Você certamente já ouviu falar do Irã nos noticiários. Talvez, acusações de ataques contra navios próximos a seu território ou instalações petrolíferas da Arábia Saudita; talvez, algo sobre seu programa nuclear ou as sanções dos EUA ou ainda, sobre o assassinato do general Qasem Soleimani pelos EUA. E com certeza você viu notícias sobre um conflito iminente entre Irã e Israel.
O Irã está aparecendo cada vez mais nos jornais. Por isso, neste post, vamos te explicar de forma resumida uma série de elementos que conformam esse complexo contexto.
- O Irã no Oriente Médio: onde fica, quem é e quem foi?
- Irã na antiguidade
- Dinastia do Xá (1925-1979)
- A Revolução Iraniana (1979)
- Século XXI: da Primavera Árabe aos protestos de 2018
- O Irã em 2019
- O petróleo na economia iraniana
- As sanções econômicas EUA-Irã e sua relação direta com a indústria petrolífera
- A Guerra Fria Irã-Arábia Saudita e as percepções regionais
- Irã versus Israel
- Sugestões de mais material para aprofundamento
- Referências:
O Irã no Oriente Médio: onde fica, quem é e quem foi?
Como podemos ver no mapa abaixo, a República Islâmica do Irã faz fronteira com Iraque, Turquia, Azerbaijão, Turcomenistão, Afeganistão e Paquistão, e possui ligações com o Mar Cáspio (ao Norte) e o Mar Arábico (ao Sul).
As águas que contornam o sudoeste, também são conhecidas como Golfo Pérsico e banham também a Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Qatar e Emirados Árabes Unidos. Ao sudeste, sua aproximação com Omã se dá pelo Golfo de Omã.
É um país majoritariamente xiita (dentro da Religião Islâmica) e com uma economia fortemente sancionada e dependente do petróleo.

O Irã é um dos poucos países não-árabes da região. Por conta disso, seu distanciamento linguístico, político e religioso com seus vizinhos acaba se tornando muito mais perceptível. O mapa abaixo representa bem esse distanciamento étnico: em amarelo, as regiões tradicionalmente árabes e em laranja, os povos de origem persa (os iranianos).

No mapa, percebe-se também que as fronteiras não necessariamente se correlacionam com as divisões étnicas, levando a situações delicadas, como a concentração dos Curdos (em bordô, na Turquia e ao norte do Iraque e da Síria), hoje a maior nação sem território no mundo; o estabelecimento de Israel em território anteriormente ocupado pelos palestinos (em rosa), os Balúchis no sudeste do Irã (em cinza), a grande diversidade de povos no Afeganistão, entre outros, contribuindo para a ebulição de conflitos, guerras civis e a instabilidade de certos Estados na região.
Irã na antiguidade
O país que hoje conhecemos como República Islâmica do Irã data de aproximadamente 550 A.C. (com o estabelecimento do Império Aquemênida, até 300 E.C.) e foi conhecido, na maior parte de sua história, como Pérsia.
O reino persa dominou boa parte do Oriente Médio e, por isso, ficou conhecido como o primeiro hegemon da história. Os traços da sua influência para além de suas fronteiras ficaram conhecidos como Persianatos (sendo o maior exemplo, o Taj Mahal).
Outro ponto importantíssimo na história foi a oficialização do xiismo como religião nacional, pelos Safávidas (uma dinastia xiita formada por azeris e curdos) no século XVI.
Dinastia do Xá (1925-1979)
Entre 1925 e 1979, o país esteve sob a Dinastia do Xá – um reinado da família Pahlevi, que passou do pai Reza Xá para seu filho Mohammed Reza Xá.
Com um golpe de Estado em 1925, o comandante militar Reza Pahlevi Khan (que futuramente mudaria seu nome para Reza Xá) derrotou a ocupação britânica e mudou o rumo daquele lugar. Dentre os principais elementos sócio-políticos daquele momento estavam:
- Aproximação e alinhamento com o Ocidente (em especial, com os EUA), social, cultural e politicamente;
- Perda (intencional) da identidade persa, com a oficialização do nome Irã em 1935;
- Uma forte modernização secularizada – um Estado sem fortes características religiosas;
- Ampliação dos direitos das mulheres e início de uma cultura mais libertária, com a abolição da obrigatoriedade do xador.
