,

Genocídios no mundo: há como preveni-los?

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!

O genocídio é caracterizado pela Organização das Nações Unidas como crime de caráter internacional, definido por “atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Entenda melhor, a seguir, alguns dos casos mais conhecidos (e reconhecidos), em ordem cronológica:

POVOS INDÍGENAS AMERICANOS

Desde a chegada dos europeus nas Américas, em 1492, estima-se que ao menos 15 milhões de indígenas foram mortos pelos colonizadores. Atualmente, a marginalização destes povos e restrição de acesso aos seus direitos persiste em praticamente todo o continente.

CONGOLESES (ESTADO LIVRE DO CONGO)

Um dos exemplos coloniais mais brutais de genocídio consistiu na dizimação da população congolense pelo rei Leopoldo II da Bélgica. Ironicamente denominado “Estado Livre do Congo”, o território não consistia em uma colônia propriamente dita, mas em um propriedade pessoal do rei belga.

Estima-se que tenham morrido entre 5 e 8 milhões de pessoas, muitas das quais haviam sido escravizadas para trabalhar na extração intensa de borracha e marfim. Após as brutalidades deste tipo particular de colonização terem sido expostos pela imprensa ocidental, o território passou a ser colônia da Bélgica com o nome de “Congo Belga” em 1908.

POVOS HERENOS E NAMAQUAS (ATUAL NAMÍBIA; 1904-1907)

Considerado o primeiro genocídio do século XX, consistiu no massacre de 50% da população namaquas e 80% dos hererós, grupos étnicos do sudoeste africano, pelo exército alemão na região onde hoje é a Namíbia. Em 1904, tanto os hereros quanto os namaquas se revoltaram contra o domínio colonial e foram derrotados pelo exército alemão, que os fez marchar até o deserto de Omaheke, onde muitos morreram de sede. Foram utilizados campos de concentração e o envenenamento de poços de água na região desértica onde estavam os prisioneiros sobreviventes. Em 2004, a Alemanha reconheceu o genocídio e pediu desculpas formais.

ARMÊNIOS (ATUAL TURQUIA; 1915-1918)

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Império Turco-Otomano acusou centenas de intelectuais, políticos e líderes religiosos da comunidade armênia no país de traição e conspiração contra a Alemanha, aliada do governo turco-otomano contra a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia). Muitos desses líderes foram mandados para prisões em Constantinopla, fuzilados e enforcados em praça pública.

Diversos historiadores consideram que o subsequente massacre de 1,5 milhão de armênios, dos 2 milhões que habitavam a região, fez parte de uma limpeza étnica por parte do governo turco-otomano, com a intenção de eliminar a população armênia daquele território. Estima-se que 500 mil armênios tenham sido deportados para campos de refugiados, aumentando exponencialmente a diáspora armênia que vinha ocorrendo há séculos. Dados de 2004 estimam que, dos 11 milhões de armênios no mundo, apenas 3,2 milhões vivem na Armênia.

HOMOLODOR (UNIÃO SOVIÉTICA; 1932-1933)

O Holomodor, ou genocídio ucraniano, consistiu na perseguição aos ucranianos por Stalin, líder da União Soviética entre 1922 e 1953, durante a tentativa de limpeza étnica da região. A Ucrânia, junto com o Cazaquistão, foi forçada a exportar toda sua produção de trigo, levando grande parte de sua população à morte por inanição, ou seja, por falta de comida e água. Dentre as práticas recorrentes de ação deliberada de extermínio do povo ucraniano pelo regime soviético, estavam a proibição do idioma ucraniano, a perseguição dos ucranianos pelo serviço secreto soviético e o abandono de crianças ucranianas.

HOLOCAUSTO (EUROPA OCIDENTAL; 1942-1945)

Provavelmente o genocídio mais conhecido da História, o Holocausto consistiu no massacre sistemático de aproximadamente 6 milhões de judeus, aproximadamente 67% da população judaica europeia, pelo  regime nazista na Alemanha. Além disso, o exército de Hitler perseguiu membros da população LGBTQI, ciganos, eslavos, romenos e sérvios. Câmaras de gás, experimentações em humanos, campos de concentração e fuzilamentos aleatórios podem ser destacados como práticas recorrentes durante o Holocausto.

