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O que é limpeza étnica?

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A remoção, eliminação ou a migração forçada de determinados grupos étnicos em uma região pode caracterizar um fenômeno denominado “limpeza étnica”. 

Já ouviu falar desse termo? Vem saber mais sobre ele aqui!

O que é limpeza étnica?

Antes de entendermos de fato sobre o termo, vale lembrar que conforme definição, grupo étnico representa uma coletividade que se diferencia por suas especificidades (cultura, religião, língua, modos de agir etc.), e que possui a mesma origem e história.

Michael Mann, sociólogo histórico e professor de Sociologia na Universidade da Califórnia, criou o termo “limpeza étnica” para explicar de modo geral, o fenômeno de favorecimento de um ou mais grupos étnicos acima dos outros, tanto garantindo privilégios especiais quanto impondo dificuldades, deportação dessas consideradas minorias ou até pior.

De maneira geral, a limpeza étnica tem como fim

“tornar uma área etnicamente homogénea, utilizando para isso, a força e a intimidação para remover pessoas, de determinados grupos, de um determinado território” (ABELHA, 2013).

Esse fenômeno surge do imaginário social de que apenas a cultura, língua, religião, alfabeto ou organização política do grupo dominante deve ser tolerada. Isso, por fim fortalece o ideal de que “por serem melhores”, o outro tipo de cultura deve ser suprimida ou destruída.

É comum a prática se manifestar através de remoções físicas e ou de aspectos culturais do grupo alvo no território. As técnicas envolvem a destruição de casas, de centros sociais, e a profanação de monumentos, cemitérios e lugares de adoração.

Como pode ocorrer?

Os Tribunais Internacionais tem identificado a prática através de outros tipos de ilícito, como, por exemplo:

  • crime de deportação ou transferência forçada – que implica na deslocação ilegal, expulsão, transferência ou retirada de pessoas do território em que residem, dentro ou fora do território nacional, sem qualquer motivo reconhecido;
  • crime de perseguição –  que consiste em uma variedade de atos desumanos, incluindo prisão, exportação, expulsão, destruição de casas e bens, aprovação de leis discriminatórias e até mesmo assassinatos de indivíduos ou de grupos considerados minoritários;

E onde ocorreram casos de limpeza etnica?

Bósnia

Entre 1992 e 1995 ocorreu a Guerra da Bósnia, com fins de independência.

Os três grandes grupos étnicos que existiam na região – croatas, sérvios e bósnios – se envolveram no conflito que se intensificou devido as rivalidades étnicas existentes na antiga Iugoslávia e durante a fragmentação desse país.

Vale dizer que a presença estrangeira na região resultou em grandes movimentos de independência.

Após a Primeira Guerra Mundial,  em 1918, surgiu o chamado “Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos”, que se tornou o Reino da Iugoslávia, em 1929.

O reino se fragmentou durante a Segunda Guerra Mundial e, pós-guerra, a liderança do local foi realizada pelo general Josip Broz Tito, Em 1945, Tito inaugurou a República Socialista Federativa da Iugoslávia, uma nação que agrupava seis diferentes países: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Montenegro, Macedônia e Bósnia-Herzegovina.

As rivalidades étnicas e religiosas da região foram controladas pelo poder ditatorial de Tito, no entanto, com sua morte em 1980, os movimentos nacionalistas se fortaleceram com lideranças para cada uma das diferentes etnias.

Assim, o debate político na Iugoslávia nos finais da década de 1980 e início da década de 1990 voltou-se totalmente para a questão étnica no país. Afinal, os três maiores grupos étnicos da Bósnia possuíam interesses diversos:

  • os bosníacos defendiam a independência total da Bósnia e a implantação de um governo encabeçado por bosníacos;
  • os sérvios defendiam a anexação dos territórios bósnios onde a maioria da população era sérvia à Iugoslávia;
  • os croatas defendiam a anexação total da Bósnia à Croácia.

O saldo da guerra, além da destruição material, foi de 100.000 mortos.

Além disso, o conflito foi marcado por um forte processo de limpeza étnica promovido pelas forças sérvio-bósnias contra a população bosníaca (bósnio-muçulmanos). Um dos casos mais conhecidos foi o massacre de Srebrenica, evento em que forças sérvio-bósnias invadiram o campo de refugiados de Srebrenica e mataram mais de 8.000 bosníacos.

República Centro Africana

Em 2014, a Acnur alertou para a ocorrência de uma limpeza étnica na República Centro Africana

Na região, os muçulmanos representavam na época cerca de 15% da população; mais de metade das pessoas do país eram cristãos e perto de 35% seguiam credos indígenas.

