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Extinção de municípios: entenda a proposta

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Última atualização em 26 de janeiro de 2021

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro, durante entrega do Plano mais Brasil – Transformação do Estado ao presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro, durante entrega do Plano mais Brasil ao presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O tema da extinção de municípios com até 5 mil habitantes e insustentabilidade financeira vem movimentando paixões no final de 2019. A proposta lançada no último dia 05 de novembro pelo atual presidente Jair Bolsonaro e seu Ministro da Economia, Paulo Guedes, é um dos elementos do chamado “Plano Mais Brasil“, e revive um debate antigo sobre quais devem ser os critérios para a criação e manutenção de um município no país.

Mas afinal, qual é a ideia por trás da proposta? Qual a legislação atual para os municípios e o que muda caso o projeto seja aprovado? Quais os argumentos favoráveis e contrários sobre esse tema? Neste texto, o Politize! esclarece isso e muito mais pra você. Vem com a gente!

O que é um município?

Antes de mais nada, é importante conhecer o tema de que estamos tratando. O que queremos dizer quando falamos de um município? E como eles vem sendo entendidos nos últimos anos?

Municípios são a entidades mais básicas da República Federativa do Brasil., dotadas de certa autonomia administrativa e legislativa. Na prática, de forma simplificada, um município é uma porção de território no qual existe ocupação humana.

É importante não confundirmos município com cidade. Uma cidade é o centro urbano do município e normalmente o local de onde ele é administrado. Mas o município também é composto por outras áreas, como áreas rurais e áreas de rodovias, além de poder ser dividido em distritos.

Uma boa forma de perceber isso é viajando de carro ou ônibus de uma cidade para a outra. Algum tempo depois de sair da cidade, podemos ver nas rodovias placas que marcam a fronteira entre um município e outro. Experimente dar uma olhada na próxima vez que viajar!

Mas para que o município existe?

Basicamente, para facilitar a administração a nível local. O município é responsável por algumas funções como: cuidar do transporte público, da coleta de lixo, da iluminação, e outros serviços locais, além de cuidar da saúde municipal e da educação básica (creches, educação infantil e primeira parte do ensino fundamental). O artigo da Constituição que define as responsabilidades comuns entre União, Estados e Municípios é o Artigo 23.

Além dele, é interessante observar em nossa Carta Magna o Artigo 18, que reconhece que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos“. Ou seja, segundo a Constituição, os municípios são unidades autônomas.

E o que significa essa autonomia? De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios: “Autonomia é a expressão usada para indicar a capacidade de autogoverno, auto-administração e auto-organização dos Municípios”. Em bom português significa que o município pode ter um governo próprio (Prefeitura e Câmara Municipal), pode administrar os próprios recursos e pode ter suas próprias leis, desde que não entrem em conflito com leis estaduais e federais.

Saiba mais: Você já ouviu falar em Lei Orgânica do Município? Conheça e saiba sua importância!

Os municípios sempre foram autônomos?

Conforme trazido por Cristina Thedim Brandt (Consultora Legislativa do Senado), no artigo “A criação de municípios após a Constituição de 1988”, a Constituição de 1988 foi fundamental para estabelecer a atual configuração dos municípios.

De acordo com a autora, a história do Brasil foi marcada por centralizações e descentralizações, e isso refletiu diretamente na autonomia dos municípios.

Esse contraste pode ser percebido nas Constituições de 1934 e 1937. A Constituição de 1934, permitia às cidades brasileiras eleger prefeitos e vereadores (à exceção das capitais e de regiões vistas como de segurança nacional, onde os prefeitos eram nomeados por governadores ou Câmaras Municipais). Já na Constituição de 1937, a escolha dos prefeitos volta para os governadores (artigo 27).

Na Constituição de 1946 foi restaurada a eleição para prefeitos e os municípios passaram a ter assegurada a sua participação em recursos tributários (provenientes de impostos). Na Constituição de 1967, a eleição para prefeitos se manteve, mas a criação de municípios passou a ser determinada tanto por leis estaduais quanto por uma lei complementar, a Lei Complementar Nº 1/1967. De acordo com essa lei, para que um município fosse criado, era necessário que atendesse 4 critérios:

  • possuir população estimada superior a 10.000 habitantes ou não inferior a 5  milésimos da existente no Estado;
  • possuir ao menos 10% de população apta a votar;
  • possuir um centro urbano já constituído, com mais de 200 casas;
  • ter tido arrecadação, no último exercício, de 5 (cinco) milésimos da receita estadual de impostos.

Saiba mais sobre as Constituições do Brasil!

Na Constituição de 1988, os municípios tiveram assegurada uma séria de garantias, como sua autonomia política para eleger representantes e criar sua própria lei orgânica e autonomia administrativa, para definir seu modelo de administração. Algumas outras garantias trazidas pela Constituição foram:

  • Ampliação dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios, passando de 17% para 22,5% sobre o Imposto de Renda e o IPI;
  • A permissão para a remuneração de todos os vereadores, e não apenas os das cidades com mais de 100 mil habitantes. Os salários passaram a ser determinados pelas Câmaras Municipais.

