Escravidão na América Espanhola: um olhar sobre a mão-de-obra colonial

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Escravidão na América Espanhola. Imagem: Wikipedia.

Reflexo de miscigenações, conflitos e hierarquizações, a escravidão na América Espanhola repercute suas raízes até hoje. Resta saber sua História. Por isso, neste texto, vamos ver as motivações e origens do sistema de escravidão na América Espanhola, que teve início com a colonização nas Américas.

Veja também: Como era a economia colonial?

Breve panorama histórico da região: o que se entende por América Espanhola?

De início, perguntaríamos: “quem ‘descobriu’ o Novo Continente (as Américas)?”

Vários nomes poderiam ser citados: Pedro Alvarez de Cabral, em 1500, na América do Sul (que depois viria a se formar o Brasil). Ou mesmo, poderíamos citar Américo Vespúcio, que escreveu sobre a terra recém-descoberta no Norte da América. Seu nome foi utilizado para batizar as terras recém-descobertas.

Ou ainda, o tardiamente reconhecido Cristóvão Colombo, na mesma região, que em 1492, desembarcou com suas caravelas, em acordo com a Coroa Espanhola. Por que não, até mesmo, os próprios Vikings, que como pesquisas recentes sugerem, chegaram 400 anos antes que os espanhóis, britânicos, portugueses e franceses?

Principais tratados territoriais. Um deles: O Tratado de Tordesilhas (1494). Imagem: Blog “Historitura”.

Teríamos mais nomes a serem citados. Contudo, estes já bastam para percebemos que o continente americano não foi exatamente “descoberto” de uma única forma. Foram processos longos e paralelos até o reconhecimento de suas terras, via legalidade burocrática por cada uma das diferentes expedições.

Outros países estariam envolvidos na História do Novo Continente encontrado por Colombo (historicamente reconhecido como o descobridor do continente americano). Colombo, no entanto, demorou a ser reconhecido de tal forma, por achar ter encontrado o caminho para o Extremo Oriente, ou melhor, achou ter chegado no Japão, pensando ele, que as ilhas Antilhas/caribenhas faziam parte deste país.

Expedições espanholas para reconhecimento territorial e expansão da conquista da América. Imagem: Cola da Web.

Assim, já possuindo caráter exploratório, as terras que viriam a ser a América Espanhola deveriam gerar lucros para a Coroa Espanhola e as Companhias Comerciais, criando grandes redes de monopólio entre a Metrópole e a Colônia, por meio do Pacto Colonial.

Após guerras pela ocupação territorial pelos espanhóis, na Mesoamérica e nos Andes, que durou cerca de 40 anos (e até mais, sem contar o enorme tamanho do continente mesoamericano e andino), houve o fim dos Impérios Inca, Maia e Asteca.

Veja também nosso vídeo sobre a “descoberta” do Brasil!

Entenda o fim dos Impérios Inca, Maia e Asteca

Os Astecas foram primeiramente massacrados e o rei asteca, Atahualpa, aprisionado e depois morto, a mando de Hernan Cortez, um dos principais colonizadores que veio depois de Colombo.

Logo após os Astecas, os Incas seriam duramente exterminados, sobrando poucos remanescentes ou descendentes indígenas (fatos históricos comprovados, não distorcidos da realidade ou de suas fontes históricas).

Os Maias, assim como os Astecas, localizavam-se no meio do continente americano e tiveram sua última cidade destruída em 1697. Eram os mais antigos, dentre os Impérios já citados, e estavam no ápice.

Já os Incas, localizavam-se na parte Oeste sul-americana. Por isso, o conflito contra os Incas demorou um pouco mais, não só devido à demora para se chegar à parte sul da América, mas por características geográficas e territoriais que impediam tal chegada, como a Cordilheira dos Andes.

Expansão territorial dos espanhóis em terras ao sul da América. Impérios Astecas, Maias e Incas delimitados no mapa. Imagem: Pinterest.

Dessa forma, o 1º momento da coloniação foi de reconhecimento da terra e de conquista de pequenas regiões, tais como as ilhas antilhanas, e durou de 1492 a 1519.

O 2º momento foi marcado pela chegada de Cortéz, em 1519 a 1521, com a conquista do Império Asteca.

Por fim, mas não o fim da História da colonização, houve um 3º momento de expansão, com Pizarro, com a conquista dos Incas, de 1529 a 1532.

A partir de 1556, as coisas haviam se consolidado no continente e os espanhóis passaram a iniciar de forma mais organizada sua administração colonial e melhoramento da exploração territorial. Introduziram a economia canavieira, e uma melhor gestão e mineração do ouro e prata, que eram mais abundantes nessas partes da América.