A Revolução Iraniana (1979)
Após décadas de regime, os índices de desemprego e pobreza do país começaram a subir, assim como o descontentamento popular. Em 1979, o líder religioso Aiatolá Khomeini liderou um golpe de Estado, agora religioso e conservador, com o apoio da maior parte da população. Nesse momento, destacavam-se:
- Retomada das raízes religiosas e ideológicas (conforme consta na primeira página da Constituição da República Islâmica do Irã, de 1979: a característica definitiva desta revolução foi sua natureza ideológica e islâmica);
- Afastamento brusco do Ocidente, em especial aos EUA (na pág. 32 da mesma Constituição, destaca-se: “A política externa da República Islâmica do Irã baseia-se na rejeição de qualquer tipo de dominação, tanto do exercício quanto da submissão a ela; (…) a defesa dos direitos de todos os muçulmanos; desalinhamento em relação aos poderes dominadores; relações pacíficas mútuas com Estados não agressivos)”;
- Completa alteração no sistema político do país, agora com maior abertura democrática – finalmente, a voz do povo seria ouvida e representada;
- A oficialização de um Líder Religioso Supremo, tornando o país uma República Teocrática Islâmica.

Século XXI: da Primavera Árabe aos protestos de 2018
Em 2011, boa parte do Oriente Médio passou pela Primavera Árabe – uma série de revoltas populares com a intenção de destronar estadistas que estavam no poder há décadas de forma tirânica e não-democrática. Nesse momento, contudo, poucas foram as manifestações da população iraniana.
O papel do país nesse momento ficou por conta do escalonamento da Guerra Fria com a Arábia Saudita, na qual disputavam poder e influência regional por meios indiretos – as chamadas guerras proxy, onde atores externos (governos, grupos de milícia, organizações, etc.) apoiam lados opostos em conflitos paralelos nos países vizinhos, sem neles interferir diretamente (apenas via financiamentos, apoio e treinamento militar, disposição de armamentos, etc.).
Entre 2011 e 2015, o Irã se viu coagido pelo Sistema Internacional a submeter seu Programa Nuclear ao crivo do Conselho de Segurança da ONU: o programa gera controvérsias internacionalmente devido à suspeita, especialmente estadunidense, de que o país esteja desenvolvendo tecnologia nuclear militar.
O governo nega quaisquer acusações e alega que o programa tem fins científicos e de produção energética (CHEREM, 2019).
Em 2015, após anos de debates e sanções, o Irã e o P5 + 1 (os cinco países membros do Conselho de Segurança da ONU + a Alemanha) assinaram um Acordo Nuclear, que garantia a drástica diminuição do programa nuclear iraniano em troca do levantamento das sanções internacionais.
Aqui, vale destacar a atuação do presidente Hassan Rouhani, eleito pelos iranianos em 2013, que em dois anos de mandato conseguiu finalizar o acordo.
Contudo, diversos fatores ajudaram a difamar a imagem do Irã a partir desse momento, como:
- A ascensão de Donald Trump ao poder nos EUA (que desde 2017 já indicava a aversão do presidente contra o Estado de Rouhani;
- O crescimento da indústria de energia nuclear na Arábia Saudita (onde, novamente, há um grande interesse por parte dos EUA, aliado nacional da opositora iraniana);
- E o envolvimento do País em conflitos pelo Oriente Médio (por conta da Guerra Fria regional contra a Arábia Saudita).
Talvez, desde a década de 1980, o afastamento do Estado persa com os EUA tenha provado agora suas piores consequências: é aqui onde é construída uma imagem internacional de um Irã “vilão” e “terrorista nuclear” no século XXI (ainda que a Arábia Saudita esteja apontando para a exata mesma direção com seu programa nuclear, com o apoio do Congresso e Senado estadunidenses).
Em 2017 e 2018, as sanções econômicas internacionais rapidamente alcançaram os bolsos da população iraniana que, indignada, foi às ruas protestar contra o aumento nos preços, o desemprego, a desigualdade econômica e a repressão política.
Todas as reivindicações socioeconômicas, no entanto, giravam em torno de um grande elemento: com a atenção de Rouhani voltada para a política externa, as questões nacionais acabaram ficando em “segundo plano”, transformando todos os cenários do país (interna e externamente) em grande bola de neve de políticas falhas e descontentamentos.