Além disso, a Constituição de 1988 trouxe novos critérios para a criação de municípios. Vejamos quais são eles.

A criação de municípios na Constituição de 1988

Em um primeiro momento, a Constituição estabeleceu apenas três critérios para a criação de um município:

  • A preservação da unidade histórico-cultural do ambiente urbano;
  • A determinação em lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em Lei Complementar Estadual. (Entenda tudo sobre os Tipos de Lei em nosso post)
  • Consulta prévia às populações diretamente interessadas.

Isso levou a um grande aumento na criação de municípios. Na tabela organizada por Cristina Brandt, podemos ver que entre 1889 e 2001, 1181 municípios foram criados no Brasil. Veja esta e outras tabelas no artigo de Cristina Brandt.

Em 1996 a Emenda Constitucional Nº15  adicionou os elemento “Lei Complementar Federal” e “Estudo de Viabilidade Municipal” no artigo 18, § 4º da Constituição, colocando uma espécie de freio na criação de municípios, pois até os dias de hoje essa lei ainda não foi criada. O parágrafo 4, desde então, tem essa estrutura:

 A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei

Aqueles municípios que já estavam sendo criados antes da Emenda tiveram sua garantia de criação assegurada pela Lei Complementar 10.521 de 2002.

Desde então, houveram tentativas para a criação da lei complementar federal, mas elas terminaram vetadas pela presidência. Nos últimos anos, a Câmara voltou a abordar a questão, debatendo o o PLP 137/15.

Hoje em dia, o Brasil conta com um total de 5.570 municípios. O estado com o maior número deles é Minas Gerais (853) e o com o menor número é Amapá (16).

Agora que já temos uma noção maior sobre o que são municípios e um breve contexto histórico sobre eles, é hora de entender a proposta de extinção de alguns deles e o que vem sendo dito sobre ela.

O projeto da Extinção de Municípios

O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, apresenta à imprensa as propostas do Pacto Federativo (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, apresenta à imprensa as propostas do Pacto Federativo, entre elas a extinção de municípios (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

A ideia da extinção de municípios é um dos elementos do Plano Mais Brasil, que chegou ao Senado em novembro de 2019, levado pelo atual presidente, Jair Bolsonaro, e pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes.

O Plano Mais Brasil propõe uma reforma de Estado, baseada em três PECs (Propostas de Emenda Constitucional): o Pacto Federativo, a PEC emergencial e a PEC dos fundos.

Saiba mais: o que é uma PEC?

A extinção dos municípios entra na PEC do Pacto Federativo (PEC 188/19), entendido como a mair abrangente entre as 3 PECs.

O Pacto Federativo, como trazido por Paulo Guedes seria  “uma transformação do Estado brasileiro […] a consolidação de uma cultura fiscal, de austeridade e sustentabilidade fiscal”. A ideia central é alterar a maneira como a União, os estados e os municípios arrecadam receitas e dividem as responsabilidades entre si. Quer entender mais sobre ele? Temos um texto completo esperando por você!

O que a PEC do Pacto Federativo propõe sobre os municípios?

Em um primeiro momento, ela propõe que a Lei Complementar Federal (aquele elemento colocado na Constituição em 1996 e que ainda não existe) determinasse não só o período de criação, como está escrito na Constituição, mas também os critérios de viabilidade financeira para a criação e desmembramento de municípios.

E quanto a extinção de municípios? Ele aparece no Artigo 115 da PEC, que estabelece o prazo de 30 de junho de 2023 para que os os municípios com até 5.000 habitantes (medidos no Censo de 2020) comprovem sua sustentabilidade financeira. Caso eles não comprovem, deverão ser incorporados a municípios limítrofes (com os quais fazem fronteira) a partir de 1º de janeiro de 2025.

O município incorporador será aquele mais sustentável financeiramente entre os vizinhos e cada município incorporador poderá absorver até 3 outros municípios.

Por exemplo, se temos dois municípios hipotéticos Politize! e Democracia, o município Politize! tem menos de 5.000 habitantes é insustentável financeiramente e o município Democracia tem mais de 5.000 e é sustentável financeiramente, Politize! deixa de existir em 2025 e seu território, estrutura e recursos passam a fazer parte de Democracia.

E o que seria essa sustentabilidade financeira que os municípios devem provar? Basicamente, ela é entendida, no § 1 do Artigo 115 da PEC, como “a comprovação de que o respectivo produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 da Constituição Federal corresponde a, no mínimo, dez por cento da sua receita”. Ou seja, que o município consiga ao menos 10% de sua receita com impostos locais.