América Espanhola: Territórios antes da independência dos Vice-Reinos Latino-Americanos (1800). Demarcação feita com o início da administração colonial. Imagem: Blog Acrópole.

O início de tal gestão dos territórios foi a demarcação de uma sociedade altamente estratificada, tanto quanto a sociedade brasileira, mas com diferenças.

Por que pensar na divisão social?

Foi por meio da estratificação social e das origens étnicas (raciais) e de nascimento, que o trabalho, para cada ser vivo na América Espanhola, era dividido. É através das razões étnicas e da perspectiva “colonizador versus colonizado”, que a escravidão, através da força laboral, é sentida, vivenciada e aplicada.

Hierarquia social nas colônias espanholas: 1. Chapetones; 2. Criollos; 3. Mestiços; 4. Índios e 5. Negros escravizados. Imagem: Blog Facilitando a História.

Mas o que é escravidão?

Quando se trata de escravidão, é comum que seja lembrada a escravidão do período colonial, mas acontece que, o significado possui amplas variações, pois o ato de escravizar é ação que encontramos até nos dias atuais, em meio a globalização em que vivemos.

O dicionário Michaelis nos pontua algumas definições semânticas sobre a palavra escravidão, tais como:

1ª) Condição daquele que é escravo; cativeiro, escravaria, escravatura; 2ª) Sistema social e econômico fundado na escravização de pessoas; exploração do trabalho escravo; escravagismo, escravatura, escravismo […]; 3ª) Condição de falta de liberdade; submissão a uma autoridade despótica.

A 2ª definição é a que mais importa, visto indica sistema que viabiliza esse tipo de exploração. Obviamente, a escravidão nos tempos coloniais e até na Idade Antiga era permitida por lei ou pelo Estado. Hoje, não mais é permitido por lei ou pelo Estado.

Há que se pensar ainda que a escravidão aplicada na Antiguidade, bem como na Idade Moderna e o atual contexto de trabalhos análogos à escravidão, encontrados na nossa contemporaneidade, apesar de carregarem o conceito de escravidão, não foram ou não são aplicados de igual forma.

Ou seja, cada tipo de exploração do trabalho é diferente, apesar de carregarem igual conceito (escravidão). No entanto, tomamos estes tipos, associando-os à categoria de trabalhos escravos ou ao termo escravidão, pois eram exercidos por pessoas não-livres, cativas, escravas, ou ampliando, de trabalhadores compulsórios.

Isso também engloba a 3ª definição do dicionário Michaelis. Tinham filhos e até formavam famílias. Mas o contexto de hierarquização, em relação a sua condição social, era o determinante e isso se aplica ainda à escravidão que vemos hoje, na era da globalização, mas ilegal.

A escravidão ilegal no mundo globalizado atual. Na América Espanhola, a escravidão de negros era legalizada. Imagem: Walk Free Foundation.

Na historiografia tradicional não houve um sistema propriamente escravocrata indígena na América Espanhola, em termos de lei e burocracia, pois os repartimientos (como veremos em seguida, que foi um sistema de força de trabalho que se fixaria), não foram instalados de igual forma à escravidão negra.

Apesar da bula papal e da amenização do trabalho ameríndio pelos primeiros colonizadores, como Cristóvão Colombo, tanto índios, quanto escravos africanos se situavam neste conceito geral chamado “escravos”.

Por quê? Por conta da utilização explorativa de sua força de trabalho e pela compulsoriedade e controle de sua força laboral.

Sim, houve escravidão. Mas a escravidão indígena (chamada de trabalho compulsório) foi diferente da escravidão negra. Escravidão não-institucionalizada para indígenas (para fugir das bulas papais) e institucionalizada, para escravos africanos.

A comparação central está entre escravização versus liberdade. E não exatamente, entre diferenças conceituais (que também existem), no que se refere aos termos: trabalho escravo, trabalho compulsório e trabalho livre-assalariado (onde este último termo surgiu com o início da industrialização, na idade contemporânea).

Alguns autores até sugerem que a fórmula humana de controle de trabalho, ocorrida na América Espanhola, não se encontrou em nenhum outro lugar e não podemos defini-la com exatidão. A obrigatoriedade não significa ausência de escolha, mas de liberdade, em termos materiais.

Rebelar-se, fugir ou se associar aos espanhóis para que sua etnia não fosse subjugada, tanto quanto aos povos rivais, eram escolhas possíveis.

