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O tributo ao longo da história no Brasil
4 abr 2023
4 abr 2023

O tributo ao longo da história no Brasil

O tributo ao longo da história no Brasil

O tributo é algo comum na história mundial. Desde a Antiguidade, diversas civilizações cobravam tributos para garantir o funcionamento, administração e a manutenção do que julgassem necessários, como os exércitos, por exemplo.  

As mudanças históricas geram novas necessidades e novas formas de tributação. Com as expansões marítimas, quando os portugueses e espanhóis começaram a explorar novas rotas de comércio, durante os séculos XV e XVI, por exemplo, as trocas comerciais cresceram e as formas de tributar as importações e as exportações também. 

Olhando em especial para o Brasil, você já imaginou como a tributação se modificou ao longo da nossa história? Primeiro, é necessário pontuar que o país tem um passado colonial, isto é, a organização dos tributos, mais parecida com a que conhecemos hoje, só começou a surgir no país a partir da colonização portuguesa e se modificou ao longo do tempo, conforme as mudanças no governo e as necessidades sociais.

Além disso, a forma como o sistema tributário é organizado afeta questões sociais, como a desigualdade. Quer saber mais? Segue com a gente!

→ Nesse eixo do projeto conversamos com a Marina Costa, advogada de direito tributário do Mattos Filhos e discutimos sobre os diferentes tipos de tributos e como o sistema tributário brasileiro pode impactar a desigualdade. Confere esse papo aqui:

O projeto Tributos e Desigualdade é uma realização do Instituto Mattos Filho, produzido pela Civicus em parceria com a Politize!. Juntos, temos o objetivo de levar conhecimento e informações sobre a tributação no Brasil e seus impactos sobre as desigualdades.

A tributação no período Colonial (1530-1822)

Entre 1530 e 1822, o Brasil era uma colônia de Portugal. Então, todos os tributos eram criados pela coroa portuguesa e tinham o objetivo de enriquecê-la. 

A primeira cobrança de imposto surge em 1530 e era feita sobre o pau-brasil, produto altamente explorado na época. Era cobrado 20% daquilo que fosse extraído e o pagamento era feito com o próprio produto, in natura, isto é, não utilizavam dinheiro.

Desenho representando o período colonial do Brasil. Créditos: IPHAN

Entre 1530 e 1550, a Carta de Foral era o documento que definia o percentual de tributo que seria cobrado na colônia. Em 1762, com a nomeação do Vice-Rei, General Gomes Freire de Andrade, outros produtos produzidos na colônia também passaram a ser tributados, como: algodão, açúcar, ouro e aguardente.  

Havia duas cobranças principais:

  • O “quinto”:  todo ouro extraído deveria ser registrado nas casas de fundição e 20% dele era pago para coroa
  • A “derrama”: cobrança forçada que acontecia quando havia “quintos” atrasados e poderia ser feita sobre qualquer tipo de produção 

A regra geral para cobrança era definida como um quinto de tudo aquilo que fosse produzido na Colônia – o que correspondia a 20% de toda a produção. 

Em 1808, a família real portuguesa chegou ao país e isso modificou toda estrutura governamental e social da época. Uma das principais mudanças foi a seguinte: o porto foi aberto para as nações amigas, dando início ao comércio internacional. Para oficializar a tributação sobre os produtos que vinham do comércio internacional, surgiu a Carta Régia, documento que determinava que todas as mercadorias estrangeiras sofressem uma tributação de 24%.

Além disso, novos tributos foram criados, como: os direitos alfandegários e as “rendas Régias” que eram as cobranças sobre todas as atividades econômicas, feitas até mesmo sobre os dízimos.

O valor arrecadado com os tributos se destinava, principalmente, às despesas da família real. Com a falta de uma boa estrutura administrativa, esse valor era mal utilizado e, muitas vezes, ocorria bi-tributação (isto é, um mesmo tributo acabava sendo cobrado diversas vezes com nomes diferentes).    

Durante esse período, que terminou apenas em 1822, a criação de órgãos para fiscalizar a tributação foi necessária. Assim, o Conselho Ultramarino, o Conselho da Fazenda e a Alfândega foram estabelecidos no país. Com isso, podemos perceber que havia uma forte fiscalização da tributação que acontecia para maximizar a exploração da colônia e garantir o monopólio real.

A tributação no Período Imperial (1822-1889)

Em 1822, com o fim da condição de colônia, o país se tornou independente. A partir disso, surgiu a necessidade de organizar a estrutura administrativa para alcançar os novos objetivos de administração do país, que não eram mais definidos pela exploração colonial.

