10 anos da Lei de Cotas: o que mudou?

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Em um país no qual a desigualdade prevalece, as políticas afirmativas no Brasil nasceram a partir da ideia de reparação histórica, cultural e social. Dessa forma, no âmbito educacional, a Lei N° 12.711/2012, conhecida popularmente como “Lei de Cotas”, foi projetada para reduzir a exclusão social frente ao legado dos 300 anos de escravidão.

Neste artigo, a Politize! explica sobre o que é a Lei de Cotas, quem tem direito, o que pode acontecer com a revisão da legislação e o que mudou nas universidades e institutos federais após dez anos da aplicação da lei.

O que é a Lei de Cotas? Quem tem direito?

O ano de 2012 foi um marco para a história das ações afirmativas universitárias no Brasil. Após muita luta do movimento negro, a Lei N° 12.711, foi promulgada em 29 de agosto de 2012. A lei garante a reserva de 50% das vagas nas universidades e instituições federais de ensino técnico de nível médio para pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escola pública.

As instituições públicas de ensino devem garantir a reserva de vagas na proporção em que eles formam a população do estado, conforme cálculo do IBGE. Isto é, se a hipotética Universidade Politize ofertar 100 vagas no Sistema de Seleção Unificada, SISU, ela deverá oferecer as vagas de acordo com a demanda do seu estado.

No estado hipotético em que a Universidade Politize está estabelecida, 20% da população são pretos, 32% são pardos, 8% são indígenas e 6% são pessoas com deficiência. Portanto, das 50 vagas destinadas as cotas, 10 vagas são para negros, 16 vagas para pardos, 4 vagas para indígenas e 3 vaga para pessoas com deficiência.

As demais vagas são para estudantes de escola pública com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita, e, para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio.

Como surgiu a Lei de Cotas

Embora sancionada em 2012, a Lei de Cotas é resultado de um conjunto de lutas sociais por parte do movimento negro, ocorridas durantes décadas antes da sua promulgação. Em 2002, as universidades estaduais da Bahia e do Rio de Janeiro, UNEB e UERJ, tornaram-se precursoras na implementação de ações afirmativas para o ingresso de pessoas negras nas universidades. Já no âmbito federal, a Universidade de Brasília, UNB, é vanguardista, adotando as políticas de cotas desde 2004.

Fazendo o recorte racial da lei citada, em especial para negros, é imprescindível ressaltar os dados étnicos raciais oficias no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Pnad, em 2019 cerca de 46,8% dos brasileiros se declararam como pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas. Pardos, pretos e indígenas no Brasil somam cerca de 56,2% da população brasileira.

Ainda que a maioria da população brasileira seja representada por pessoas não brancas, a ocupação e representação desses corpos nas instituições acadêmicas são minoria. Nesse sentido, a Lei de Cotas visa compensar e equiparar a representação de negros, indígenas e pessoas com deficiência nas universidades e instituições federais.

Veja também nosso vídeo sobre direitos étnico-raciais

Revisão da Lei de Cotas

De acordo com o artigo 7 do texto da Lei de Cotas, após dez anos da sua publicação, a legislação deverá passar por uma revisão por se tratar de uma política afirmativa temporária.

A Lei de Cotas, que estava prevista para ser revisada após dez anos da sua aplicação, no ano de 2022, ainda não foi revisada. A revisão da legislação está prevista para acontecer em 2023, logo após a posse do atual governo.

O termo “revisão” refere-se à necessidade de analisar a política pública, identificando os resultados, para, então, discutir a real necessidade de ser ampliada, mantida ou reduzida. A lei atual permanecerá em vigor, isto é, as cotas não podem ser revogadas automaticamente nem correm o risco de ser extintas, pois não existe determinação que vise o seu término.

No momento, a Lei de Cotas ainda não foi revisada, contudo, há um projeto de lei em processo de tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), que transfere a revisão da legislação para 2042, transformando o prazo de dez para trinta anos após a sua publicação.

