Qual a história dos direitos dos idosos?

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Qual a história dos direitos dos idosos?
12 abr 2022
12 / abr / 2022

Qual a história dos direitos dos idosos?

A senioridade é muitas vezes interpretada socialmente de forma diversificada e oposta, como, por exemplo, um sinônimo de experiência, sabedoria e prestígio, e, ao mesmo tempo, pode ser entendida como uma fonte de problemas e dificuldades. 

Essas interpretações não são novas. Na verdade, o conceito de velhice na sociedade humana foi passando por transformações ao longo do tempo, sendo que em determinados períodos, a discriminação com a pessoa idosa e a falta de proteção a esse grupo era uma realidade. Isso significa que a conquista dos direitos dos idosos e o reconhecimento da sua vulnerabilidade são avanços sociais recentes.

Isso porque a falta de vontade política e a concepção social histórica de que o envelhecimento pode ser um processo negativo resultaram na negligência do tratamento adequado aos idosos. Assim, para compreender esse processo histórico, neste texto do Equidade vamos falar sobre a história dos direitos dos idosos.

O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, a Civicus e o Instituto Mattos Filho voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado(a) para entender qual a história dos direitos dos idosos? Segue com a gente!

Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:

Como a pessoa idosa era vista no passado?

Por se tratar de um fenômeno natural, o envelhecimento está presente na humanidade durante toda a sua história. E para entendermos sobre a conquista dos direitos dos idosos, é importante termos noção sobre como a população idosa era tratada em diferentes tempos e comunidades.

Ressalta-se que a forma como a senioridade era vista socialmente e economicamente variava dependendo do contexto cultural, político e social da civilização ou sociedade em questão. Em certas sociedades antigas, por exemplo, o papel da pessoa idosa era enaltecido e valorizado por ser considerado uma fonte de sabedoria.

Como aponta Maria Helena Concone (2005), doutora em Ciências Humanas, diversos textos etnográficos (textos em que o pesquisador relata a realidade de uma comunidade por vivenciá-la) de sociedades antigas expressam a valorização da pessoa idosa como um repositório de conhecimento e um detentor de tradições.

Um exemplo nesse sentido é a China antiga, em que filósofos como Lao Tsé (604-531 a.C) e Confúcio (551 – 479 a.C), conceituaram a velhice como um momento especial e extremamente importante da vida humana.

Para Lao-Tsé, o ser humano ao chegar em sua idade avançada estaria próximo de libertar-se do corpo material e alcançar a sua transcendência espiritual. Dessa forma, os idosos deveriam ser tratados com máximo respeito por todos, sendo vistos como uma autoridade na qual se devia obediência.

Conforme a filósofa Simone de Beauvoir (2018), em civilizações clássicas ocidentais, como na Grécia Antiga, a visão sobre a senioridade era ambígua, sendo considerada por alguns como negativa e por outros como positiva. 

Isso significa que o preconceito contra a senescência (processo de envelhecer) e a concepção de que era algo não desejável estavam presentes na sociedade grega, berço da civilização ocidental. Assim, a juventude e o vigor físico constituíam o estereótipo de  padrão de beleza da época, sendo assim cultuados como de maior valor social.

A discriminação histórica contra a pessoa idosa

Com o passar do tempo, a concepção negativa em relação aos idosos, especialmente nos países ocidentais, foi ganhando novas proporções. Isso ocorreu principalmente após a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, que acentuou a desvalorização da pessoa idosa.

Essa desvalorização se deu devido à prioridade dada à capacidade de produção de bens materiais, em que a mão de obra jovem passou a ganhar destaque, visto que os trabalhos realizados eram majoritariamente manuais e exigiam esforços físicos.

Assim, como aponta Maria Teixeira Thomé (2019), mestra em Direito, a partir desse período, os idosos passaram a sofrer com a precarização das suas condições de vida em razão de serem considerados como “improdutivos” economicamente.

Imagem duas mãos, uma em cima da outra, de duas pessoas idosas, representando a história dos direitos dos idosos

Como consequência, o modelo capitalista econômico de produção relegou à população idosa uma certa ausência de participação social, em que a senioridade era vista como uma etapa decadente e débil da vida.

Com isso, a marginalização e a discriminação contra a pessoa idosa cresceu, fazendo-a perder espaços na vida social. Dessa forma, a concepção social em relação a essa população começou a mudar somente a partir da segunda metade do século XX, em que mecanismos de proteção a esse grupo começam a ser construídos, entre eles, os direitos dos idosos. 

A conquista dos direitos dos idosos

A discriminação e a visão de que a velhice representava um problema social provocaram a necessidade de garantir condições dignas de vida para os idosos. Assim, o primeiro documento a prever, ainda que de forma ampla, o amparo à senioridade foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, que em seu artigo 25º expressa:

“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”

Contudo, mesmo com esse reconhecimento em relação aos direitos humanos, os idosos continuaram sem direitos específicos e próprios que lidassem diretamente com as suas particularidades. 

Diante dessa lacuna, em 1973, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) chamou a atenção dos Estados para a necessidade de proteção dos direitos e do bem-estar dos idosos. 