Quais são as outras fontes de renda do município?

Além dos impostos municipais, são outras três:

  • O Fundo de Participação dos Municípios: é composto por 24,5% das arrecadações com Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além de 25% do que os estados recebem de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e 50% do que recebem sobre Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). A quantidade desse fundo destinada para cada município é determinada pelo Tribunal de Contas da União, com base no número de habitantes e na renda per capita do estado.
  • Emendas parlamentares: são formas pelas quais Congressistas podem destinar parte do orçamento da União para seus estados e, com isso, os estados podem distribuir essas verbas para os municípios. Confira mais sobre Emendas Parlamentares em nosso post.
  • Transferências: Possibilidade de estados transferirem voluntariamente verbas para municípios. Normalmente acompanham obras ou serviços públicos.

Quantos municípios seriam afetados?

Essa número varia de estudo pra estudo. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) seriam 1.217 municípios afetados. Já o governo fala em 1130 municípios. De acordo com a FGV esse número seria de 1.040 municípios.

A discussão sobre o tema

A proposta movimentou argumentos favoráveis e contrários.

Argumentos favoráveis

  • O atual presidente Jair Bolsonaro defendeu a proposta, afirmando que não se trata de perseguição, mas de viabilizar as administrações.

“Se depois de cinco anos o município não tiver uma renda superior a 10%. Noventa por cento da receita do município vir do FPM (Fundo da Participação dos Municípios)? Pelo amor de Deus. Não dá nem pra pagar os vereadores que o município faz[…]a ideia não é perseguir ninguém, mas esse município tem que voltar a ser distrito.”

  • A ex-secretária da Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, conforme trazido pela revista Exame, também se manifestou defendendo a proposta de Guedes.

“O que a gente vê hoje é uma proliferação de municípios sem nenhuma condição de se financiar, o que é um desperdício de recursos, porque cria-se a necessidade de uma administração pública que é cara, Câmara de vereadores, prefeitura, toda uma estrutura administrativa que drena recursos públicos e não se justifica tendo em vista a capacidade do próprio município de se financiar. isso vai permitir que esses recursos seja direcionado para a população e não para uma máquina”.

Argumentos Contrários

  • A Confederação Nacional dos Municípios, em nota, questionou o critério adotado, trazendo que 82% dos municípios brasileiros possuem menos de 10% de receitas próprios. Dessa forma, esse não seria um bom indicador de eficiência. Novos indicadores seriam necessários

A Confederação questiona: o que aconteceria com as populações desses Municípios se aprovado o previsto na PEC? A análise de uma cidade não pode ser realizada dessa forma. Os principais indicadores a serem considerados devem ser a população e os serviços públicos prestados. Afinal, é para isso que serve o poder público – prestar e entregar condições básicas para que seus cidadãos possam progredir e produzir, pagar impostos e promover o crescimento econômico e social. Somente assim o Brasil pode se desenvolver. (Nota da CNM)

  • A Frente Nacional dos Prefeitos, também em nota, apontou que faltou diálogo com as prefeituras e que:

 […]a alternativa mais adequada não passa necessariamente pela diminuição no número de municípios; deveria passar preliminarmente pela combinação de medidas estruturantes […] e a implementação de um índice oficial que meça a eficiência na arrecadação dos tributos próprios dos entes subnacionais

A PEC do Pacto Federativo, assim com os outros elementos do Plano Mais Brasil seguem para discussão no Congresso Nacional. Como são Emendas à Constituição, precisam ser aprovadas em dois turnos na Câmara e no Senado, por pelo menos 3/5 de cada uma das casas. O Politize! segue acompanhando e te informando sobre esse e outros temas da política brasileira.

E você, o que pensa me relação à extinção de municípios? Compartilhe conosco nos comentários a sua visão =)

Referências:

Neritpolítica (Sobre as responsabilidades municipais) – Stoodi (O que é um município)Wikipedia (O que é um município)Nexo (O que é preciso para criar um município no Brasil?)Exame (Relator Sugere plebiscito sobre extinção de municípios)Veja (Governo propõe extinção de municípios)Nexo (Disputa em torno da extinção de municípios)Poder 360 (Por que a proposta de extinção de municípios não é uma boa ideia)Estado de Minas (Extinção de municípios por falta de recursos) – Nota da Frente Nacional de Prefeitos – Nota da Confederação Nacional de Municípios – O Tempo (Bolsonaro sobre extinção de municípios) – Exame (Posição de Ana Carla Abrão)

BRANDT, Cristina Thedim. A criação de municípios após a constituição de 1988: o impacto sobre a repartição do FPM e a emenda constitucional nº 15 de 1996. id/496919, 2010.

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Conteúdo escrito por:
Coordenador do portal e da Rede de Redatores do Politize!. Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Apaixonado por Política Internacional e pelo ideal de tornar a educação política cada vez mais presente no cotidiano dos brasileiros.

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