Mas em termos de perspectiva de escolha laborial, isso não existia. Nem mesmo a de escolher não trabalhar e viver da agricultura. Com a chegada dos espanhóis, tais possibilidades não existiam mais.

De onde vinha a mão-de-obra escrava? Para quem? Para o quê? Quanto tempo duraria a escravidão na América Espanhola?

De onde vinha essa mão-de-obra? Dos indígenas, na América e, posteriormente, do tráfico negreiro africano. Ou seja, vinha da própria América e da África.

O que se seguiu, após fixação dos espanhós em solo sul e mesoamericano, foi a implantação da mão-de-obra escrava indígena, devido a uma maior formalização do processo de colonização, concediam-lhes direito e deveres.

Um dos seus deveres era cristianizar os indígenas das mais diversificadas etnias e lhes fornecer suporte para a catequização, por meio das missões jesuítas, que iriam chegar de forma mais organizada por volta de 1576.

Antes, mesmo com a liberdade indígena requerida, em 1532, pelo papa Paulo III, não houve muito consenso no que diz respeito a colonização espanhola, visto que o número de indígenas era muito maior nestas regiões do que nas terras encontradas no leste sul-americano, ou seja, no Brasil.

Os aldeamentos e os “núcleos de missioneiros” eram comuns, onde um dos direitos dos espanhóis era o de utilizar a força laboral indígena para a exploração das minas de ouro e prata, encontradas em 1545, logo no início da colonização, com as descobertas das Minas de Potosí e Descoberta. Além das próprias atividades agrícolas e pecuárias.

Esta 1ª fase da exploração laborial (primeira metade do século XV) se dava na forma de encomiendas (por meio do trabalho agrícola), por meio das comunidades indígenas e dos aldeamentos missioneiros.

Além disso, havia o uso da mita (forma de trabalho utilizado pelos povos ameríndios, os incas), reapropriado pelos espanhóis, onde uma tribo escolhida ia trabalhar nas grandes minas, recrutadas de maneira forçosa, em troca da sobrevivência ou de microscópicos salários.

A 2ª fase da colonização (segunda metade do século XV até o século XVII) envolveu a economia canavieira (sistema de plantations, com a cana-de-açúcar) e exploração do ouro e prata. Já no século XVI, os espanhóis eram o maior produtor de prata mundial.

Esta 2º fase envolveria o início da vinda de escravos africanos ao Novo Continente e modificou a forma de exploração do trabalho indígena de encomiedas e mitas para o chamado repartimiento. Já o sistema escravocrata seria implantado por meio do tráfico negreiro, através do trabalho escravo.

Boa parte desses escravos vinham da África Central, e mais tarde, dessa mesma região e do Sul da África. No caso, de macrorregiões como: Congo, Nigéria e Guiné, apenas citando alguns centros independentes africanos ou algumas já tidas colônias africanas pelos europeus.

Para quem era essa escravidão?

Para os espanhóis, colonizadores e demais, que se instalavam na região, visto que as ilhas caribenhas pertenciam de forma repartida, a ingleses e franceses. O Haiti, por exemplo, foi colônia francesa.

Estes colonizadores buscavam força laboral que não podiam encontrar nos cidadãos de seu próprio país, e devido ao pensamento naquela época, de subjugação dos povos encontrados e conquistados. E mais tarde, este pensamento é reforçado com a instalação da administração colonial, em meados do século XV, por meio da origem étnica e econômica, através da estratificação social.

Para o que era essa escravidão?

Para o que era essa escravidão? Para um objetivo material chamado “lucro”. Servia para o lucro da Metrópole, dentro de uma cadeia mercantilista econômica de mundo colonial e de início da Era Moderna, que só iria ser modificada com advento da industrialização e do que conhecemos como Idade Contemporânea.

E dentro dessa perspectiva, servia ainda para a balança comercial favorável, que precisava deixar os tesouros públicos espanhóis em superávit, às custas da exploração colonial.

No caso, uma a firmação pelos historiadores e demais estudiosos de que os objetivos eram de caráter exploratório, seguem, sem nenhuma tendência de julgo de valores, um resumo dos documentos históricos encontrados, das demais outras fontes históricas e do que já sabemos do ocorrido em nossa própria cultura e história.

Quanto tempo duraria esse período da escravidão na América Espanhola?

Da chegada dos europeus às regiões que depois se tornariam a América Espanhola (seguindo o Tratado de Tordesilhas), bem como as demarcações que geraram as colônias territoriais espanholas (estados controlados pela metrópole), até a utilização da mão-de-obra escrava negra e indígena. Enfim, do início de todos esses acontecimentos, até o início da primeira abolição da escravatura negra nas Américas, foram longos 300 anos.

