No último texto da trilha, vimos que a regulação das plataformas digitais tem ganhado espaço como resposta de governos ao avanço da desinformação. Mas esse desafio não pode ser enfrentado apenas pela via legal: o jornalismo também exerce um papel importante nesse processo.
Afinal, como a imprensa de qualidade pode ajudar a reduzir os efeitos da desinformação? De que forma os desertos de notícia abrem espaço para o vácuo informacional e ampliam os riscos para a democracia? E qual é a importância da checagem de fatos nesse cenário?
Essas são algumas das questões que vamos explorar nesta oitava parte da Trilha sobre desinformação, uma parceria da Politize! com o *desinformante. Ao longo da série, estamos investigando os impactos da desinformação na sociedade e os caminhos possíveis para enfrentá-la. Agora, é hora de olhar para o jornalismo e entender seu papel como peça-chave nessa construção coletiva.
Por que o jornalismo é essencial no combate à desinformação?
O jornalismo costuma ser lembrado como uma das principais linhas de defesa contra a desinformação. Diversos pesquisadores reforçam que sua missão vai além de informar: é também oferecer segurança informacional em meio ao excesso de conteúdos incorretos ou enganosos que circulam diariamente. Reconhecendo essa importância, a UNESCO lançou um manual com contribuições de especialistas internacionais que repensam como as práticas jornalísticas podem se adaptar a esse cenário de desafios constantes.
Nesse documento, a jornalista inglesa Cherilyn Ireton chama a atenção para um ponto central: a queda de confiança na imprensa. Muitas vezes, esse fenômeno é atribuído apenas às redes sociais, mas, segundo ela, a questão é mais complexa.
A credibilidade do jornalismo depende do rigor e da transparência das próprias redações, mas também está conectada a algo maior: a desconfiança generalizada da sociedade em relação a governos, empresas e instituições – algo que discutimos no terceiro texto desta trilha: 3 motivos que levam as pessoas a acreditam em desinformação. Sendo assim, a própria imprensa também é impactada por essa desconfiança às instituições.
Ainda assim, o papel do jornalismo permanece fundamental para a democracia e essa relevância aparece com clareza em pesquisas recentes.
O estudo Desigualdades Informativas 2024, do Aláfia Lab, mostrou que, embora mais da metade da população (51,6%) se informe hoje principalmente pelas redes sociais, os veículos jornalísticos tradicionais seguem sendo altamente influentes, ocupando o topo entre as fontes mais usadas para buscar informação confiável.
Ou seja: mesmo em tempos de fluxos intensos e de concorrência com narrativas desinformativas, o jornalismo de qualidade continua sendo um pilar essencial no combate à desinformação.
Desertos de notícias e o vácuo informacional
Desertos de notícias são municípios ou regiões onde não existem veículos locais de imprensa independente, sejam jornais, sites, blogs ou emissoras de rádio e TV. Nessas localidades, a população tem pouco ou nenhum acesso a informações confiáveis sobre temas essenciais como saúde, educação, segurança, mobilidade, meio ambiente e contas públicas.
A ausência de jornalismo local cria um vácuo informacional, que abre espaço para a desinformação. Sem fontes confiáveis, comunidades acabam dependendo de boatos, redes sociais ou informações parciais, o que fragiliza o debate público e prejudica a participação cidadã.
No Brasil, o Atlas da Notícia 2025 aponta que 2.504 municípios, o que configura cerca de 45% do total, vivem em deserto de notícias, afetando quase 20 milhões de pessoas.
Ter acesso à informação, e sobretudo à informação íntegra, passa por estimular o desenvolvimento e a sustentabilidade das mídias independentes. A ONU reconhece isso e, no Informe de Política sobre Integridade da Informação nas Plataformas Digitais, recomenda que Estados-membros e plataformas digitais promovam um espaço digital mais seguro e inclusivo, garantindo liberdade de opinião e acesso à informação.
Entre os princípios propostos, destaca-se especificamente o apoio à mídia independente: incentivar a criação, financiamento e capacitação de veículos locais e organizações de checagem de fatos em idiomas locais, fortalece a integridade da informação e ajuda a combater os desertos de notícias.