O alerta foi realizado por meio da Resolução n° 3137: Questão das pessoas de idade e dos anciões que, entre outras medidas, incentivou a criação de políticas públicas específicas para enfrentar a questão em âmbito local, ou seja, dentro das nações.

Com isso, na década seguinte, em 1982, foi realizada a I Conferência Internacional sobre Envelhecimento, que resultou na elaboração do Plano Internacional de Ação de Viena sobre Envelhecimento. O plano é considerado o primeiro documento internacional específico sobre os direitos dos idosos.

  Nele, é reforçado que os direitos fundamentais e inalienáveis garantidos na DUDH são aplicáveis à população idosa, trazendo um total de 62 recomendações de ações para serem executadas pelos países que adotaram o plano.                       

A evolução dos direitos dos idosos

Mesmo com esse reconhecimento internacional dos idosos como um grupo vulnerável que precisa de suporte excepcional, era visto como essencial que os direitos dos idosos fossem aprimorados no que se refere às suas garantias.

Isso porque, como comentado, o plano aprovado em Viena trazia somente recomendações de ações a serem efetivadas pelas nações. Assim, no ano de 1990 a ONU em sua Assembleia Geral concluiu que um marco legal para a proteção e promoção dos direitos dos idosos precisava ser estabelecido.

Dessa forma, em 1991 foi instituída a Carta de Princípios para Pessoas Idosas que tem como base quatro segmentos para a valorização da pessoa idosa: independência, participação, cuidados e dignidade (vamos discorrer sobre eles no nosso próximo texto).

Já no século XXI, visando atualizar a adaptar o plano de ação determinado na década de 80 para a nova realidade do mundo, especialmente em relação ao envelhecimento da população, foi realizada em Madrid, no ano de 2002, a II Conferência Internacional sobre Envelhecimento.

A conferência resultou na aprovação de um novo Plano de Ação Internacional de Madrid sobre Envelhecimento, também denominado de Plano de Madrid, com um enfoque no direito de envelhecer como expressão dos direitos fundamentais.

O plano foi desenvolvido por 156 países e possui como objetivo principal promover e garantir que idosos do mundo todo tenham a capacidade de viver e agir com segurança e dignidade.

Além disso, diante das discussões sobre o tema na esfera internacional, a proteção dos direitos dos idosos começou a ganhar protagonismo regional. Os países do continente latino americano e o Caribe, por exemplo, participaram de diversas conferências para discutir a questão entre os Estados envolvidos. 

O mais recente resultado dessas discussões foi a aprovação em 2015 da Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas. Mas veremos melhor as suas garantias no nosso próximo texto.

Por enquanto, no infográfico a seguir é possível ver a evolução dos direitos dos idosos ao longo do tempo:

Infográfico sobre a linha do tempo da história dos direitos dos idosos

Conclusão

Historicamente, especialmente nas sociedades ocidentais, a trajetória da pessoa idosa foi marcada pela sua exclusão social e, por muito tempo, pela ausência de garantia de direitos. Como vimos, as mais significativas conquistas aconteceram apenas a partir da segunda metade do século XX, quando houve o reconhecimento de que é preciso amparar e proteger essa população vulnerável.

Assim, esse reconhecimento tardio demonstra que os cuidados e os esforços direcionados para a manutenção da vida saudável da população idosa era (e muitas vezes ainda é) encarada como um gasto improdutivo, e não como um investimento na vida humana.

Nesse sentido, a conquista dos direitos dos idosos representa um avanço no combate a essa exclusão, em que o Estado e a sociedade passam a ter a responsabilidade de garantir a dignidade dos idosos.

A ONU e as organizações internacionais tiveram e têm um importante papel nisso, estabelecendo diretrizes e construindo instrumentos internacionais que impactam na concepção social em relação à população idosa. 

Sendo assim, pela relevância do sistema internacional para os direitos dos idosos, no próximo texto do Equidade vamos abordar sobre como os idosos são protegidos internacionalmente. Não deixe de conferir!

Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos dos Idosos“, confere o vídeo abaixo!

Autores:

Andreza Ometto Coury
Anne Costa Bittencourt Andrade
Eduardo de Rê
Gabriela Gomide Runha
Maria Augusta Micheletti Thiago
Paula Calheiros da Costa

Fontes:

1- Instituto Mattos Filho;

2- BEAUVOIR, Simone. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Martins. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

3-  Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), 1948.

4- DORON, Israel et al. International Protection for The Human Rights of Older People: History and Future Prospects. In: BROWNELL, Patrícia; KELLY, James (ed). Ageism and Mistreatment of Older Workers. Springer Science+Business Media, Dordrecht, 2013.

5- SOBRINHO, Marcelo; OSÓRIO, Neila. A interpretação da velhice da antiguidade até o século XXI. Nova Revista Amazônica, vol. IX, nº 1, p. 175-187, 2021.

6- THOMÉ, Mariana. O idoso na sociedade contemporânea. Brazil Journal of Development, Curitiba., vol. 5, nº 8, p. 11440-11453, 2019.

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