CAMBOJANOS (CAMBOJA; 1975-1979)

O Khmer Vermelho, partido comunista liderado por Pol Pot, foi responsável pela perseguição e morte, majoritariamente em campos de trabalho forçado, de mais de 1,7 milhão de cambojanos anticomunistas ou suspeitos de não apoiar o partido. As práticas do grupo contabilizaram uma perda de aproximadamente 25% da população do país. Minorias étnicas que viviam no Camboja, principalmente chinesas e vietnamitas, acabaram sendo dizimadas posteriormente pelo regime.

TIMORENSES (TIMOR LESTE; 1975-1999)

O Timor Leste é uma ex-colônia portuguesa que se tornou independente em 1975 e que divide o território da ilha de Timor, ao norte da Oceania, com a Indonésia. Logo após a independência timorense, com a vitória da esquerda nas primeiras eleições do país, o governo indonésio liderado pelo general Suharto – amplamente apoiado pelos Estados Unidos e caracterizado pela forte repressão aos movimentos de esquerda no país -, invadiu o Timor Leste e ocupou-o militarmente.

A ocupação resultou em um longo massacre à população local, com centenas de aldeias bombardeadas pelas milícias indonésias e mais de 20 mil pessoas “desaparecidas”. Práticas como o uso de napalm em plantações e envenenamento de reservatórios de água eram recorrentes. Em 1999, a ONU interveio, implementando uma missão de paz no país e organizou um referendo que levou à sua independência definitiva em 2002.

CURDOS (IRAQUE; 1987-1989)

Os curdos são um grupo étnico que atualmente vive, em sua maioria, na região denominada Curdistão, a qual engloba partes da Turquia (representando cerca de 20% da população do país), do Iraque (entre 15% e 20%), da Síria (aproximadamente 15%) e do Irã (entre 10% e 15%). Frequentemente citados como “a nação sem Estado”, os curdos nunca viveram sob um poder centralizado e dividem-se em diferentes partidos e facções entre os quatro países.

Em 1987, em meio à Guerra Irã-Iraque, o presidente iraquiano Saddam Hussein iniciou uma campanha de genocídio contra a população curda, ordenando a destruição de aproximadamente 4.500 vilarejos na região do Curdistão iraquiano e, consequentemente, ocasionando a morte de até 182 mil curdos. Isso ocorreu por causa do posicionamento curdo contra o governo do Iraque, em apoio ao Irã. As ofensivas iraquianas, que consistiram em bombardeios e ataques com gases tóxicos, também ocasionaram um deslocamento maciço da população curda para as regiões vizinhas.

BÓSNIOS MUÇULMANOS (ATUAL BÓSNIA HERZEGOVINA; 1992-1995)

O genocídio bósnio ocorreu durante a Guerra da Bósnia, resultado de disputas étnicas, políticas e religiosas decorrentes do desmembramento da Iugoslávia. Durante a década de 1990, a Iugoslávia dividiu-se em seis países (Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia).

Em 1991, a Bósnia era uma das regiões de maior diversidade étnica no país, com uma sua população majoritariamente composta por bósnios muçulmanos (44%), sérvios cristãos ortodoxos (31%) e croatas católicos (17%), cada qual com seus diferentes posicionamentos em relação aos processos de independência que estavam em andamento.

No início de 1992, tropas sérvias cercaram a capital Sarajevo e deram início a uma tentativa de limpeza étnica da Bósnia através de bombardeios sistemáticos e ataques indiscriminados contra civis. Dentre os motivos que levaram ao fim da guerra, estão o apoio militar iraniano e o apoio financeiro de outros países muçulmanos ao exército bósnio, bem como a pressão de potências ocidentais contra a Sérvia. Estima-se que, durante o período da guerra, cerca de 200 mil pessoas tenham sido mortas, mais de 40 mil mulheres bósnias tenham sido estupradas e quase 2 milhões foram forçados a se refugiar.

TUTSIS (RUANDA; 1994)

O genocídio em Ruanda ocorreu durante aproximadamente 100 dias e diz respeito à rivalidade étnica que levou ao massacre do grupo étnico minoritário chamado tutsis por parte de extremistas hutus, etnia predominante no país. Apesar das diferenças entre as etnias serem sutis, a colonização belga do país tentou administrar o país através de um sistema artificial de castas, apontando uma minoria tutsi para cargos de controle do país.

