O garimpo ilegal tem se tornado um dos maiores desafios ambientais, sociais e econômicos do Brasil, especialmente na região da Amazônia. Embora a prática da mineração artesanal exista no país desde o século XVIII, sua expansão descontrolada nas últimas décadas tem provocado desmatamento, contaminação dos rios com mercúrio, conflitos com povos indígenas e o fortalecimento do crime organizado.
Neste texto, vamos entender o que é o garimpo ilegal, como ele funciona, quais são seus impactos e o que está sendo feito para combater essa atividade que ameaça a floresta e suas populações tradicionais. Acompanhe a leitura.
Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.
O projeto é realizado pela Politize!, em parceria com o Pulitzer Center.
Quando o garimpo teve início no Brasil?
Desde o século XVIII, com a corrida pelo ouro em Minas Gerais, o garimpo fez parte da formação econômica e social do país. Ao longo dos séculos, a prática migrou para outras regiões, principalmente para o interior da Amazônia, onde a descoberta de novas jazidas atraiu milhares de trabalhadores em busca de riqueza rápida.
Veja também: Garimpo ilegal: qual a situação brasileira?
Durante o século XX, o garimpo ganhou força especialmente a partir da década de 1980, com grandes corridas do ouro em áreas remotas como Serra Pelada, no Pará.
Foi nesse período que o modelo de garimpo artesanal, improvisado e por vezes desordenado, consolidou-se como uma alternativa econômica para populações marginalizadas.
No entanto, com o passar do tempo, essa atividade passou a operar com cada vez menos controle, dando origem ao garimpo ilegal.
O que é garimpo ilegal?
O garimpo ilegal acontece quando essa atividade é realizada sem autorização do Estado, ou seja, sem licenciamento ambiental, sem registro junto aos órgãos competentes e sem respeito às leis trabalhistas e ambientais.
O garimpo é a atividade de extração mineral realizada de forma artesanal ou em pequena escala. Em geral, garimpeiros buscam metais valiosos como ouro, cassiterita e diamantes.
O pesquisador Philip Martin Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, observa que a distinção entre o garimpo artesanal e a mineração industrial está cada vez mais nebulosa, já que muitas operações na Amazônia hoje utilizam maquinário pesado e infraestrutura complexa, sendo coordenadas por grandes empresários.
Enquanto o garimpo legal é regulamentado, o ilegal opera à margem da lei, muitas vezes em áreas protegidas.
Segundo a analista de conservação Deborah Goldemberg, do WWF-Brasil, a proximidade entre áreas legais e ilegais é um desafio para a fiscalização, pois a alta rentabilidade e a baixa probabilidade de punição incentivam a expansão irregular, criando um mosaico complexo de atividades no território.
Por que o garimpo ilegal é um problema?
O garimpo ilegal é um problema principalmente porque o desmatamento e a poluição são efeitos diretos dessa prática. Entre 2023 e 2024, a atividade destruiu mais de 4.200 hectares de floresta em Terras Indígenas na Amazônia, segundo o Greenpeace.
Entenda: Demarcação de Terras Indígenas
A devastação avança sobre áreas de altíssimo valor ecológico, como o Vale do Jari, na fronteira entre Pará e Amapá, ameaçando um santuário de árvores gigantes, incluindo o maior angelim-vermelho já registrado na Amazônia.
Para extrair ouro, por exemplo, é comum o uso de mercúrio, uma substância altamente tóxica que contamina rios, peixes e pessoas.
O acesso a essa substância, cujo uso é controlado, ocorre muitas vezes por meio de contrabando e de um esquema de “crédito de mercúrio”, onde empresas importam legalmente o produto, mas o desviam para o mercado ilegal.
Uma vez lançado nos rios, o mercúrio entra na cadeia alimentar, acumulando-se nos peixes que são consumidos pelas populações ribeirinhas e indígenas, causando graves problemas neurológicos e de desenvolvimento.