A importância da checagem de fatos
Falando em checagem de fatos, é importante entender melhor o que significa essa prática. A checagem é um método jornalístico que busca verificar a veracidade de informações que circulam na sociedade. Mais do que identificar notícias totalmente falsas, ela também analisa conteúdos exagerados, distorcidos, fora de contexto ou que apresentam contradições.
Nos últimos anos, diante do avanço da desinformação, cresceu o número de agências de fact-checking ao redor do mundo. Essas iniciativas se tornaram fontes confiáveis de informação, já que aplicam técnicas rigorosas de verificação e seguem princípios claros de transparência e imparcialidade. Como atuam de forma ágil, ajudam a conter a viralização de conteúdos falsos, fortalecem o senso crítico e contribuem para melhorar o debate público.
Em 2015, surgiu a Iniciativa Internacional de Verificação de Fatos (IFCN), da Poynter, para articular a comunidade global de checadores. A rede apoia mais de 170 organizações de fact-checking em todo o mundo, oferecendo capacitação, espaços de colaboração e defesa da integridade da informação.
No Brasil, algumas agências são signatárias da IFCN, como a Agência Lupa, Aos Fatos e Estadão Verifica. Para integrar a rede, é preciso cumprir o Código de Princípios da IFCN, que inclui diretrizes como o compromisso com apartidarismo e justiça, e a transparência no uso das fontes e metodologias.
Esses são compromissos inerentes ao jornalismo, mas que ganham uma dimensão ainda mais profunda nas agências de checagem. Isso porque, ao verificarem informações, elas compartilham de forma transparente o caminho percorrido até a conclusão final. Assim, qualquer pessoa pode acompanhar esse processo e tirar suas próprias conclusões.
Como destaca a jornalista e pesquisadora Magaly Prado, do Instituto de Estudos Avançados da USP, “centenas de organizações ao redor do mundo se dedicam a desmascarar mensagens falsas. A importância delas nunca foi tão evidente, pois estamos diante de uma proliferação de conteúdo de baixa qualidade, muitas vezes elaborado com o intuito deliberado de distorcer os fatos”.
A pesquisadora evidencia ainda que, apesar da relevância das agências de checagem, é necessário que outros atores também atuem pela integridade da informação, como cidadãos, famílias e o sistema educacional, e que haja incentivo à educação midiática digital.
Nesse último ponto, o Brasil deu um passo importante em 2023 com a criação da Estratégia Brasileira de Educação Midiática (EBEM), documento que reúne um conjunto de iniciativas do Governo Federal voltadas à promoção da educação midiática para a população.
O futuro da checagem em risco
Apesar da importância da checagem de fatos, seu futuro enfrenta incertezas. Um dos maiores obstáculos é o financiamento: muitas iniciativas brasileiras de verificação de fatos se sustentam principalmente por meio de apoios temporários de plataformas digitais, como Google e Meta. Sem esses recursos, diversos projetos não conseguem manter suas equipes, mesmo diante da crescente necessidade de combater a desinformação.
Esse cenário ficou ainda mais delicado após o anúncio de mudanças na Meta, em janeiro de 2025. Mark Zuckerberg declarou que a empresa vai encerrar seu programa de checagem por terceiros (Third Party Fact-Checking Program) e substituí-lo pelas chamadas Notas da Comunidade, modelo colaborativo inspirado no X (antigo Twitter), em que os próprios usuários adicionam contexto a conteúdos enganosos.
Especialistas alertam que a medida pode fragilizar a luta contra a desinformação, já que reduz o papel das agências independentes e transfere a responsabilidade para os próprios usuários.
O *desinformante é um projeto midiático realizado pelo Aláfia Lab e tem o objetivo de ser um espaço com informações confiáveis sobre desinformação, analisando o impacto do fenômeno desinformativo na sociedade e discutindo formas de combatê-lo.
Referências
- Onu Brasil – Informe de Política para a Nossa Agenda Comum: Integridade da Informação nas Plataformas Digitais
- Unesco – Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo
- Aláfia Lab – Desigualdades informativas: entendendo os caminhos informativos dos brasileiros na internet 2024Secom da Presidência – Estratégia Brasileira de Educação Midiática (EBEM)