Em 1994, em meio a um governo de transição composto por ambas as etnias, previsto por um acordo de paz mediado pela ONU, extremistas hutus iniciaram uma campanha de massacres à população tutsi. Mais de 500 mil pessoas foram mortas, entre 200 e 500 mil mulheres foram estupradas e cerca de 5 mil meninos recém-nascidos foram assassinados. Além disso, houve um deslocamento maciço da população para as áreas de fronteira com a Uganda e o antigo Zaire (atual República Democrática do Congo). O genocídio só terminou quando a resistência armada tutsi, com apoio do exército da Uganda, conseguiu retomar definitivamente o país, ocasião na qual mais de 2 milhões de hutus refugiaram-se, temendo retaliação.

HÁ COMO PREVENIR GENOCÍDIOS NO MUNDO?

Em 1996, logo após o genocídio ruandês, o presidente da Genocide Watch, movimento internacional de prevenção do genocídio, Gregory Stanton, apresentou um documento chamado “As 8 Etapas do Genocídio” para o Departamento de Estado dos EUA. O documento, posteriormente reformulado como “As 10 Etapas do Genocídio”, defende que o genocídio poderia ser previsto através de etapas específicas e sugere medidas preventivas para cada uma delas. As etapas são:

(1) Classificação: quando ocorre a distinção entre “eles” e “nós”;

(2) Simbolização: quando são associados símbolos a determinados grupos;

(3) Discriminação: quando grupos dominantes utilizam de leis, argumentos culturais ou poder político para negar direitos a outros grupos;

(4) Desumanização: quando o grupo atacado passa a ser vilanizado, comparado a animais ou doenças, por exemplo, através de discursos de ódio;

(5) Organização: quando ocorre o planejamento do genocídio, muitas vezes através de treinamento de grupos paramilitares;

(6) Polarização: quando grupos de ódio conseguem segregar os grupos através de propaganda mobilizadora;

(7) Preparação: quando líderes extremistas se preparam para colocar seu planejamento em prática;

(8) Perseguição: quando grupos são oficialmente identificados e segregados;

(9) Exterminação: quando dá-se início aos massacres e assassinatos sistemáticos característicos do genocídio.

(10) Negação: quando os perpetuadores do genocídio negam seu envolvimento ou os próprios episódios de genocídio.

Dentre as medidas preventivas apresentadas, pode-se citar a criação de instituições que promovam a integração racial, étnica e religiosa, a proibição dos discursos de ódio, o banimento de líderes que incitem o genocídio e o papel da Organização das Nações Unidas em conduzir as devidas investigações de violações de direitos humanos.

Cabe ressaltar que, além dos mecanismos jurídicos mencionados para coibição da prática de genocídio, diversos países tornaram ilegais as tentativas de revisionismo ou negacionismo histórico – isto é, a recusa em aceitar evidências maciças de determinados acontecimentos, gerando controvérsias que tentam invalidar um imenso conjunto de pesquisas. Por exemplo, em vários países europeus, é proibido afirmar que o Holocausto não aconteceu ou que as proporções em que aconteceu não são verdadeiras. Por outro lado, o código penal turco prevê uma pena para quem se referir aos massacres dos armênios, gregos e assírios como genocídio. O governo turco defende que agiu como precisava para defender a soberania nacional do seu país e ainda alega que o número de mortes relatado é exagerado. Em 2016, a Turquia foi acusada de propagar fake news pela internet para atacar parlamentares alemães de origem turca que se posicionaram a favor do reconhecimento do genocídio armênio.

Fontes:

CHARNY, Israel. “Encyclopedia of Genocide”. Santa Barbara: ABC-Clio, 1999.; United States Holocaust Memorial Museum; International Criminal Court; Genocide Watch; Auschwitz Institute; Vestibular UOL; História do Mundo UOL; Mundo Estranho; BBC News; Holocaust Denial Leaflet – United Against Racism; United Nations University.

Apesar de diferentes, a liberdade de expressão e de imprensa têm em comum a vontade em exercer a cidadania e em diversificar o discurso público. Ambas são igualmente poderosas e importantes, mas como se viu, nenhuma liberdade é um ganho permanente e sim, um estado. Devemos estar sempre atentos e não deixar nossa liberdade ser cerceada por quem quer que seja!

GoCache ajuda a servir este conteúdo com mais velocidade e segurança

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Mestranda em Ciência Política pela UFRGS e bacharela em Relações Internacionais pela mesma universidade. É também sócia-fundadora da Descomplicando, portal de serviços de assessoria acadêmica.

Genocídios no mundo: há como preveni-los?

15 abr. 2024

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo