Quando a pauta é urbanização e meio ambiente, o descarte do lixo se torna um dos principais desafios deste século para as cidades brasileiras.
Em 2023, 78,6% de todos os resíduos sólidos urbanos foram destinados para espaços de aterros sanitários, aterros controlados e lixões, de acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil.
Mas será que tudo que vai para o descarte possui o destino final adequado e ambientalmente responsável? Até mesmo a alternativa ‘mais limpa’ modificará a paisagem, da flora ao relevo e às demais espécies que dela dependem, como a humana.
Neste texto, serão discutidas as características que definem um aterro sanitário, aterro controlado e um lixão, além das principais diferenças entre cada forma de disposição, que vão da infraestrutura à pegada ecológica deixada na natureza. Avance na leitura!
Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.
O projeto é realizado pela Politize!, em parceria com o Pulitzer Center.
- Montanhas enterradas? Entenda que é o aterro sanitário
- Pode existir meio termo no descarte do lixo? O aterro controlado
- Quando se fala em descarte de lixo, mesmo proibidos, os lixões persistem
- Então, qual seria o melhor tipo de descarte de lixo?
- O que ainda pode estar por vir na gestão de resíduos no Brasil?
- Como o metano passa de gás estufa para combustível verde?
- Existe outro modo de contribuir para além dos aterros?
- Referências
Montanhas enterradas? Entenda que é o aterro sanitário
Estando no formato de valas profundas ou muito acima da altura de nossas cabeças, os aterros sanitários são áreas em que o solo é preparado com antecedência, seguindo critérios técnicos.
O diferencial desse método está no controle rigoroso do descarte de resíduos urbanos em áreas específicas — cobertas por camadas impermeáveis de pedras, plástico e argila —, com o objetivo de minimizar os impactos sobre a natureza.
Outra particularidade são as calhas, tubulações e células de captação dos líquidos e gases produzidos a partir da decomposição, essenciais para o bom funcionamento e prolongamento da vida útil dos aterros, que duram de 10 a 15 anos, em média.
Porém, todo cuidado é pouco na hora de construir um aterro sanitário. Dependendo da forma que o local for planejado, o que deveria servir de solução sustentável pode se transformar em uma bomba relógio de alto custo social e ambiental.
Sobre isso, Fernanda Dias, Lucas Balieiro e Marcelo Pedreiro interpretam que, apesar da maior segurança de descarte do lixo, os aterros também evidenciam desigualdades socioespaciais nas regiões brasileiras.
Os dados falam por si: em 2023, 38% de todo o lixo gerado no Norte do Brasil teve os aterros sanitários como destino final, enquanto na região Sudeste, o índice beirou os 70%, conforme panorama divulgado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA).

Atualmente, todo aterro precisa de uma licença ambiental antes de ser construído. Além disso, é de responsabilidade federal manter o diálogo ativo com populações que serão diretamente afetadas, como dita a Política Nacional de Resíduos Sólidos, ou PNRS.
Em contrapartida, nem sempre os diálogos entre Estado e população chegam a um consenso, ou são equilibrados. Há, ainda, outra visão dos aterros que, para os três autores, afetam “o cotidiano e a saúde mental das comunidades que vivem perto”.
A evidência é o caso dos habitantes dos bairros do Arsenal, Tribobó e Rio do Ouro, situados em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Nessas áreas, tapar o nariz não é suficiente para abafar os odores, ao mesmo tempo que, sem saída, as populações desenvolvem problemas respiratórios que vão da rinite à asma.
Os efeitos também se estendem à vida social de quem vive nas redondezas do aterro de Anaia Pequeno, ao ponto de reuniões ao ar livre entre amigos terem se tornado uma má ideia, seja pelo constrangimento ou pelas condições insalubres.
No mais, apesar da distância mínima de dois quilômetros que as instalações sanitárias devem manter de áreas habitadas, questões como as restrições no orçamento público, o desgaste estrutural com o tempo e a persistência do mau cheiro são impasses para a implementação efetiva desse método de descarte no Brasil.
Pode existir meio termo no descarte do lixo? O aterro controlado
Nos aterros controlados também há o monitoramento das condições do solo, embora os critérios logísticos de descarte e isolamento do chorume sejam menos rigorosos em comparação aos aterros sanitários.
Nessas áreas, um buraco é escavado no chão para que camadas de materiais como terra e argila possam ser colocadas sobre ele. Quando a área atinge a sua capacidade máxima, o buraco é tampado.
Antes de serem depositados, os resíduos passam por uma triagem de separação; porém, o controle líquido e gasoso é menos eficaz e a pegada ecológica é, consequentemente, maior.
Ainda assim, as estruturas de drenagem permitem que os aterros controlados funcionem como soluções intermediárias e vantajosas para a natureza na hora de minimizar o impacto imediato do que é jogado fora.
