A criminalização do funk e o preconceito contra as culturas periféricas

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Imagem ilustrativa para o texto A criminalização do funk e o preconceito contra as culturas periféricas. Imagem: Brasil com S.
Imagem: Brasil com S.

O funk é um ritmo que possui alta rejeição por uma parcela da sociedade brasileira – e às vezes, o funk passa até por uma certa “criminalização”, mas isso não significa que ele deixa de ser considerado uma produção cultural. Afinal, cultura é todo o tipo de conhecimento, tradições e leis produzidas por um grupo social. Dessa forma, o ritmo expressa a realidade de muitas pessoas que vivem nas periferias do país.

De acordo com o livro ‘Um país chamado favela’, da Central Única das Favelas (CUFA) e do Instituto de Pesquisa Data Favela, o Brasil possui 112 milhões de pessoas vivendo em periferias. Ainda, como mostra a pesquisa “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, desenvolvida pelos Institutos Data Favela e Locomotiva, essa população movimenta a renda de R$ 119,8 bilhões por ano.

Esses dados confirmam a potencialidade das periferias e reforça a ideia que essas narrativas também precisam ter maior visibilidade. Nesse sentido, o funk se tornou o principal ritmo que expressa a realidade de parte dessa população.

A seguir, você vai descobrir como o ritmo surgiu e como ele continua quebrando barreiras.

Como o funk surgiu?

O funk surge no início dos anos 1960 nos Estados Unidos. De início, o ritmo era um derivado da soul music – gênero musical inspirado no Rhythm and Blues e no Gospel. Essa música era produzida principalmente por artistas negros, como James Brown, Marvin Gaye, Michael Jackson e Chaka Khan.

Ao longo do tempo, o gênero sofreu diversas alterações. No final dos anos 70, ele chegou ao Brasil com os primeiros bailes funks realizados na Zona Sul do Rio de Janeiro, área nobre da cidade. Com o surgimento da Música Popular Brasileira (MPB), a música passou a ser consumida e produzida nos subúrbios do Rio.

No final da mesma década, o ritmo passou a se espalhar por todo o país. Assim, já nos anos 80, o funk passou a ser feito como miami bass – gênero que possui batidas comandadas por DJs.

Fernando Luís Mattos da Matta, mais conhecido como DJ Marlboro, foi o responsável por fazer o gênero se tornar o que é hoje. Foi ele que introduziu a bateria eletrônica ao gênero musical, recurso utilizado pelos artistas até os dias atuais.

Leia também: Como surgiu o funk no Brasil e quais são as principais polêmicas?

Por que a rejeição ao ritmo está relacionada ao racismo?

Para entender sobre a rejeição ao funk, é necessário pensar em questões como o racismo e o preconceito de classe social. Em entrevista ao Politize!, Juliana Bragança, pesquisadora do funk e autora do livro ‘Preso na Gaiola’, aponta que, historicamente, toda a produção cultural feita pela população negra no Brasil é alvo de discriminação.

“A rejeição vai além da barreira do ritmo musical, pois é um ritmo que incomoda principalmente a parcela da sociedade que é privilegiada. O funk é uma manifestação cultural das massas, do povão, e principalmente da juventude negra, pobre e favelada”, afirma.

Ainda, segundo a professora de antropologia Adriana Facina, autora do artigo ‘Cidade do funk: expressões da diáspora negra nas favelas cariocas’, o gênero é perseguido pelo poder público, pela mídia corporativa e por setores da classe dominante, mas é uma parte inegável da cultura urbana.

“Quando se associa uma juventude, uma parcela da população, ao crime e à violência é como se o Estado tivesse carta branca para criminalizar aquelas pessoas. Esse preconceito se torna um pretexto para encarcerar e para assassinar a juventude negra favelada”, reflete Bragança.

Entendendo o processo histórico da criminalização do funk

A criminalização do funk tem início nos anos 90 e continua até os dias atuais.