O Irã em 2019
Muitos são os elementos que marcaram o ano de 2019 da história iraniana. Os destaques, contudo, seguem para sua imagem no cenário internacional, como seu papel nas indústrias petrolífera e nuclear, a Guerra Fria regional com a Arábia Saudita (e suas repercussões na região) e as acusações de ataques contra vizinhos regionais.

O petróleo na economia iraniana
A economia do Irã é baseada majoritariamente na indústria do Petróleo (da extração ao refino). Então, apesar dos desentendimentos internacionais, é importante para o Sistema Internacional que o Estado permaneça politicamente estável e comercialmente aberto, com disposição para negociar seu produto com o mundo – ou, pelo menos, até que o Ocidente encontre outro parceiro comercial mais atrativo na região.
Vale lembrar que, na Guerra Fria regional, Irã e Arábia Saudita disputam também a supremacia na produção energética, em especial na chamada geopolítica do petróleo.
Nessa temática, ambos países disputam questões como são explorados elementos como maior produção de petróleo, maior exportação regional, maiores descobertas de novas fontes energéticas, maior programa nuclear de uso civil, maiores acordos internacionais para a exploração dessas fontes, etc.
As sanções econômicas EUA-Irã e sua relação direta com a indústria petrolífera
Em agosto de 2018, o governo dos EUA impôs novas sanções econômicas ao Irã, predominantemente voltadas para os setores de energia, bancário e marítimo do país. Nessa época, a administração Trump já havia se retirado formalmente do Acordo Nuclear.
Como as exportações de petróleo de Teerã representam mais da metade de suas receitas externas, o impacto negativo das condenações internacionais não afeta apenas uma parte da indústria, mas sim, toda a economia nacional do país.
As sanções enfraqueceram a moeda local do Irã e fizeram crescer a inflação no país. Essa desestabilização da economia iraniana fica visível neste seguinte fragmento do discurso do Departamento de Defesa estadunidense (abril/2019).
Ainda em junho de 2019, os brasileiros ficaram um pouco mais próximos de toda essa disputa, quando navios iranianos ficaram parados no Porto de Paranaguá (Paraná) e em Imbituba (Santa Catarina).
A razão foi a mesma, apenas em outro CEP: os cargueiros sofreram sanções dos EUA, o que levou empresas brasileiras a hesitarem em reabastecer os navios iranianos, temendo sofrer retaliações.
A Guerra Fria Irã-Arábia Saudita e as percepções regionais
A Guerra Fria regional entre o Irã e a Arábia Saudita persiste há anos – e se vê fortemente escalonada desde a Primavera Árabe de 2011, quando boa parte dos países do Oriente Médio ficaram politicamente instáveis e socioeconomicamente desestabilizados.
Enquanto a Arábia Saudita apoia majoritariamente governos de Estados da região (Egito, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Líbia (em Tobruque) e Jordânia), o Irã alinha-se àqueles atores como milícias e grupos rebeldes antigoverno, que são contra a ordem vigente (o famoso status quo):
- Os governos do Iraque (maior vizinho e aliado xiita na região) e do Líbano (ainda que em 2018-19, as relações entre os governos libanês e iraniano encontrem-se em estado sensível);
- E os grupos Hezbollah (Líbano) e Hamas (Palestina), os Houthis (Iêmen) e os Curdos (em território iraquiano).
Assim, torna-se visível que a aproximação do Estado saudita com os EUA e o Ocidente facilita as alianças política, econômica e militar, uma vez que o Reino não possui intenções de alterar a balança e o Sistema no Oriente Médio.
Enquanto, por outro lado, a visão iraniana de rompimento com esse mesmo Sistema, aumenta a intensidade dos holofotes que recaem sobre o país a cada passo que dá (como em seu Programa Nuclear) e por cada incidente que ocorre na região (ainda que nem sempre com provas de sua autoria).
Irã versus Israel
O conflito entre Irã e Israel vai além de uma simples rivalidade geopolítica. Trata-se de uma disputa complexa com dimensões religiosas, ideológicas, estratégicas e militares.
O Irã lidera uma aliança informal denominada ‘Eixo da Resistência’, que se opõe à Arábia Saudita e a Israel, ambos vistos pelo Irã como inimigos – apesar de, em um certo momento, as relações com a Arábia Saudita terem se estabilizado. O ‘Eixo da Resistência’ é composto de proxies do Irã. Esses proxies são grupos com certo grau de autonomia e objetivos próprios, mas que possuem afinidade ideológica ou interesses em comum com o Irã e são parcialmente financiados por ele.
