Em meio às transformações climáticas e à urgência por novos modelos de ensino, as escolas verdes surgem como uma proposta educativa capaz de integrar aprendizado, sustentabilidade e participação social. Longe de ser uma tendência passageira, esse movimento global redefine o papel da educação no enfrentamento da crise ambiental e na formação de cidadãos conscientes e atuantes.
Inspiradas por experiências internacionais e cada vez mais presentes em políticas públicas brasileiras, essas escolas mostram que o aprendizado sobre o meio ambiente começa dentro das salas de aula, mas se estende para toda a comunidade.
- O que são escolas verdes?
- Como funcionam as escolas verdes na prática?
- Infraestrutura e funcionamento sustentável
- Sustentabilidade no cotidiano escolar
- O papel da inovação pedagógica
- Experiências de escolas verdes
- A educação ambiental no Brasil
- Diferenças regionais e políticas locais
- O impacto das desigualdades e o papel da escola
- Referências
O que são escolas verdes?
O conceito de escolas verdes (ou Green Schools) nasceu em 2008, com a inauguração da Green School Bali, na Indonésia, fundada pelos empreendedores John e Cynthia Hardy. O casal, após anos de homeschooling, idealizou uma escola que unisse aprendizado acadêmico e conexão com a natureza. O modelo expandiu-se rapidamente, tornando-se um símbolo mundial de inovação educativa e sustentabilidade. Hoje, há unidades e programas parceiros em diferentes países, reunindo iniciativas como o Green Camp e o Green Educators Course, que integram práticas ecológicas, alimentação saudável, arquitetura sustentável e gestão comunitária do espaço escolar.
A proposta ganhou reconhecimento e passou a inspirar programas globais como o da UNESCO, que incluiu as escolas verdes em sua agenda de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS). A metodologia da UNESCO propõe que cada escola se torne um laboratório de sustentabilidade, onde alunos, professores e famílias desenvolvem projetos práticos relacionados à economia circular, energia renovável, agricultura urbana e cidadania ambiental.
No Brasil, o conceito vem se consolidando também por meio de políticas públicas. Em 2022, o governo federal lançou o Programa Escolas +Verdes, uma parceria entre os ministérios da Educação, do Meio Ambiente e da Cidadania, que visa promover ações de cidadania e educação ambiental em escolas de todo o país, e fortalecer o PNEA. A iniciativa prevê investimentos de até R$ 300 milhões, com foco em reciclagem, reúso da água, eficiência energética e adoção de energias renováveis.
Na primeira fase, serão destinados R$ 100 milhões para a instalação de biodigestores em mais de 200 escolas, possibilitando o tratamento de esgoto e a produção de biogás e biofertilizantes a partir de resíduos orgânicos — um avanço importante em um país onde mais de 7 mil escolas ainda não possuem esgotamento sanitário. As cascas, sementes e restos de alimentos passam a gerar o combustível utilizado no preparo da merenda escolar, substituindo o uso de gás de cozinha.
Durante o lançamento do programa, o ministro da Educação, Victor Godoy, destacou que a iniciativa busca estimular a conscientização de alunos, professores e comunidades locais sobre o impacto do descarte inadequado de resíduos, especialmente nas áreas próximas a rios e córregos. Segundo o MEC, os biodigestores também fortalecem o trabalho interdisciplinar nas escolas, permitindo que áreas como biologia, química, física e matemática explorem o tema de forma prática e integrada.

A segunda fase do programa prevê mais R$ 200 milhões para ampliar as ações sustentáveis, incluindo reciclagem, reúso e eficiência no uso da água e adoção de fontes limpas de energia. Além disso, escolas públicas e particulares poderão requisitar o Selo Escola +Verde, uma certificação concedida pelos ministérios da Educação e do Meio Ambiente para reconhecer boas práticas de sustentabilidade dentro e fora da sala de aula.
Como funcionam as escolas verdes na prática?
As escolas verdes são planejadas para unir infraestrutura sustentável, currículo inovador e participação ativa da comunidade escolar. A ideia central é que o espaço físico, o método pedagógico e as relações entre alunos e educadores traduzam, na prática, os princípios da sustentabilidade.
Infraestrutura e funcionamento sustentável
A infraestrutura dessas escolas busca reduzir o impacto ambiental desde a construção até o cotidiano. Materiais de baixo impacto, ventilação natural, iluminação eficiente e sistemas de captação e reúso da água fazem parte da arquitetura dessas unidades.