Essa contaminação já afeta diretamente a saúde de comunidades como a do povo Munduruku, no Pará, onde a poluição dos rios pelo mercúrio tem sido associada a transtornos de desenvolvimento em crianças e ao desaparecimento de peixes, que são a base de sua alimentação.
Além disso, a degradação ambiental causada pelo garimpo, ao secar a vegetação e o solo, cria condições propícias para a ocorrência de incêndios florestais, agravando ainda mais a destruição do ecossistema.
A violência e os conflitos também fazem parte desse cenário. A presença de garimpeiros ilegais em terras indígenas tem gerado confrontos, ameaçado comunidades e até financiado organizações criminosas.
Investigações da Polícia Federal mostram que o garimpo ilegal se tornou uma ferramenta para lavar dinheiro do tráfico de drogas, com traficantes e garimpeiros compartilhando rotas, aeronaves e pilotos.
Além disso, a atividade ilegal por vezes conta com o apoio velado de figuras políticas, como no caso de um avião pertencente a um senador que foi visto operando em um garimpo ilegal na Terra Yanomami.
Em contraponto, líderes garimpeiros e seus representantes políticos buscam dissociar a imagem do garimpeiro da criminalidade, defendendo-o como um trabalhador e propondo saídas negociadas que evitem a repressão.
As condições de trabalho frequentemente precárias, com alta incidência de doenças e baixa expectativa de vida, conforme apontou um estudo com 389 trabalhadores (2022-2024), revelam a vulnerabilidade explorada para atrair mão de obra, incluindo jovens indígenas, para um ambiente de alto risco.
Somado a isso, a evasão de recursos é outro problema, pois a atividade não gera impostos ou contribuições formais para o desenvolvimento local. Parte do ouro extraído ilegalmente entra no mercado por meio de fraudes, utilizando Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) e, por vezes, licenças de cooperativas que servem como fachada para legalizar o minério de origem ilícita.
Os buracos e poças de água parada deixados pela mineração também se tornam criadouros ideais para o mosquito transmissor da malária, contribuindo para surtos da doença nas regiões afetadas.
Philip Martin Fearnside alerta que investigações recentes revelaram que muitas licenças concedidas a cooperativas de garimpeiros são, na verdade, fachadas para “esquentar” o ouro extraído ilegalmente de terras indígenas.
Qual é a situação atual do garimpo ilegal no Brasil?
O garimpo ilegal cresceu significativamente na última década, especialmente na Amazônia Legal.
O geólogo César Diniz, do MapBiomas, aponta que a explosão da atividade está diretamente ligada à forte alta no preço do ouro no mercado internacional desde 2009, um incentivo financeiro potencializado pela fragilidade dos mecanismos de controle no Brasil.
Dados de satélite mostram que as áreas garimpadas aumentaram mais de 300% entre 2010 e 2022, com destaque para estados como Pará, Roraima e Amazonas.
Um levantamento histórico aponta que a área ocupada pelo garimpo em terras indígenas na Amazônia cresceu 1.217% em 35 anos, saltando de 4,7 mil hectares em 1985 para 62,1 mil hectares em 2020.
O território Yanomami, por exemplo, tem sido palco de uma emergência sanitária, enquanto a Terra Indígena Kayapó, uma das mais devastadas, enfrenta o cerco de crateras a aldeias e a complexa dinâmica de taxas cobradas pela passagem de maquinário.
Em 2024, operações federais reduziram em 95,8% as novas áreas de garimpo e em 91% o garimpo ativo na região Yanomami, além de diminuírem em 68% as mortes por desnutrição entre a população local, segundo dados do Ibama.

No mesmo ano, o conjunto de operações do governo na TI Yanomami impôs um prejuízo de mais de R$ 267 milhões ao crime organizado, com a destruição de centenas de aeronaves, balsas e outros equipamentos.