Entre esses grupos, destacam-se os Houthis (Iêmen), o Hezbollah (Líbano), o governo de Bashar al-Assad (Síria), outras organizações xiitas variadas (Iraque) e a organização Sunita Hamas (Palestina).
Desde outubro de 2023, com a eclosão da guerra entre Israel e o grupo Hamas na Faixa de Gaza, a tensão entre Irã e Israel atingiu novos patamares.
O Irã considera Israel um ocupante ilegal da Palestina e enxerga sua oposição ao Estado israelense como uma obrigação religiosa, política e moral, especialmente em defesa dos palestinos muçulmanos.
Por outro lado, Israel vê o Irã como sua principal ameaça regional. Para os israelenses, o Irã tem construído uma rede de grupos armados hostis ao seu redor — como o Hezbollah no Líbano, milícias xiitas na Síria e no Iraque, os Houthis no Iêmen, e também apoia o Hamas em Gaza.
Diversos fatores dificultam qualquer tipo de acordo ou cessar-fogo entre os dois países:
- Falta de reconhecimento mútuo: Irã e Israel não mantêm relações diplomáticas e se recusam a reconhecer a legitimidade política um do outro;
- Influência de aliados regionais: enquanto o Irã busca manter sua rede de milícias como forma de dissuasão, Israel tenta neutralizá-las para garantir sua segurança;
- Conflitos paralelos: a guerra em Gaza e os confrontos entre Israel e Hezbollah no Líbano contribuem para a escalada regional;
- Pressões internas: ambos os governos utilizam o conflito como forma de fortalecer sua coesão interna;
- Interferência de potências globais: os Estados Unidos apoiam militarmente Israel, enquanto Rússia e China mantêm relações estratégicas com o Irã, dificultando soluções multilaterais.
Sugestões de mais material para aprofundamento
Quer saber mais sobre o assunto? Confira abaixo algumas sugestões para aprofundamento!
Podcasts em português:
- Petit Journal – episódio Os EUA e os estreitos;
- Petit Journal – episódio O xadrez iraniano;
- Petit Journal – episódio Economia iraniana desmorona.
Podcasts em inglês:
- The Intelligence (The Economist) – episódio Get one thing strait: Iran’s tanker stand-off;
- The Intelligence (The Economist) – episódio Hawks, stocks and peril: Iran-America brinkmanship.
Conseguiu entender o papel do Irã na política internacional e a rivalidade entre o país e a Arábia Saudita? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!
Publicado oficialmente em 06/01/2020, atualizado em 17/06/2025.
Referências:
- AL-SAUD, Turki Bin Khaled. A Historical Study of Saudi Arabia–Iran Relations and Regional Order;
- AXWORTHY, Michael. Revolutionary Iran: A History of the Islamic Republic;
- BBC Why Saudi Arabia and Iran are bitter rivals;
CHEREM, Helena. A GUERRA-FRIA DO ORIENTE MÉDIO: Irã e Arábia Saudita na balança de poder regional no Oriente Médio após a Primavera Árabe. 2019. 103 f. TCC (Graduação) – Curso de Relações Internacionais, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019; - LYNCH, Marc. The New Arab Wars: Uprisings and Anarchy in the Middle East;
- SANTO, Murillo; BALDASSO, Tiago. A Revolução Iraniana: Rupturas e Continuidades na Política Externa do Irã;
- VISENTINI, Paulo G. O Grande Oriente Médio: da Descolonização à Primavera Árabe;
- CSIS – The Iran-Israel Air Conflict, One Week In;
- G1 – ‘Eixo da resistência’: a rede de influência (e os adversários) do Irã no Oriente Médio | Mundo;
- BBC News Brasil – Conflito Israel-Hamas: como grupo palestino reuniu forças para atacar Israel em 7 de outubro;
- Al Jazeera – Israel-Gaza war in maps and charts: Live tracker;
- G1 – Ataque israelense destrói consulado iraniano na Síria e mata comandante da Guarda Revolucionária, diz Irã;
- Poder360 – Brasil condena ataque de Israel ao Irã, mas não o oposto.
- BBC News Brasil – De que lado estão as grandes potências — e o Brasil — no conflito entre Israel e Irã