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Arábia Saudita: o que está acontecendo e qual é o impacto no mundo?

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Salman bin Abdulaziz Al Saud, rei da Arábia Saudita, e o príncipe Mohammad bin Salman. Fonte: REUTERS

Provavelmente você ouviu nos últimos dias alguma coisa sobre explosões na Arábia Saudita e a relação disso com petróleo, aumento de gasolina e instabilidade no Oriente Médio

Possivelmente, pensou “Vixe, eu nem sei direito onde fica a Arábia Saudita” ou achou que o tema era muito complexo para um humano normal entender, então deixou de lado e perguntou aos amigos. Talvez, inclusive, seus amigos também não tenham sabido direito te explicar e isso te deixou ainda mais perdido. 

Pois bem, hoje vamos tentar explicar, de forma condensada e simplificada o que realmente está acontecendo na Arábia Saudita, o caos que isso criou nas relações diplomáticas regionais e internacionais, e o que isso tem a ver com o aumento no preço da gasolina.

Começando pela geografia: onde fica a Arábia Saudita e qual sua importância regional?

O Reino da Arábia Saudita é  atualmente o maior país do mundo árabe e do Oriente Médio.  Vale lembrar que existe uma grande diferença entre dizer Árabe, Muçulmano, Islâmico e Oriente Médio. Árabe é muito mais uma questão étnica e linguística; muçulmanos são os indivíduos que seguem o Islamismo; islâmicos são os países que tem o Islã como parte  estrutural de sua identidade nacional; e Oriente Médio é uma região geopolítica conceitual que pode abranger do Marrocos ao Paquistão ou apenas a parte mais central, com a Península Arábia e seu entorno direto.

Arábia Saudita

A Arábia Saudita faz fronteira com todos os países da Península Arábica, além de Jordânia e Iraque, e o Mar Vermelho; o que facilita ainda mais seu poder de influência na região e com o exterior. O Estado foi fundado oficialmente em 1932 pela família Saud – por isso o nome –, ainda que vários povos tenham habitado aquele espaço sem o mesmo reconhecimento, como os Beduínos, alguns de Impérios árabes e diversas civilizações autônomas.

Desde seu estabelecimento, o país ficou conhecido como líder na balança de poder regional (conhecido como hegemon regional) por uma série de fatores, destacando-se: 

  • seu alinhamento com o Ocidente, em especial com os Estados Unidos (o que lhe garantiu desde sempre apoio político, econômico e militar); 
  • sua economia fortemente baseada no rico petróleo de seu território (commodity responsável por praticamente toda a exportação do país, e que foi descoberta em enormes quantidades logo cedo na história saudita); 
  • estabilidade política (com um monarca hereditário soberano e pouco espaço para dissidências e instabilidades internas); 
  • e seu papel como um dos maiores expoentes do Islamismo (com, inclusive, sua própria ramificação, o Wahabismo) desde seu surgimento.

Qual o papel da Arábia Saudita na política internacional hoje?

Além de manter excelentes relações com os Estados Unidos e o Ocidente, a Arábia Saudita tem como aliados regionais no Oriente Médio os governos do Egito, dos Emirados Árabes Unidos, do Bahrein, da Líbia (em Trobuque) e da Jordânia, além da oposição do governo sírio, do bloco sunita libanês e do governo iemenita exilado pelos Houthis, dentre outros. 

Assim, boa parte do Oriente Médio vê a Arábia Saudita como líder do mundo árabe e do islamismo (especialmente após o papel que teve durante a Primavera Árabe, apoiando esses atores). Sua ativa presença na Liga Árabe como um dos membros fundadores também contribui para sua forte influência regional.

Em termos extrarregionais, a Arábia Saudita se destaca especialmente na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), como um de seus criadores e detentor da segunda maior reserva de petróleo cru mundial (266,26 bilhões de barris, em 2017 – 21,9% das reservas da OPEP, segundo dados do grupo publicados em 2018).

O novo príncipe e a relação com os Estados Unidos

Cabe também destacar que em 2017, o atual rei Salman apontou seu filho, Mohammed Bin Salman como Príncipe Herdeiro ao trono saudita, tornando-o o próximo na linha sucessória da monarquia. Bin Salman também atua como vice-Primeiro Ministro e mantém as funções de Ministro da Defesa (cargo que ocupava antes da coroa), chefe da Corte Real da Casa de Saud e presidente do Conselho de Assuntos Econômicos e de Desenvolvimento. 