No Brasil, um exemplo pioneiro é o projeto Escola da Floresta, inaugurado em 2024 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no município de São Sebastião do Uatumã (AM). Construída com madeira de manejo florestal sustentável e energia solar, a escola foi projetada para ter baixo impacto ambiental e atender 200 alunos em tempo integral e noturno.
Com investimento de R$ 5 milhões, a unidade oferece laboratório de robótica, refeitório, salas multiuso, alojamento e estações de tratamento de esgoto e de captação de água da chuva. O modelo faz parte do programa Educa+Amazonas, lançado em 2021, que busca transformar as escolas públicas do estado em espaços de gestão democrática, respeito à diversidade sociocultural e ensino tecnológico aliado à sustentabilidade.
Segundo o governador Wilson Lima, o objetivo é preparar as novas gerações para lidar com as mudanças climáticas:
“Essa é uma escola pensada para preparar as crianças para enfrentarem a nova realidade das mudanças climáticas, entendendo a necessidade de preservar a floresta, mas também o ser humano, oferecendo conhecimento e oportunidade de renda.”
O projeto prevê ainda a criação de novas unidades, inclusive uma escola flutuante, integrando inovação arquitetônica e inclusão educacional em áreas de difícil acesso.
Sustentabilidade no cotidiano escolar
O funcionamento diário das escolas verdes prioriza a autossuficiência energética e o aproveitamento de recursos locais. Um exemplo vem do programa Escolas + Verdes, do governo federal, que introduz biodigestores para transformar resíduos orgânicos em gás e biofertilizantes. Além de reduzir o desperdício e os custos, o processo é usado como ferramenta pedagógica para o ensino de energia renovável e economia circular.
Segundo o secretário André França, do Ministério do Meio Ambiente, o projeto busca “mostrar que não existe lixo, mas matéria-prima fora do lugar” — uma forma didática de relacionar sustentabilidade, inovação e protagonismo estudantil.
O papel da inovação pedagógica
Mais do que reformular o espaço físico, as escolas verdes repensam o modo de ensinar. Um exemplo vem da Escola Estadual Aluízio Lopes Martins, em Santarém (PA), que lançou o projeto “Escola da Amazônia: Aluízio Martins 2030”. Inspirado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e na Agenda 2030, o projeto combina educação ambiental, sustentabilidade e clima com alfabetização midiática e informacional.
A proposta, desenvolvida pelo professor Daniel Fernandes, baseia-se em duas áreas principais: o uso das tecnologias digitais na educação e a comunicação ambiental, estimulando a produção de conteúdos sobre o meio ambiente e a vida local. As atividades têm como referência o Lago Mapiri-Papucu, área de preservação ambiental próxima à escola, onde estudantes realizam ações de monitoramento e recuperação.
O diretor Gesiney Vieira Melo destaca que o projeto fortalece o novo componente curricular obrigatório de Educação Ambiental, Sustentabilidade e Clima, implementado pela Secretaria de Educação do Pará em 2024 — o primeiro estado brasileiro a incluir o tema em todas as etapas do ensino.
Experiências de escolas verdes
A expansão das escolas verdes no Brasil também está ligada ao fortalecimento de iniciativas locais que integram educação, cultura e identidade amazônica. A Fundação Lemann, em parceria com o programa Motriz Educação Amazônia, documentou projetos que mostram como a sustentabilidade pode transformar o aprendizado em regiões de vulnerabilidade.
Em municípios como Presidente Figueiredo (AM) e Ulianópolis (PA), as chamadas Salas Florestas associam práticas ambientais e resultados pedagógicos; em Itacoatiara (AM), os Guardiões do Amanhã lideram ações de transformação socioambiental; e em Manicoré (AM), o projeto Resgate da Ancestralidade valoriza culturas indígenas e quilombolas no ambiente escolar.
Segundo Daniela Caldeirinha, vice-presidente de Educação da Fundação Lemann, essas experiências mostram que “a escola na Amazônia é mais do que um espaço de aprendizagem, é um ponto de encontro, de segurança alimentar, de fortalecimento da identidade e de construção de um futuro sustentável”.