É esse o propósito do aterro controlado do município de Rondonópolis, no Mato Grosso, que foi liberado para reconstrução em abril. Ele já operava na região, mas foi fechado por autoridades ambientais devido à falta de licença, atualmente funcionando como um local viável de descarte para rejeitos de atividades de jardinagem e construção civil.
No local da instalação, os resíduos serão previamente avaliados antes de serem cobertos. A intenção municipal é desafogar o despejo inadequado de lixo em vias públicas e fomentar práticas urbanas sustentáveis, a partir da elaboração de relatórios e realização de vistorias regulares.
O presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA), Carlos Silva Filho, contra-argumenta dizendo que os aterros controlados são, na verdade, lixões maquiados que, se não forem tratados como algo provisório, poderão ter efeito contrário no meio ambiente.
Além do mais, reutilizar o lixo é tão importante na busca por soluções quanto dispor de novos espaços para o depósito final de resíduos.
Quando se fala em descarte de lixo, mesmo proibidos, os lixões persistem
Por lei, os vazadouros — também chamados de lixões — não têm o direito de existir no Brasil desde 2010, quando a Política Nacional de Resíduos Sólidos entrou em vigor.
Saiba mais: Lixão a céu aberto: o impacto dos resíduos sólidos no Brasil
A proibição se deve à ausência de qualquer tipo de estrutura que impermeabilize, trate ou impeça o que é decomposto de contaminar superfícies subterrâneas. Ou seja, uma vez em contato com o solo, a qualidade de vida e a diversidade da fauna também são afetadas, em cadeia.
Há, em contrapartida, o detalhe de que cerca de 74% de todos os lixões da região Norte do país funcionam a céu aberto, apontado pelo IBGE.

Isso faz dos lixões, entre as demais formas de descarte já citadas, a opção mais que mais degrada e agride diretamente a natureza. Para além da infiltração de chorume, os efeitos a longo prazo se estendem à piora da qualidade do ar em áreas de lixão, que impacta diretamente no bem estar das comunidades que vivem ao redor.
Esse é o caso do município de Marituba, próximo à cidade de Belém, capital do Pará. Apesar da distância dos lixões das áreas habitadas, os moradores são obrigados a lidar com os odores incessantes e a necessidade de deslocamento para ter acesso a água potável, dada a contaminação do lençol freático que abastece a região.
Assim, com o não isolamento de resíduos em áreas relativamente populosas e o tempo de vida indefinido dos lixões, o volume de descarte segue progredindo e ocupando loteamentos maiores, acabando por levar empreendimentos à falência, devido à desvalorização imobiliária.
Outro exemplo é o impacto do lixão a céu aberto na rotina da população indígena de São Gabriel da Cachoeira, localizada no extremo norte do Amazonas. Lá, o mau cheiro e a presença de moscas oferecem riscos à saúde suficientes para que alguns alunos abandonassem seus estudos na escola municipal Boa Esperança, sendo a única da região.
Então, qual seria o melhor tipo de descarte de lixo?
Caso você tenha ficado confuso com o que foi conceituado até aqui, a tabela abaixo mostra as principais diferenças entre aterro sanitário, aterro controlado e lixão.

Ao se falar de meio ambiente, é unânime dizer que nenhuma interferência humana passa despercebida. Ainda que os três tipos de disposição impactem a natureza em intensidades diferentes, o aterro sanitário se consolida como o modo de descarte mais adequado e sustentável, e o lixão, como o mais descontrolado e insustentável a longo prazo.
No entanto, indo além de espaços de deposição, é preciso repensar a reciclagem, redução e reutilização efetiva de resíduos sólidos.
A problemática central dos aterros e lixões é que o país tenta pensar em um direcionamento para o lixo somente após a sua geração, quando, na verdade, o mais apropriado seria calcular estratégias de frear a sua produção massiva, em primeiro lugar.
Desafios e avanços na eliminação dos lixões
O Brasil originou uma quantia superior a 80 toneladas de resíduos sólidos urbanos no ano de 2023, sendo que mais de 30 milhões foram direto para o lixo, publicou a ABREMA.
A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) ainda divulgou que 7 a cada 10 municípios da porção nortense do país tinham o lixão como local de despejo predominante – mesmo com todas as suas implicações ambientais.
De um lado, a Política Nacional de Resíduos Sólidos estipulou — sem sucesso — 2024 como o prazo máximo para que os estados e municípios da federação inativassem os seus lixões por completo.
Dá uma olhada: Meio ambiente e os municípios: os principais desafios
Por outro, logística cara e fiscalização insuficiente se colocam como impasses na gestão do lixo urbano que não podem ser ignorados no planejamento de políticas públicas efetivas.
Luísa Santiago é diretora da Fundação Ellen MacArthur e trabalha desenvolvendo soluções que facilitem a adoção de uma lógica circular nas relações de trabalho.
Sobre o tema, ela aponta que é necessária uma mudança de mentalidade apoiado pelas autoridades que amplie as possibilidades de reinserir um objeto que seria jogado fora de volta no ciclo produtivo.