Além disso, as motivações de independência das colônias espanholas e caribenhas/antilhanas e os conflitos internos para se libertar da metrópole foram o estopim para as sucessivas rebeliões escravas.

Veja também nosso vídeo sobre abolição da escravatura no Brasil!

As iniciativas de abolição foram um marco que só viriam a ocorrer no século XIX, de forma complementar em todo continente americano. O Brasil seria o último país da América a abolir a escravidão negra.

A abolição do trabalho escravo negro e o fim do tráfico negreiro na América se iniciou com o sucesso da abolição no Haiti (em 1804). Especificamente na América Espanhola (já que o Haiti era colônia francesa e pertencia a região caribenha), o primeiro país ou estado espanhol a abolir a escravidão negra foi o Chile, em 1811, e depois, de forma mais ampla, em 1823.

Logo após, ocorreu na Bolívia, em 1826. Seguida de México, em 1829. E também, na Argentina, em 1853. O Peru aboliu a escravidão em 1855. Cuba, em 1879 até 1886. Isso, apenas citando os principais países da América Espanhola.

Linha do tempo do fim da escravidão nas Américas. Nota-se mudança nas demarcações territoriais, já tendo início o processo de independência de algumas colônias espanholas, formando os países latino-americanos. Imagem: Instituto FGV.

A decolonialidade e as heranças da colonização

Mesmo após a independência das colônias espanholas, a estratificação social foi mantida, fruto da herança colonial. Mesmo após abolições escravocratas. Um termo muito interessante que nos ajuda a entender a continuidade desses processos, até mesmo nos dias atuais, surge de uma palavra chamada decolonialidade.

O que seria decolonialidade?

O termo teve origem em fins do século XX, como conceito e teoria, com um grupo de estudiosos (tais como Walter Mignolo, Catherine Walsh, Aníbal Quijano, entre outros) que viam a necessidade de se estudar a colonialidade na América Latina de uma outra forma, com um outro olhar, e percebendo que se precisava estudar a colonização latino-americana com termos e categorias próprias.

Como ressaltam Oliveira e Lucini (2021), a decolonialidade:

“[…] é um termo que emergiu da necessidade de ir além da ideia de que a colonização foi um evento acabado, pois entende-se que este foi um processo que teve/tem continuidade, mesmo tendo adquirido outras formas”

Não é nada muito polêmico. É apenas um conceito que nos ajuda a enxergar a colonialidade e a escravidão ocorridas não apenas pela ótica do colonizador, mas do colonizado, sem vitimismos.

Palavras como resistência e emancipação são mais bem aplicadas à história dos índios, negros e pardos que, na prática, foram os mais atingidos com o modo de trabalho aplicado, principalmente porque esse modo de trabalho era exercido de acordo com origem social e cor.

Pensar a continuidade dessa colonização e perceber, por evidências implícitas e explícitas que os efeitos de tal acontecimento ainda perduram, através de fatores como:

  1. Violência contra indígenas ou seus descendentes;
  2. Maior morte da população negra atual;
  3. Maior nível de pessoas negras ou pardas nos sistemas carcerários;
  4. Demarcação de terras indígenas, educação desigual.

Entre outras séries de problemas que são frutos marcantes do efeito dessa colonização e da luta desses grupos por espaço político, social e cultural.

Veja também: Colonialidade e Decolonialidade: você conhece esses conceitos?

Contextualizando

Dessa forma, o tema sobre Escravidão na América Espanhola é bastante amplo e bem mais subdivido se compararmos à escravidão ocorrida no Brasil. As sequências de independência dos países, bem como o encadeamento das abolições escravocratas, estão totalmente interligadas ao desenvolvimento social, político e histórico dessas regiões.

Compreender “para quem” era essa escravidão, “para o quê”, e o “quando”, além das diferenças no processo de construção desse acontecimento, permite entender os demais temas históricos que envolvem esses países e as continuidades e diferenças no sistema trabalhista atual, na América central e do sul.

E aí, conseguiram compreender, de forma geral, o que foi a escravidão na América Espanhola e o quanto o tema é importante para os dias atuais? Conta nos comentários!

Referências:
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Capitulino, Gisely. Escravidão na América Espanhola: um olhar sobre a mão-de-obra colonial. Politize!, 13 de dezembro, 2022
Disponível em: https://www.politize.com.br/escravidao-na-america-espanhola/.
Acesso em: 11 de dez, 2024.

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