A Constituição de 1824, em seu artigo 15°, definiu que o Poder Legislativo era responsável por estabelecer os valores das despesas públicas e a distribuição destes valores entre a Câmara dos Deputados e o Senado. Nesse contexto, a Câmara dos Deputados se tornou responsável pela criação de tributos. 

Essa Constituição não definiu todos os aspectos tributários, mas instituiu a obrigação de pagamento de tributos no artigo 179: “ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus deveres.”.

Em 1831, por meio de uma lei, foram criadas as tesourarias provinciais – órgãos responsáveis por toda organização financeira de determinada região. Isso possibilitou que cada província criasse seus tributos e organizasse o investimento do valor arrecadado como julgasse necessário. 

Novas modificações ocorreram em 1834, momento em que foi instituído o chamado Ato Adicional para estabelecer as “Rendas Gerais”, que definiu diversos tributos sobre diversos serviços e produtos, como: importação, exportação, compra de embarcações estrangeiras, estabelecimentos comerciais, mineração de ouro, entre outros. 

A tributação no Período Republicano (a partir de 1889)

Com a Proclamação da República, em 1889, surgiu uma nova Constituição, criada em 1891. Ela definia que a União e os Estados poderiam criar e cobrar tributos conforme a competência de cada um. Até esse momento, os tributos eram cobrados apenas sobre os bens de consumo e, em alguns casos, sobre a propriedade.

Palácio Conde dos Arcos, em 1889. Créditos: Wikimedia Commons

Nessa época as mudanças tributárias foram oficializadas por meio de mudanças na Constituição existente ou com a criação de novas Constituições. Podemos destacar as seguintes modificações: 

Estabeleceu o imposto geral sobre a renda, e proibiu a bi-tributação (cobrança repetida de um mesmo tributo sobre um mesmo valor, riqueza ou uma mesma situação que gerasse cobrança) e definiu as competências de cobrança entre União, Estados e Municípios. 

Definiu que parte do valor arrecadado pelo Estado deveria ser distribuído aos Municípios e estabeleceu que a União seria responsável pela tributação de instalações e serviços elétricos.

Possibilitou a cobrança de tributos extraordinários, para além daqueles definidos na Constituição em situações específicas. Acrescentou o princípio de capacidade contributiva, isto é, definiu como regra a necessidade de a União, Estados e Município considerarem quanto cada cidadão pode contribuir para uma cobrança mais justa de tributos e instituiu o princípio da anualidade, no qual as rendas e despesas eram avaliadas com a frequência anual. 

A tributação durante a Ditadura Militar

Entre 1964 e 1985, período da Ditadura Militar, houve o “milagre econômico”, gerado pelo crescimento acelerado, ampliação de crédito ao consumidor, que aumentou o endividamento, e a abertura da economia ao mercado externo. Devido a isso, houve a entrada de capital estrangeiro, pois a mão de obra nacional possuía baixo custo. 

Apesar desse aparente crescimento econômico, gerado pelo aumento de crédito e abertura para o mercado externo, não houve uma real melhoria social, já que não houve uma distribuição de renda que favorecesse as camadas mais pobres da população.

A principal mudança do sistema tributário no período foi a criação dos tributos diretos e indiretos. Os tributos diretos são aqueles que são cobrados diretamente do cidadão, como aqueles cobrados sobre a renda. Já os indiretos são cobrados no preço final das mercadorias e serviços consumidos pelos cidadãos.

A tributação a partir da Constituição Federal de 1988

Após o fim da ditadura, o contexto era de grave crise econômica, social e política. Nesse período, houve a criação de uma nova moeda, o Cruzado, para tentar equilibrar os aspectos econômicos.

No cenário político, buscava-se a criação de uma constituição cidadã para garantir a democracia do país. Então, em 1988, uma nova Constituição foi criada, a qual instituiu e regulamentou o sistema tributário que utilizamos atualmente. 

05 de outubro de 1988, dia que nasce a atual constituição cidadã e o país sai do regime militar. Créditos: Agência Senado

Entre seus objetivos principais, podemos destacar a redução de desigualdades sociais e regionais definidas pelo seu artigo 3°. Para isso, algumas mudanças foram feitas em relação aos tributos diretos e indiretos.

Em relação aos tributos diretos, o imposto sobre a renda foi ajustado para que o valor do imposto aumentasse conforme a renda, mantendo uma faixa de isenção (Pessoas com renda abaixo de um determinado valor não seriam tributadas). O percentual do tributo varia entre 7,5% e 27,5%.