Porém, a infraestrutura insuficiente em cidades de médio e pequeno porte não torna essa possibilidade de reintegração economicamente atrativa. Assim, a ‘sensação de autonomia’ logo dá lugar à máscara do descaso na tentativa de acordar práticas mais sustentáveis entre cada prefeitura.
Veja também este vídeo da Politize!.
Mas enquanto houver tempo, ainda é possível virar o jogo no descarte de resíduos urbanos no Brasil; e, talvez, as soluções estejam mais próximas do que parecem.
Iniciativas voltadas para a reciclagem de materiais também podem ser consideradas rumo à uma tomada de atitude efetiva — tanto coletiva quanto individual. É esse o objetivo do Programa CataVida, criado em 2010 pela prefeitura da cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul.
A iniciativa ganhou vida a partir da colaboração municipal com a Cooperativa de Construção Civil e Limpeza Urbana do município de Campo Bom (RS), instituindo salários fixos para os catadores e estabelecendo condições de trabalho mais dignas para a classe, atravessada pela baixa formalização e invisibilidade social.
Mesmo com mais de 100 catadores cadastrados, o Programa tem o desafio da baixa adesão especial — ao contemplar um espaço pequeno em comparação ao tamanho da cidade — e social, já que 29% dos brasileiros não separa o lixo dos recicláveis, segundo o instituto Datafolha.
O que ainda pode estar por vir na gestão de resíduos no Brasil?
Em junho de 2024, começou a valer a primeira Estratégia Nacional de Economia Circular, simbolizando mais um passo dado em direção à integração de táticas rentáveis e sustentáveis no modelo de produção atual.
A lei se baseia na recuperação ao invés da geração de materiais, com o objetivo de reduzir a pegada ambiental. Apesar disso, questões voltadas para ações descentralizadas nas escalas municipais e estaduais e a falta de monitoramento dificultam a colaboração concreta com a estratégia.
Nessa ótica, a especialista em reciclagem Isabela Bonatto ainda considera que a ausência pública de debate diminui a aderência popular a práticas sustentáveis, ao mesmo tempo que encarece os custos de gestão e, principalmente, transporte de resíduos.
Por outro lado, iniciativas individuais e coletivas que se baseiam no reaproveitamento de resíduos têm redefinido o fluxo de descarte do lixo em todo o Brasil, influenciando até na criação de estímulos em nome de um potencial energético ainda inexplorado no país: estamos falando do biometano.
Como o metano passa de gás estufa para combustível verde?
O metano é um gás incolor e inflamável, sendo uma importante ferramenta das indústrias nacionais destinada à geração de energia. No quesito ambiental, ele é apontado como a ‘opção mais sustentável’ em comparação ao gás natural, que é mais degradante.
Fique por dentro: O que é Economia Verde? Entenda esse conceito e as críticas a ele!
Na corrida pela transição energética nacional, ficar para trás significa pagar um preço mais alto na conta social e ambiental. Mas há atrativos para quem deseja aderir ao biometano no estado de Alagoas.
O destaque para essa iniciativa se deve à ação do Centro de Tratamento de Resíduos do município de Pilar, próximo à grande Maceió, que têm beneficiado, em especial, na diminuição dos custos com luz para pequenos comerciantes e no bem estar das comunidades que vivem próximo.
Nesse sistema, a energia é gerada a partir da coleta do metano decomposto em regiões de aterro sanitário. Depois, ele é transportado até os motores responsáveis pelo funcionamento das usinas de tratamento. Como resultado, a ação da empresa Alagoas Ambiental gera uma quantia superior a oito milhões de Gigawatts por hora.
Existe outro modo de contribuir para além dos aterros?
A resposta é: sim, mas com a implementação de políticas públicas mais rigorosas e o incentivo a iniciativas de compostagem e reaproveitamento de materiais.
Uma publicação do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SINISA) mostrou que, em 2023, mais de 300 mil toneladas de resíduos tenham chegado até áreas de compostagem espalhadas pelo país.
Desse valor, mais ou menos 15 mil toneladas eram só de rejeitos – isopor e embalagens plásticas – que, por sua vez, não podem ser reaproveitados.
A compostagem é um tipo de descarte de resíduos orgânicos que simula as condições que são encontradas em solos saudáveis, transformando restos de matéria orgânica — cascas de ovos e frutas, por exemplo — em adubo.
Dos pátios de compostagem àquele balde ou pote de plástico inutilizado em casa, essa prática é colocada uma solução ainda mais verde e proativa ao despejo inadequado de resíduos urbanos na natureza.
Uma coisa é certa: entre aterros sanitários, aterros controlados e lixões, o foco deve ser a implementação de políticas que combinem viabilidade econômica com o cuidado ambiental que melhor se adequa a cada região.
Agora deu pra entender um pouco mais sobre a diferença entre cada um desses três métodos de descarte final? Se ficou com alguma dúvida, deixe nos comentários!
Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!