O jovem de 31 anos passou a ter reputação de “reformista”, em especial após uma série de decretos modernizadores, como a suspensão da proibição às mulheres sauditas dirigirem, a reintrodução do entretenimento público (cinemas e teatros) e a repressão do poder da impopular política religiosa. O príncipe herdeiro também carrega à frente a Visão 2030, um plano para diversificar a economia saudita baseada apenas no petróleo, a construção de uma megacidade de alta tecnologia no deserto, e o reestabelecimento do Estado enquanto líder hegemônico de todo o Oriente Médio.

A ascensão do novo príncipe estreitou os laços entre Arábia Saudita e Estados Unidos. Desde o início de sua nomeação, o príncipe herdeiro e o presidente Donald Trump já tiveram reuniões e diálogos emblemáticos e, ainda que os dois países sempre tenham tido relações diplomáticas e trocas comerciais interessantes, ver o presidente estadunidense se reaproximar de um líder do Oriente Médio após quase duas décadas de Guerra ao Terror é um marco histórico.

Vale lembrar que alinhar-se com os EUA tem suas vantagens: apoio militar, econômico e político, além do aumento do poder de influência regional daquele respectivo ator; e desvantagens: como falta de liberdade daquele Estado nos seus assuntos internos e uma maior abertura para ingerências do estadista estadunidense que estiver no poder.

Contudo, a Arábia Saudita conta com uma peculiar vantagem que diminui o peso negativo de uma relação com o hegemon mundial: o controle do petróleo (que tem os EUA como maior importador mundial), não apenas na exportação em si, mas especialmente em relação ao controle de seu preço dentro da OPEP (cujo poder já pode ser sentido mundialmente nas famosas Crises do Petróleo, no século XX).

O petróleo saudita e a Saudi ARAMCO

A empresa nacional Saudi ARAMCO (em inglês, Saudi Arabian Oil Company) foi criada logo após a fundação da Arábia Saudita e da descoberta de petróleo no território (em 1933, e hoje comprovadamente com ¼ de toda reserva mundial). Trata-se da maior empresa nacional de petróleo e gás natural do país, controlada em parte por empresas e petrolíferas estadunidenses – o que ajudou a fortalecer os laços com os EUA desde muito cedo.

Hoje, a Saudi ARAMCO tem base em Dhahran (AS) e é uma das maiores empresas do mundo em receita segundo a revista Forbes e, de acordo com o site Bloomberg News, a mais lucrativa do mundo. Presente em cidades por todo o território saudita, desde os anos 1990 a Aramco segundo a revista Exame “investiu centenas de bilhões de dólares em projetos de expansão e sua capacidade de produção atual é de 12 milhões de barris diários”. No site da estatal, é possível encontrar seus “megaprojetos”, nos campos de petróleo de Manifa, Sadara, Shaybah e Wasit.

Particularmente por conta de todo o sucesso da companhia, é possível imaginar que ela também atrairia as atenções negativas dos adversários sauditas.

Os ataques à petrolífera saudita: afinal, o que aconteceu?

Em 14 de setembro de 2019, a maior instalação de estabilização de petróleo bruto do mundo, Abqaiq (a 330km da capital, Riad), e o campo de petróleo de Khurais (com quase 3 mil km² de área, a 150km de Riad) sofreram ataques por drones e mísseis, iniciando enormes incêndios. A equipe da Aramco conseguiu conter os focos de fogo e não houve confirmação de feridos no local.

Arábia Saudita
Imagem de satélite mostra os ataques. Fonte: VOA News.

As imagens de satélite antes e depois dos ataques em Abqaiq mostram o que parecem ter sido 19 ataques individuais: 14 que perfuraram tanques de armazenamento, 3 que desativaram trens de processamento de petróleo e mais dois que não danificaram nenhum equipamento.

A Saudi Aramco acabou por suspender a produção de 5,7 milhões de barris de petróleo bruto, o equivalente a aproximadamente 60% da produção do reino e 6% da produção mundial de petróleo. O preço do petróleo bruto Brent (a referência internacional) aumentou mais de 10% nas primeiras horas do dia 16 de setembro.

