorias do Direito Penal.
José Carolos de Oliveria Robaldo: direito penal máximo e o controle social