As respostas ao avanço do garimpo envolvem múltiplos atores e estratégias. Governos, em âmbitos federal e estadual, atuam por meio de órgãos como Ibama, Polícia Federal e Funai em operações de fiscalização, muitas vezes com o apoio da sociedade civil.
A cooperação internacional, exemplificada pelo acordo entre Brasil e França, complementa os esforços para desarticular as redes que sustentam a atividade ilegal.
Qual a relação do garimpo ilegal com a Amazônia?
A Amazônia é o palco central do garimpo ilegal no Brasil, onde se concentram 93,7% de toda a atividade, de acordo com o MapBiomas. Essa intensa exploração não respeita fronteiras legais, e suas consequências se manifestam por todo o território.
Em 2021, quase metade da área de garimpo no país estava sobreposta a diferentes tipos de áreas protegidas, desde unidades de conservação (40,7%) até terras indígenas de diversos povos (9,3%).
Essa invasão generalizada representa uma ameaça direta tanto para a biodiversidade dos ecossistemas amazônicos quanto para a sobrevivência e cultura das múltiplas populações que habitam a região.
Quer entender mais sobre biodiversidade? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Como conservar a biodiversidade por meio do ODS 15?
Entre 2010 e 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro dessas terras cresceu 495%. As mais afetadas são as TIs Kayapó (com 7.602 hectares de garimpo), Munduruku (1.592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima.
Além do impacto direto na floresta, a atividade ilegal afeta as cidades amazônicas, gerando um ciclo de criminalidade, pressão sobre serviços públicos e contaminação de rios que abastecem centros urbanos.
A legislação brasileira e o combate ao garimpo ilegal
O combate ao garimpo ilegal no Brasil passa por um complexo cenário jurídico e político, marcado por leis consideradas frágeis, por recentes avanços para endurecer as punições e pela forte influência de grupos de interesse.
A influência política e a “bancada do garimpo”
A pauta da mineração é defendida no Congresso Nacional por um grupo suprapartidário de deputados e senadores, conhecido como “bancada do garimpo”.
A plataforma dessa frente parlamentar inclui a revisão de marcos legais para permitir a exploração mineral em áreas atualmente protegidas, como terras indígenas. Seus defensores argumentam que tais medidas são necessárias para gerar empregos e integrar economicamente regiões remotas.
Contudo, as propostas são vistas com preocupação por diversos setores da sociedade, que alertam para o risco de retrocessos na legislação ambiental, o enfraquecimento dos órgãos de controle e os vastos danos socioambientais documentados associados à atividade.
Avanços na legislação e no judiciário
Em resposta ao cenário de destruição, o Poder Legislativo tem se movimentado. Propostas que visam aumentar as penas para toda a cadeia de crimes ligados ao garimpo ilegal — incluindo extração, transporte, venda e financiamento — avançam no Congresso Nacional.
O objetivo é responsabilizar não apenas o garimpeiro na ponta, mas também os grandes empresários e financiadores por trás das operações.

No âmbito do Poder Judiciário, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023 representou um marco. O Tribunal afastou a “presunção de boa-fé” no comércio de ouro, estabelecida pela Lei 12.844/2013, que permitia que compradores (especialmente as DTVMs) adquirissem o metal sem uma comprovação rigorosa de sua origem. Com a nova decisão, a responsabilidade de provar a legalidade do ouro passou a ser do vendedor, dificultando a lavagem do minério extraído ilegalmente.
O que podemos fazer?
O combate ao garimpo ilegal exige ações coordenadas entre governos, sociedade civil, comunidades tradicionais e o setor privado.
Entre as medidas urgentes propostas por especialistas estão a criação de um sistema de rastreabilidade do ouro, com o uso de notas fiscais eletrônicas e tecnologias como blockchain, para garantir o controle da origem do minério desde a extração até a venda.
A responsabilização das DTVMs e de outros compradores na cadeia de suprimentos também é fundamental para fechar as brechas que permitem a lavagem do ouro ilegal.
