A cota de gênero no novo código eleitoral tem sido um dos pontos mais discutidos no Congresso Nacional. A proposta traz mudanças na forma como partidos devem estruturar suas candidaturas e na representatividade feminina dentro do Legislativo.
O tema divide opiniões entre parlamentares, organizações da sociedade civil, especialistas e lideranças políticas de diferentes correntesideológicas, que apontam tanto avanços quanto riscos de retrocesso.
Neste artigo da Politize!, você vai entender o que está em jogo, quais são os argumentos de defensores e críticos sobre o assunto, e quais impactos podem surgir para a democracia brasileira.

O que são as cotas de gênero?
As cotas eleitorais foram introduzidas no Brasil como medida afirmativa para aumentar a participação feminina na política. Desde 2009, a legislação exige que cada partido ou coligação reserve, no mínimo, 30% de suas candidaturas proporcionais para mulheres.
A ideia é corrigir um desequilíbrio histórico de sub-representação. Hoje, as mulheres são 52% do eleitorado, mas ocupam apenas 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados.
Essa regra, no entanto, tem enfrentado dificuldades, na prática. Casos de candidaturas fictícias, as chamadas “laranjas”, levantam questionamentos sobre a eficácia da norma e a forma como os partidos a implementam.
Apesar disso, especialistas ressaltam que a legislação representou um marco no fortalecimento da participação feminina.7
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O novo código eleitoral e as mudanças propostas
O novo Código Eleitoral, em análise no Senado desde 2021, propõe substituir a exigência de 30% de candidaturas femininas pela reserva de 20% das cadeiras em todos os parlamentos.
Caso o partido não alcance essa proporção, as vagas podem ficar vazias, abrindo margem para que 100% das candidaturas sejam masculinas. Críticos apontam que isso pode reduzir ainda mais a presença de mulheres na disputa.
Outra mudança relevante é a inclusão da definição de “violência política contra a mulher” no texto. O artigo 841 prevê penas e agravantes, mas organizações apontam que ainda faltam mecanismos de responsabilização de partidos e instituições.
O novo código também flexibiliza normas de repasse do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral às candidaturas femininas, retirando sanções mais duras para fraudes nas cotas.
Saiba também: Cotas de gênero e Fundo Eleitoral: Uma retrospectiva histórica
Argumentos favoráveis à cota de gênero no novo código eleitoral
Defensores da reserva de cadeiras afirmam que o mecanismo é mais eficaz do que a reserva de candidaturas. Para eles, a medida garante resultados concretos, já que o número mínimo de parlamentares mulheres estaria assegurado.
Além disso, a medida é vista como uma forma de fortalecer a diversidade no Legislativo, ampliando a representatividade e incentivando o surgimento de novas lideranças femininas.
Exemplos internacionais, como México e Bolívia, mostram que a paridade legal aproximou os parlamentos da igualdade entre homens e mulheres. No Brasil, os defensores acreditam que a reserva de cadeiras poderia acelerar esse processo, reduzindo desigualdades históricas.
Saiba mais: Lei de paridade de gênero do México: entenda este sistema eleitoral
Argumentos contrários à cota de gênero no novo código eleitoral
Apesar de haver defensores que enxergam na reserva de cadeiras um caminho para ampliar a representatividade, a proposta também recebe duras críticas vindas de diferentes campos políticos e sociais.
Entre elas, estão os alertas de organizações da sociedade civil ligadas à defesa da democracia e dos direitos das mulheres, que veem riscos de retrocesso, e também as objeções de lideranças liberais e conservadoras, que questionam a legitimidade das cotas como instrumento democrático.
Essas divergências mostram que, embora o objetivo seja ampliar a presença feminina na política, não há consenso sobre qual modelo é o mais justo e eficaz.
Críticas de organizações da sociedade civil
Críticos da proposta afirmam que a redução de 30% de candidaturas para 20% de cadeiras pode significar um retrocesso, já que estabelece um “teto baixo” de participação feminina.
Organizações como o Instituto Marielle Franco alertam que o novo formato enfraquece os mecanismos de inclusão e dá maior liberdade aos partidos, que historicamente não priorizam candidaturas de mulheres.
Além disso, o texto permite que gastos de candidaturas conjuntas, como de vices mulheres em chapas majoritárias, sejam contabilizados na cota feminina, distorcendo os investimentos reais em campanhas de mulheres.
Também flexibiliza sanções contra fraudes nas cotas, o que pode estimular práticas já recorrentes, como candidaturas fictícias.
No podcast Pauta Pública, Helena Salvador, coordenadora de mobilização do Pacto pela Democracia, uma coalizão apartidária formada por mais de 200 organizações da sociedade civil, afirma que a proposta de redução da cota é uma violência política e uma afronta à democracia, alertando para os riscos de se perder o que foi conquistado com a Lei de Cotas.
O Observatório Nacional da Mulher na Política, em parceria com a Câmara dos Deputados, discute o mecanismo de substituição de candidatos e a probabilidade de aprovação da medida, incentivando a audiência a pressionar o Parlamento para garantir uma maior representação feminina.