A educação ambiental no Brasil
Apesar das conquistas recentes, o acesso à educação ambiental no Brasil ainda é desigual e limitado. Segundo levantamento inédito do Censo Escolar de 2024, divulgado pelo Inep, quatro dos sete estados que menos oferecem atividades de educação ambiental nas escolas públicas, entre redes municipais e estaduais, estão na Amazônia Legal: Acre, Amazonas, Roraima e Pará, este último sede da COP 30, que ocorrerá em Belém em 2025.
De acordo com a professora Narjara Mendes, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), a educação ambiental é essencial para reconectar crianças e jovens com a natureza e compreender a complexidade dos conflitos socioambientais e das dinâmicas de consumo. Ela explica que os estudantes vivenciam diretamente os impactos das crises climáticas e que a escola tem o potencial de formar protetores do ambiente e agentes críticos da sociedade de consumo.
O levantamento mostra que, embora a Política Nacional de Educação Ambiental tenha completado 25 anos em 2024, ainda há muito a avançar: um terço das escolas brasileiras não realizou qualquer atividade relacionada ao tema naquele ano.
Isso evidencia a distância entre as políticas públicas e a implementação efetiva nas escolas. Para Mendes, é necessário investir mais na formação inicial e continuada de professores, para que a educação ambiental deixe de ser apenas uma pauta simbólica e se torne parte do currículo cotidiano.
Os dados revelam ainda que a maioria das escolas brasileiras aborda o tema por meio de projetos transversais ou interdisciplinares (64%) e de atividades integradas aos componentes curriculares (52%). Apenas 11% possuem uma disciplina específica de educação ambiental e 10% tratam o tema como eixo estruturante do currículo. Essa diversidade de abordagens indica que o país ainda busca um modelo consolidado para integrar sustentabilidade e ensino formal.
Diferenças regionais e políticas locais
A pesquisa também revelou diferenças expressivas entre redes municipais e estaduais. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a educação ambiental é mais comum nas escolas municipais — apenas 20% não tratam do tema —, enquanto na rede estadual o índice é de 5%. Já no Pará, ocorre o inverso: as escolas estaduais apresentam maior adesão, impulsionadas pela criação da disciplina obrigatória de Educação Ambiental, Sustentabilidade e Clima em todas as etapas da educação básica.
Essa diferença mostra como as políticas locais e estaduais são determinantes para consolidar práticas sustentáveis. O Ministério da Educação reconhece o desafio e afirma ter atualizado, em 2024, a Política Nacional de Educação Ambiental, apoiando cursos de formação para professores e coordenadores pedagógicos, com ênfase em todas as etapas escolares, da educação infantil ao ensino médio.
Na mesma linha, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou, em abril de 2025, um projeto que destina parte dos recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para ações de educação ambiental e sustentabilidade socioambiental. A medida ainda tramita no Congresso, mas representa um avanço no reconhecimento do tema como prioridade nacional.
O impacto das desigualdades e o papel da escola
As desigualdades regionais reforçam um dos maiores desafios para o fortalecimento da educação ambiental no Brasil: o contraste entre a riqueza natural e a escassez de infraestrutura. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID, 2024), a taxa média de conclusão do ensino médio nas regiões amazônicas é de 54%, bem abaixo da média mundial (69%) e da média nacional (48% entre os estados da Amazônia Legal).
Esses números refletem não apenas deficiências estruturais, mas também uma falta de políticas de longo prazo que integrem sustentabilidade, tecnologia e valorização das identidades locais. Como explica Daniela Caldeirinha, vice-presidente de Educação da Fundação Lemann, o futuro da região depende de uma educação que una conhecimento técnico, saber tradicional e consciência ambiental:
“Os estudantes precisam estar preparados para o futuro, em uma relação de valorização com o território e com os desafios das emergências climáticas.”
Referências
- UNESCO – Greening Every Learning Environment: Green School Quality Standard
- Agência Brasil – Projeto Escolas +Verdes quer levar sustentabilidade para as salas de aula
- Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas – Governador Wilson Lima inaugura primeira Escola da Floresta na RDS de São Sebastião do Uatumã
- Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) – Escola estadual do Pará desenvolve projeto de educação ambiental com foco na COP 30
- Fundação Lemann – Lições da Amazônia mostra transformação na educação em territórios
- O Globo – Estados na Amazônia estão entre os que menos têm educação ambiental nas escolas públicas
- Portal 18Horas – Amazonas está entre os estados que menos têm educação ambiental nas escolas públicas, aponta Censo