Em maio de 2006, São Paulo viveu uma onda de violência com ataques do PCC e uma resposta do Estado, que deixou centenas de mortos e desaparecidos.
Dessa tragédia nasceu o Movimento Mães de Maio, formado por mulheres que transformaram o luto em luta por justiça e direitos humanos.
A seguir, a Politize! apresenta a história desse movimento, e a importância dele para o fortalecimento da democracia brasileira. Acompanhe a leitura!

Maio de 2006 e o terror no estado de São Paulo
Às vésperas do Dia das Mães de 2006, o estado de São Paulo foi abalado por uma série de ataques coordenados atribuídos ao Primeiro Comando da Capital (PCC) 一 maior facção criminosa do estado paulista 一, que resultaram na morte de dezenas de agentes públicos e em rebeliões simultâneas em presídios.
Entre os dias 12 e 14 de maio de 2006, estima-se que 33 agentes de segurança pública e 51 civis foram assassinados em São Paulo.
A organização estaria revidando a transferência de parte das suas lideranças, totalizando 765 faccionados, para o presídio Presidente Venceslau, no interior do estado, sem aviso às famílias dos presos, que se viram impossibilitadas de realizar visitas no Dia das Mães.
A resposta das forças de segurança foi imediata e brutal: durante os dias que se seguiram, centenas de pessoas foram executadas em ações policiais e paramilitares, especialmente na Baixada Santista, e dezenas desapareceram sem explicação.
Centenas de policiais e agentes paramilitares saíram às ruas, e o confronto com o PCC ocasionou 564 mortes em ações violentas, que se estenderam até o dia 20 de maio.
A atuação do PCC durante Maio de 2006
As ações criminosas do Primeiro Comando da Capital em Maio de 2006 se estenderam por toda a Grande São Paulo, parte do litoral e do interior do estado paulista.
Segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, nesse período foram registradas mais de 80 rebeliões em presídios de todo o estado, 300 atentados em delegacias e postos de segurança.
De acordo com o Laboratório de Análise da Violência (LAV-UERJ), estima-se ainda que 82 ataques a ônibus, 56 a casas de policiais, 17 a bancos e caixas eletrônicos. Entre os mortos durante confrontos, 107 eram civis, com um saldo final de 38 agentes e 16 civis feridos.
Com receio de um escalonamento da violência, boa parte das instituições públicas fecharam as portas, aumentando o sentimento de caos generalizado e insegurança na população, que apenas se agravou com os acontecimentos que se seguiram no decorrer do mês.
O fim dos ataques do PCC em 14 de maio ocorreram após uma reunião no presídio Presidente Bernardes entre o líder da facção Marco Camacho, o Marcola, e parte da gestão do governo do estado paulista.
De acordo com o Estadão, a situação só se acalmou após o governo ceder um avião da Polícia Militar para levar parte dos faccionados para conferir se Marcola estava vivo. Após o encontro, ele foi abrigado a dar a ordem que encerraria os ataques às ruas.
O movimento Mães de Maio
Débora Silva, coordenadora geral do Movimento Mães de Maio, recebeu a notícia da morte do seu filho Edson Rogério Silva dos Santos pelo rádio no dia 15 de maio de 2006.

A partir do luto pelo mesmo, ela se mobilizou com outras mães da Baixada Santista, que também haviam perdido seus filhos, e, juntas, fundaram o Movimento Independente Mães de Maio.
As Mães de Maio reivindicam a condenação dos envolvidos nos Crimes de Maio, em defesa da memória de seus filhos e tantos outros. Elas ainda defendem a importância da federalização de crimes desse tipo, levando os mesmos a serem julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Com o trabalho do Movimento das Mães de Maio, a atuação estatal no período passou a ser conhecida mundialmente como chacina. Hoje, a população pode ter acesso a informações que demonstram que a maior parte das vítimas foram executadas indiscriminadamente pela polícia paulista, que chegou a atrapalhar as investigações ao modificar as cenas dos crimes no fim de cada ação.
Apesar disso, os crimes seguem sem resposta. No decorrer dos últimos 19 anos, o Estado brasileiro não prestou nenhum esclarecimento acerca do que aconteceu, ou condenou os envolvidos nos assassinatos.