Críticas de parlamentares e especialistas liberais/conservadores
Algumas lideranças da centro-direita e direita, como Kim Kataguiri (União Brasil) e Marcel Van Hattem (NOVO), argumentam que as cotas violam o princípio da meritocracia e restringem a liberdade do eleitor de escolher seus representantes.
Para esses parlamentares, impor porcentagens fixas não garante a qualidade da representação e pode gerar distorções, já que muitas candidaturas são lançadas apenas para cumprir tabela.
Alternativas defendidas incluem investir em formação política de mulheres, ampliar recursos para capacitação de lideranças femininas e promover incentivos partidários sem obrigatoriedade legal.
Críticos desse mesmo setor, como o economista Rodrigo Constantino, ressaltam que a democracia deve se basear no voto popular e não em mecanismos de imposição, que poderiam ser substituídos por políticas de incentivo mais flexíveis.
“A visão ideológica que coloca a mulher como parte das ‘minorias’ que necessitam de tutela estatal acaba reduzindo a própria mulher à condição de ser inferior, o mesmo fenômeno das cotas raciais para negros. Eu, que não penso que negros e mulheres são inferiores, rejeito tais privilégios e defendo a igualdade de todos perante as leis.”, afirma Rodrigo.
Nos EUA e em países europeus liberais, partidos de direita defendem que cotas de gênero “engessam” a democracia. Em vez disso, são usados mecanismos de incentivo ou campanhas voluntárias para aumentar a presença feminina na política.
Entenda: Código Eleitoral: mudanças ao longo dos anos
Impactos políticos e sociais em debate
Os impactos da cota de gênero no novo código eleitoral vão além das disputas eleitorais. Se, por um lado, a reserva de cadeiras pode garantir presença mínima de mulheres em parlamentos onde a representatividade é quase nula, por outro, especialistas alertam que a proposta não avança em direção à paridade, nem garante equidade racial.
Nesse contexto, a ONG Elas no Poder, que atua na ampliação de mulheres na política, defende que o novo código avance para além do que está em debate no Senado, garantindo 50% de cadeiras para mulheres, observando a proporcionalidade racial, o que inclui 28% de vagas para mulheres negras, conforme o censo do IBGE de 2022.
A organização também propõe medidas dentro dos partidos, como a reserva de cargos de liderança para mulheres e pessoas negras, já que apenas quatro dos 31 partidos registrados no Brasil são presididos por mulheres.
O debate sobre a cota de gênero no novo código eleitoral mostra que ainda há muito a ser discutido sobre representatividade no Brasil. Enquanto defensores acreditam que a reserva de cadeiras pode trazer resultados imediatos, críticos afirmam que a medida pode enfraquecer a busca por paridade e reduzir incentivos para candidaturas femininas.
Para Helena Salvador do Pacto da Democracia, há uma diferença entre representatividade e inclusão. Enquanto a representatividade é a simples presença de mulheres na política, a inclusão garante que as candidatas tenham acesso a recursos e estruturas partidárias para competir em pé de igualdade.
Ela ressalta ainda que esse debate fortalece a participação feminina não apenas através das cotas, mas também com o apoio financeiro e a destinação de tempo de rádio e TV, que atualmente são distribuídos de forma desigual, beneficiando majoritariamente os homens.
Organizações da sociedade civil, como o Instituto Marielle Franco e a Elas no Poder, alertam para os riscos de retrocesso e defendem avanços mais robustos.
Já setores mais à direita argumentam que a inclusão política deve vir de mudanças estruturais na cultura partidária e na formação educacional, e não de imposições legais. Para eles, paridade obrigatória pode não refletir a real vontade do eleitorado e enfraquecer a autonomia dos partidos.
O tema segue em análise no Senado, e sua aprovação pode alterar profundamente o cenário político nas próximas eleições. Independentemente do resultado, a discussão evidencia a importância de fortalecer a democracia com mais diversidade e participação feminina.
Confira: Paridade de gênero: todos são iguais perante a lei?
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Referências
- Agência Pública – Congresso pode reduzir ainda mais espaço para mulheres na política
- Brasil de Fato – Novo Código Eleitoral pode representar retrocesso na participação de mulheres, alerta Instituto Marielle Franco
- Câmara dos Deputados – Secretaria da Mulher da Câmara avalia hoje impactos de mudanças do Senado no novo Código Eleitoral
- Câmara dos Deputados – Webinário: Cotas de Gênero no Novo Código Eleitoral (PLP 112/21)
- Folha de São Paulo – Mulheres são maioria do eleitorado, mas comandam só 5 dos 31 partidos do país
- Gazeta do Povo – A cota de gênero e a fraude com as candidaturas fictícias
- Gazeta do Povo – As mulheres não precisam da tutela estatal
- Le Monde Diplomatique Brasil – O projeto do novo Código Eleitoral e seus impactos para as mulheres
- O Globo – Novo Código Eleitoral flexibiliza cota de candidaturas femininas, mas cria reserva de cadeiras para mulheres no Legislativo
- Pauta Pública – A ameaça silenciosa à participação das mulheres na política
- Senado Federal – Cota de gênero no novo Código Eleitoral divide senadores na CCJ
- The Economist – Why board quotas are no friend to women workers
- Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo – Código Eleitoral completa 60 anos em meio a discussão de nova legislação