A situação no local se deteriorou após a queda do presidente François Bozizé, em março de 2013, deposto por Michel Djotodia e pela rebelião Seleka – integrado por muçulmanos em sua maioria.

Michel Djotodia foi acusado de ter cometido inúmeros atos violentos contra a população cristã. Assim, após sua saída forçada, o país entrou em uma espiral de violência com o surgimento dos “anti-balaka” – milícias camponesas de autodefesa, dominadas por cristãos – decididos a se vingar dos Seleka, assim como da população muçulmana em geral.

Assim, a “limpeza étnico-religiosa” ocorrida teve como principal alvo os muçulmanos.

O ataque mais grave aconteceu em 18 de janeiro em Bossemptele, onde pelo menos 100 muçulmanos foram assassinados, principalmente mulheres e idosos. Pessoas foram queimadas vivas, vários fugiram de cidades e povoados, enquanto os poucos que permaneceram se refugiaram em mesquitas.

Para o especialista em Proteção Civil do Acnur, Philippe Leclerc,  a violência vista no país era comparável à violência desencadeada contra os muçulmanos em Srebrenica, na Bósnia Herzegovina, em 1995.

Mianmar

Em 2017, a ONU denunciou limpeza étnica contra muçulmanos em Mianmar. Na época, foram registrados ataques violentos contra postos policiais, vários vilarejos rohingyas foram incendiados e até mesmo execuções extrajudiciais, incluindo tiros contra civis em fuga.

A equipe de direitos humanos da ONU responsável pelo acompanhamento da situação concluiu que os ataques contra a minoria rohingya – tratados como estrangeiros e considerados apátridas, apesar da presença de algumas famílias há várias gerações no país – foram executados com o objetivo de não somente expulsar os habitantes de seus povoados, mas de impedir o retorno dos mesmos.

Estima-se que em 2107 mais de 700 mil muçulmanos da etnia rohingya fugiram para Bangladesh. Ao menos 6.700 rohingyas, incluindo 730 crianças, foram mortos violentamente entre o final de agosto e setembro de 2017 e aproximadamente 200 assentamentos rohingya foram completamente aniquilados entre 2017 e 2019.

Apesar de o Mianmar tem negado repetidamente as alegações de que um genocídio estaria em curso no país, dois soldados, sob custódia do TPI (Tribunal Penal Internacional), admitiram sua participação na limpeza étnica de rohingyas. Os soldados confessaram o assassinato de dezenas de moradores de vilas, incluindo mulheres e crianças, na região oeste do país do sudeste asiático, bem como estupros e enterro das vítimas em valas comuns.

Como a questão é regulada por organismos internacionais?

São vários os instrumentos no Direito Internacional que punem a prática de limpeza étnica.

A maioria dos métodos utilizados constituem graves violações das Convenções de Genebra de 1949 – série de tratados formulados na Suíça, definindo as normas para as leis internacionais. Dessa forma, as ações de limpeza étnica tipificam um conjunto de violações de Direitos Humanos e, principalmente, do Direito Internacional Humanitário.

O crime de deportação ou transferência forçada, bem como o crime de perseguição, se encaixa no elencode crimes contra a humanidade do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) – corte que julga indivíduos que cometem crimes contra pessoas de maior gravidade em alcance internacional.

Se quiser saber mais sobre o TPI, acesse nosso conteúdo Tribunal Penal Internacional: o que é e como atua?

Ademais, esses crimes podem integrar a categoria de crimes de guerra, que envolvem homicídios dolosos; tortura, tratamentos desumanos ou experiências biológicas; destruição ou a apropriação de bens em larga escala; deportação ou transferência ilegais; ou a privação ilegal de liberdade e outras práticas ilegais durante a ocorrência de conflitos armados.

Da mesma forma, pode ser considerado como crime de genocídio,  ou seja, atos – desde ofensas à integridade física ou mental à imposição de medidas visando impedir nascimentos ou homicídios – praticados com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

Vale esclarecer que existe uma linha tênue entre limpeza étnica e o crime de genocídio: um busca deslocar um grupo e o outro, tem como fim, sua destruição. No entanto, os dois atos estão interligados.

Conseguiu entender o que é limpeza étnica? Deixe suas dúvidas e comentários pra gente! 

REFERÊNCIAS

Genocídio e limpeza étnica: uma mesma concepção, realidade diferentes?


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Internacionalista e estudante de Direito, inclinada a compartilhar conhecimentos e contribuir para uma sociedade mais consciente.

O que é limpeza étnica?

15 abr. 2024

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