O pedido de federalização do caso feito pelo Movimento foi apresentado ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 2016 e, desde então, segue parado.
Em uma tentativa de pressionar o governo brasileiro, as Mães de Maio levaram o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Na ocasião, elas alegaram que o Brasil teria violado a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo país em 1992, com os crimes cometidos por agentes públicos em maio de 2006. Até o momento, os pedidos não foram aceitos pela CIDH.
O legado das Mães de Maio no Brasil
As Mães de Maio se consagraram como um dos movimentos mais importantes da história recente do Brasil, e elas têm conquistado importantes avanços.
Nesse sentido, o Projeto de Lei N°. 2.999, de 2022, que cria um programa social que repara vítimas da violência institucional e seus familiares, é um dos principais exemplos de sua atuação.
Batizada com o nome Lei Mães de Maio, o projeto ainda objetiva garantir a transparência e a investigação das atividades policiais, criar políticas públicas de prevenção à violência policial e responsabilizar os agentes de segurança pública envolvidos em ações criminosas como as dos Crimes de Maio de 2006. O projeto ainda espera avaliação no plenário.
Partindo de outra frente, as Mães de Maio também coordenam a criação do projeto EnfrentAção, projeto lançado no dia 07 de maio deste ano, uma parceria com as universidades públicas brasileiras.
O principal objetivo deste é coordenar uma pesquisa que sistematize o efeito da violência estatal sobre as mães das vítimas, para então propor um plano de ação de atendimento psicossocial às mesmas.
O projeto é uma articulação com a Unifesp, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Universidade de Oxford.
As famílias das vítimas criaram um Tribunal Popular para julgar o Estado brasileiro de maneira simbólica, lançado em 8 de maio de 2025, às vésperas da data que marca 19 anos dos crimes.
Você já conhecia a história das Mães de Maio? Conta para a gente o que achou aqui nos comentários!
Referências
- Municipal de Direitos Humanos e Cidadania – São Paulo realiza amanhã lançamento simbólico de Memorial sobre os Crimes de Maio
- Fundo Brasil – Do Luto à Luta: Mães de Maio
- Brasil de Fato – Nos 16 anos dos crimes de maio de 2006, mães denunciam Ministério Público Contra seguidos arquivamentos e a criminalização do movimento, as Mães de Maio preparam escracho no MP de São Paulo
- Justiça Global – Crimes de Maio completa 16 anos
- Ponte – Crimes de Maio de 2006 o massacre que o Brasil ignora
- Agência Brasil – Crimes de Maio causaram 564 mortes em 2006
- Politize! – STJ: O guardião da lei e a busca pela justiça no Brasil
- Politize! – O PCC e as facções criminosas
- Politize! – Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos
- Politize! – O Dia das Mães é uma data política?
- Politize! – Violência Policial
- Politize! – Violência racial no Brasil e no mundo
- Conectas – Crimes de Maio: dezoito anos de luta por justiça e memória no Brasil
- IAB Nacional – Projeto que pretende criar a Lei Mães de Maio representa avanço na luta contra a violência policial, diz IAB
- Brasil de Fato – ‘Já perdemos nossos filhos, continuamos enfrentando o Estado’: Mães de Maio articulam política pública com universidades
- Agência Brasil – Famílias criam “tribunal popular” para julgar Crimes de Maio
- Câmara Legislativa – PROJETO DE LEI N.º 2.999, DE 2022
- Brasil de Fato – ‘Já perdemos nossos filhos, continuamos enfrentando o Estado’: Mães de Maio articulam política pública com universidades
- Agência Brasil – Débora Silva durante evento das Mães de Maio
- Agência Brasil – Mães de Maio lutam pelo fim da violência policial
- Estadão – Domínios do Crime: 10 anos dos ataques do PCC
- ALMEIDA, Matheus de Araújo. Maternidade contra o genocídio: o Movimento Mães de Maio frente à democracia das chacinas. Revista Atropolítica, Niterói, v. 54, n. 3, p. 415-437, 2022. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/50035/33149. Acesso em: 8 maio 2025.
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