O envolvimento do Iêmen e do Irã

Nas primeiras horas após as explosões, os Houthis (grupo insurgente que tomou o poder no Iêmen) assumiu a responsabilidade pelos ataques. O Iemen, que vive uma guerra civil, teve seu governo exilado em função da insurgência dos Houthis. O governo oficial é apoiado pela Arábia Saudita, enquanto que os Houthis recebem apoio do Irã. 

Sugestão: Para entender melhor, confira nosso post sobre a Crise no Iêmen!

Ao que se percebe, as ofensivas tem crescido e estão ficando cada vez mais fortes. Contudo, ainda pairam muitas dúvidas, sendo a principal “de onde vem as armas e a tecnologia usadas pelos rebeldes, em meio à maior crise humanitária da história?”; segundo o jornal The New York Times, “a complexidade do ataque excede os recursos anteriores dos Houthis”.

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, foi ao Twitter acusar (a princípio, sem provas) o Irã de estar por trás do ataque, apoiando os Houthis e orquestrando a investida contra a rival saudita. A administração de Trump usa como base para a alegação a Guerra Fria entre Irã e Arábia Saudita que ocorre há décadas, que foi escalonada com a Primavera Árabe de 2011; e o fato de que a economia iraniana vem sofrendo com as sanções estadunidenses.

Segundo analistas, é provável que os ataques tenham vindo de uma base no Iraque (por grupos de milícia com intenção de retaliar a aliada dos EUA pelos ataques vindos de Israel em sua base aérea há algumas semanas) sob ordens do Irã. 

A alegação rapidamente foi rejeitada por Teerã (capital iraniana) que afirmou que as alegações pretendiam “justificar ações contra ela” e o Ministro das Relações Exteriores do Irã afirmou que Pompeo falhou sob máxima pressão.

Enquanto isso, a Arábia Saudita prometeu “enfrentar e lidar com essa agressão terrorista”; enquanto o presidente dos EUA, Donald Trump, sugeriu uma possível ação militar, afirmando que seu país está com as “armas carregadas” caso seja necessário.

Como isso tudo afeta o cenário global?

Além da instabilidade política entre Ocidente (EUA) e Oriente Médio (Irã e demais opositores da aliada saudita) e as tensões diplomáticas que vem com ela, a Saudi ARAMCO já afirmou que os reparos às suas instalações poderão levar meses, o que consequentemente acarretará em mudanças na economia petrolífera mundial com um aumento no preço da commodity.

Por fim, ainda que o Brasil tenha seu petróleo nacional, boa parte do que consumimos ainda vem de importações, o que faz com que o posto de gasolina da esquina da sua casa provavelmente tenha que repassar até você, consumidor, mais um aumento no preço da gasolina.

Quer saber mais sobre o tema? Veja algumas sugestões para aprofundamento:

Artigos e notícias:

Podcasts:

Conseguiu entender os acontecimentos recentes na Arábia Saudita e sua importância na política internacional? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

REFERÊNCIAS

AARTS, Paul. Saudi Arabia in the Balance: Political Economy, Society, Foreign Affairs. Nova Iorque: NYU Press, 2005

AL-RASHEED, Madawi. A History of Saudi Arabia. Londres: Cambridge University Press. 2a edição, 2010
CEPIK, Marco; BORBA, Pedro; BRANCHER, Pedro. Arábia Saudita e Segurança Regional após as Revoltas no Mundo Árabe.

CHEREM, Helena. A GUERRA-FRIA DO ORIENTE MÉDIO: Irã e Arábia Saudita na balança de poder regional no Oriente Médio após a Primavera Árabe. 2019. 103 f. TCC (Graduação) – Curso de Relações Internacionais, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019

BBC NEWS Brasil. Por que há uma guerra no Iêmen e qual é o papel das potências internacionais.

LYNCH, Marc. The New Arab Wars: Uprisings and Anarchy in the Middle East. Nova Iorque: Public Affairs, 2016

VISENTINI, Paulo G. O Grande Oriente Médio: da Descolonização à Primavera Árabe. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2a tiragem, 2014

VOX. How this young prince seized power in Saudi Arabia. 

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Conteúdo escrito por:
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisa e escreve sobre Oriente Médio na busca por ampliar nossas visões de mundo, analisando cenários e contextos tão peculiares e interessantes, mas tão ignorados pelo academicismo ocidental.

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