Mais do que fiscalização, é necessário investir em alternativas econômicas sustentáveis, fortalecer a presença do Estado na região e promover educação e consciência ambiental.
A chamada bioeconomia, baseada em produtos da floresta como açaí, castanha-do-pará e cacau, apresenta-se como uma alternativa viável, capaz de gerar renda para as comunidades locais de forma sustentável e com maior valor agregado que a atividade garimpeira.
Na visão de César Diniz, o Brasil já possui o conhecimento técnico para detectar, combater e dificultar o financiamento e as redes comerciais do garimpo ilegal, de forma similar ao que foi feito com o desmatamento.
E aí, ficou alguma dúvida sobre a situação atual do garimpo ilegal no Brasil? Deixe nos comentários!
Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!
Referências
- Agência Brasil – Amazônia: garimpo ilegal em terras indígenas subiu 1.217% em 35 anos
- Agência Brasil – Leis frágeis ajudam expansão de garimpo ilegal na Amazônia, diz dossiê
- Agência Brasil / UOL – Estudo mapeia impactos do garimpo ilegal sobre trabalhadores cooptados
- BBC Brasil – Garimpo na Amazônia
- Câmara dos Deputados – Governo aponta redução de 92% de novas áreas de garimpo na Terra Indígena Yanomami
- Carta Capital – Bancada do garimpo
- El País – A falta de investigações dificulta o combate ao crime e à lavagem de ouro na Amazônia
- G1 – Como o avanço do garimpo ilegal devasta a Amazônia e agora ameaça santuário de árvores gigantes
- Governo Federal – FUNAI. Com mais de 3 mil operações em 2024, governo federal impõe prejuízo de R$ 267 milhões ao garimpo na Terra Indígena Yanomami
- Governo Federal – IBAMA. Dois anos de ações federais na Terra Yanomami: garimpo ilegal despenca e mortes por desnutrição caem 68%
- Greenpeace Brasil – Garimpo destruiu área equivalente a 6 mil campos de futebol na Amazônia
- Greenpeace Brasil – Ouro tóxico: Greenpeace mostra deslocamento do garimpo ilegal e falhas no comércio global do ouro
- Jornal do Brasil – Estudo mapeia impactos do garimpo ilegal sobre trabalhadores cooptados
- Jornal da USP – Garimpo ilegal não diminui e afeta drasticamente ecossistema amazônico
- O Eco – Defensor do garimpo: José Priante assume comissão de Meio Ambiente da Câmara
- O Globo – ‘Vão sair pacificamente da Terra Yanomami; a índole garimpeira não é má’, diz minerador e líder sindical
- Pulitzer Center – Garimpo rouba roça, água e saúde dos Mundurukus e governo Lula protela retirada de invasores
- Pulitzer Center – Mineração ilegal contribui para surto de malária em terras indígenas no Pará
- Pulitzer Center – Nas terras Yanomami, jovens indígenas estão deixando suas aldeias para trabalhar no garimpo
- Pulitzer Center – Terra indígena com mais garimpos no Brasil tem cerco de crateras, aldeias conivência e taxa
- Pulitzer Center – Tráfico e garimpo ilegal compartilham aviões e pilotos para lavar dinheiro na Amazônia
- Repórter Brasil – Garimpo Ilegal Zero: nove medidas urgentes para acabar com o crime
- Senado Federal – Aumento de penas para crimes ligados ao garimpo ilegal passa na CMA
- Senado Federal – Comissão ouve representantes do garimpo em território Yanomami
- Senado Federal – Para combater garimpo ilegal de ouro, CMA aprova regras para rastrear minério
- STF Notícias – Meio Ambiente: STF afasta presunção de legalidade no comércio de ouro
- UFMG – Ouro que dá em árvore
- Veja – O deputado da bancada do garimpo que pode comandar Belém na COP30