Os tributos indiretos, aqueles cobrados sobre o que consumimos, sendo, portanto, mais difíceis de se ajustar conforme a capacidade de contribuição de cada cidadão, pois são cobrados da mesma forma independentemente de quem for o cidadão que irá adquirir determinado produto ou serviço e independentemente de qual for a renda deste cidadão.

Para tentar diminuir essa problemática, a Constituição de 1988 definiu que os bens de consumo considerados não essenciais (aqueles que não são necessários para manutenção da vida e dignidade humana, como os produtos de beleza) devem sofrer uma tributação maior, já que  o consumo desses bens seria feito por pessoas com maior capacidade contributiva (maior renda e patrimônio).

Além disso, a competência de criação e cobrança de tributos foi dividida entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, dando autonomia para cada um deles dentro de suas competências. 

Se compararmos a Constituição de 1988 com as anteriores, é evidente que ela se preocupou mais com a diminuição de desigualdade e com a maneira como os tributos impactam a sociedade. Porém, mesmo com essas mudanças, que de fato foram positivas sob a perspectiva de redução de desigualdades, o sistema tributário brasileiro ainda cobra mais daqueles cidadãos que possuem uma menor renda, já que a tributação ocorre principalmente de forma indireta, isto é, sobre o consumo de bens e serviços. 

Veja todo o conteúdo desse eixo de forma resumida em nosso infográfico: Tributação e desigualdade: como isso acontece no Brasil?

Conclusão 

Podemos perceber que as mudanças tributárias estão relacionadas com a organização do país e se modificam conforme os objetivos e necessidades do Estado.  

No Brasil, a tributação tinha, inicialmente, o objetivo de enriquecer a coroa portuguesa e, assim, prejudicava as pessoas que viviam no país devido ao alto custo dos tributos e à cobrança que, muitas vezes, era repetida. Com a Independência, a tributação passou a ser organizada para beneficiar o próprio país e não mais Portugal. 

Após a independência da coroa portuguesa, o país passou por diversas mudanças políticas e socioeconômicas, como períodos de ditadura, e também teve sete diferentes Constituições desde o período do Império. 

Se analisarmos esses marcos da tributação brasileira, podemos perceber que houve mudanças positivas, que beneficiam os cidadãos – imagine antes quando um tributo poderia ser cobrado duas vezes e não houvesse nada que pudesse impedir essa prática? 

Entretanto, apesar dessas mudanças, as quais são, em sua maioria, feitas pela Constituição Federal de 1988 (a chamada “Constituição Cidadã”), o país ainda tem um sistema tributário que contribui para a desigualdade, porque é um sistema que concentra a tributação sobre o consumo de bens e serviços, ao invés de focar na tributação sobre renda e patrimônio. Isso também é um resultado de toda a história, já que, desde seu início, no período colonial, a tributação focava no enriquecimento da coroa e dos mais ricos. 

Todas essas mudanças que ocorreram ao longo do tempo resultaram na maneira como a criação, a cobrança, a fiscalização e a distribuição dos tributos é feita atualmente. O conjunto da Constituição, leis, normas e decretos que definem essas ações é chamado de sistema tributário nacional. Vamos falar sobre ele no próximo post, será que a escolha do sistema tributário de um país pode auxiliar no combate à desigualdade? Para saber mais sobre isso, siga acompanhando o projeto!

→ Neste vídeo, apresentamos de forma simples e didática quais tributos existem no Brasil, como funciona o sistema tributário nacional e qual a sua relação com a desigualdade social. Clique no vídeo para começar:

  • Esse conteúdo foi publicado em 04/04/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para encontrar mais informações e atualizações sobre o assunto, acesse a página do projeto.

Autores:

  • Bianca Sampaio de Oliveira
  • Lanna Garcês Castro
  • Laryssa Gonçalves Brum
  • Leonardo Linck Squillace
  • Luiza Linardi Guanabara
  • Mariana Mativi
  • Pâmela Larissa Miguel Gottardini
  • Pamela Vieira de Souza
  • Paola dos Santos Flávio
  • Rafaela Cury Silveira 

Fontes:

1 – Instituto Mattos Filho;

2 – A evolução das obrigações tributárias nas constituições brasileiras e os reflexos no atual regime tributário de energia elétrica (IDP, Monografia, Fernanda Montelfone Barros)

3 – Evolução histórica da tributação no Brasil e algumas sugestões para a reforma tributária (Dissertação, PUC, Luiz Carlos Ferreira

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