O projeto ainda será analisado pelas comissões de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência; de Direitos Humanos e Minorias; de Educação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Segundo levantamento de dados da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, ABPN, atualmente há 67 projetos de lei no Congresso que propõem alteração na Lei de Cotas. 31 destes projetos visam restringir os efeitos da legislação vigente. Apesar da discussão tramitar no Congresso Nacional, não existe um direcionamento no texto da legislação que defina quais órgãos serão responsáveis pela discussão da revisão.

Vale ressaltar que a revisão da Lei de Cotas não se aplica a concursos públicos, visto que são legislações distintas. A Lei N° 12.990/2014, que dispõe a reserva de 20% das vagas para pessoas negras nos concursos públicos, também será objeto de revisão, mas somente em 2024, dez anos após a sua publicação.

Quais mudanças podem acontecer com a revisão da Lei de Cotas?

O processo de revisão pode estabelecer novos critérios. Algumas dessas mudanças são:

Exclusão do critério racial

Um dos principais pontos de discussão sobre a Lei de Cotas é a manutenção ou exclusão dos critérios raciais aplicados pela legislação. Em seu texto atual, pretos, pardos e indígenas formam uma subcota dentro do grupo de estudantes da rede pública. Há uma discussão para que haja apenas uma classificação por renda. De acordo com o pesquisador do IESP da UERJ, Luiz Augusto Campos, esse é um tópico relativamente pacífico entre grupos de direita, centro e esquerda.

Veja também nosso vídeo sobre racismo estrutural

Reforço do controle de fraudes

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu o uso de dois critérios: de autodeclaração do candidato ou de classificação feita por comitês de heteroidentificação, a fim de prevenir fraudes. Estes, não são obrigatórios pela Lei de Cotas em seu texto atual.

Garantir mais investimentos e políticas de permanência estudantil

Atualmente, como a Lei de Cotas não prevê nenhuma obrigatoriedade da criação de políticas de permanência estudantil, como auxílios financeiros, as iniciativas partem voluntariamente das próprias universidades.

Dez anos depois: o que mudou?

Pela primeira vez na história da educação brasileira, a população autodeclarada preta ou parda passou a representar mais da metade dos matriculados nas universidades públicas do Brasil.

A pluralização no ensino superior brasileiro trata-se de um grande avanço em nosso país extremamente desigual e violento, marcado pelo legado dos 300 anos de escravidão. Nas universidades de São Paulo, por exemplo, o número de alunos pretos, pardos e indígenas nas instituições federais triplicou desde a criação das políticas afirmativas: segundo dados do Censo de Educação Superior, realizado pelo INEP, em 2012, apenas 8% dos alunos se declararam pretos, pardos e indígenas, e, em 2020, eram cerca de 28%.

Com a criação e implementação da Lei de Cotas, não só as salas de aula foram transformadas, mas também, a vida de muitos estudantes brasileiros que viviam às margens da sociedade, sem expectativa de conseguir entrar na universidade.

Lei de Cotas e evasão escolar: um desafio para as instituições públicas de ensino

Sobre os desafios da Lei de Cotas, professores universitários concordam que a garantia da permanência desses alunos nas universidades é prioridade. Para eles, não basta dar acesso às universidades, é necessário garantir a sua permanência.

Para alunos de universidades públicas, a Lei de Cotas não protege os estudantes de diversos outros fatores durante a graduação que impedem a conclusão do curso, como trabalho e baixa quantidade de bolsas de auxílio financeiro, a permanência dos alunos cotistas não é necessariamente garantida pelo sistema de cotas.

A falta de políticas de permanência estudantil facilita a evasão do estudante com maior vulnerabilidade econômica, que muitas vezes necessita trabalhar e fica sem tempo para a graduação.

Nenhuma legislação ou ação isolada é o suficiente para garantir a democratização ao acesso ao ensino superior nas universidade, é necessário um conjunto de ações que garantam a permanência destes que são marcados pelo racismo estrutural dentro das instituições de ensino.

Que tal ler um pouco mais sobre cotas raciais? A Politize! tem o artigo perfeito para você!

REFERÊNCIAS

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Filha da Bahia e apaixonada por temas que envolvem democracia e educação política, acredita que os jovens são seres revolucionários capazes de transformar a sociedade por meio da democracia. Se não os jovens, quem?

10 anos da Lei de Cotas: o que mudou?

30 abr. 2024

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