Em 1992, o momento, que ficou conhecido como Arrastão de Ipanema, foi um divisor de águas no movimento funk brasileiro, pois a figura do funkeiro passou a ser culpabilizada pelas ocorrências de arrastões que estavam ocorrendo no Rio de Janeiro. Isso porque, como explica Bragança, “O funkeiro se torna bode expiatório e passa a ser culpado por aquele mal que estava acontecendo na cidade”.

Bragança afirma ainda que a cobertura midiática da época colaborou para que a imagem dos funkeiros fosse associada à imagem de ‘bandido, pivete e traficante’. Com isso, segundo a especialista, o Estado passou a realizar várias tentativas sistemáticas de reprimir e acabar com os bailes funks nas comunidades.

A partir dos anos 90, o funk se torna popular no país e cantores como Claudinho e Bochecha ficam famosos na mídia. Ao mesmo tempo, o ritmo também passa a retratar a dura realidade nas comunidades, como a violência, o porte de armas e o crime.

Com o surgimento dos “bailes proibidões”, começaram as acusações de que o ritmo estaria relacionado ao tráfico. Um exemplo disso é a canção ‘Rap das Armas’, de Cidinho e Doca, lançada em 2009.

“Em 2008, o funk passou a ser proibido nas comunidades pacificadas. O processo da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foi muito violento e acabou levando à morte de muitas pessoas”, revela Bragança.

Já em 2017, o Senado rejeitou um projeto de lei que pedia a criminalização do funk. A proposta havia sido enviada pelo Portal E-cidadania em janeiro daquele ano por Marcelo Alonso, um webdesigner, morador de um bairro da zona norte de São Paulo. A ideia teve 21.985 assinaturas de apoio.

A proposta diz: “É fato e de conhecimento dos brasileiros, difundido inclusive por diversos veículos de comunicação de mídia e internet com conteúdos podre (sic) alertando a população o poder público do crime contra a criança, o menor adolescente e a família. Crime de saúde pública desta ‘falsa cultura’ denominada funk”.

É importante ressaltar que outras produções culturais criadas pelo movimento negro no Brasil também já foram criminalizadas no passado, como a capoeira, o samba e o rap. “Diversas outras manifestações culturais são marginalizadas, incluindo as religiões de matriz afro, como umbanda e candomblé, que são sistematicamente perseguidas até hoje”, afirma Bragança.

O funk como expressão social e as suas conquistas

Bragança observa que a música é produtora da realidade como, ao mesmo tempo, é a reprodutora de realidade também. Isso significa que, mesmo que uma parcela da sociedade se incomode que o ritmo trate de questões como violência, sexo e drogas ou outros temas, são questões que ocorrem na sociedade geral e, por isso, que devem ser debatidas.

Ainda, vale a ressalva de que este ritmo é muito diverso e possui muitas vertentes como o pop, brega funk, o proibidão, o 150 BPM, ostentação, entre outras.

Uma prova de que o ritmo está ganhando cada vez mais visibilidade é que, em 2018, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconheceu o passinho como Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro. Ainda, em 2021, o Grammy Latino adicionou a categoria ‘Funk Brasileiro’ na premiação.

Outro reconhecimento importante foi que o videoclipe da música ‘Bum bum tam tam’, do Mc Fioti, foi o primeiro clipe brasileiro a bater o 1 bilhão de visualizações no Youtube. A canção também foi utilizada na campanha de conscientização contra a Covid-19 pelo Instituto Butantã, em 2021, para anunciar a criação da vacina brasileira.

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1 comentário em “A criminalização do funk e o preconceito contra as culturas periféricas”

  1. Desculpa,mais boa parte das letras de funk faz apologia a (DROGAS E ABUSO SEXUAL),sou ex morador de comunidade no rio,gosto de funk desde do inicio e considero “sim”uma manifestação cultural e até social,porém há muita “coisa infiltrada”que não é um bom exemplo principalmente para os mais novos!

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Conteúdo escrito por:
Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM). Homenageada no 1º Prêmio Neusa Maria de Jornalismo e repórter da periferia.

A criminalização do funk e o preconceito contra as culturas periféricas

13 mar. 2024

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