O que são meios alternativos de resolução de conflitos

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O brasileiro possui uma cultura peculiar. Por exemplo: se alguém o fecha no trânsito, ele cria automaticamente um inimigo que poderá ser seguido pelas ruas apenas para discutir e mostrar que tinha razão, colocando a sua vida e o seu patrimônio em risco com manobras arriscadas.

A mesma lógica é aplicada diante de qualquer conflito. As pessoas preferem um embate de anos no Judiciário a adotar qualquer meio alternativo de resolução de conflitos, mesmo que não seja a solução mais lógica, apenas na esperança de ouvir um juiz dizer ao final: “Você tem razão!”.

Como consequência, temos juízes afogados em processos que chegam a demorar décadas e um desperdício ímpar de dinheiro público e, inclusive, de dinheiro privado. Como solucionar esses problemas?

O QUE SÃO MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS?

Os chamados meios alternativos de solução de conflitos são formas de resolução de um conflito que não são impostas pelo Poder Judiciário. Elas podem até mesmo ter participação do Judiciário, mas a decisão final acerca da solução não será dada por um magistrado, como ocorre em uma audiência de conciliação após a propositura de uma demanda judicial, por exemplo. Dentre as principais formas de métodos alternativos de solução de conflitos, destacam-se as seguintes:

Autocomposição: é um modo de as próprias partes, sem o auxílio de um terceiro imparcial, ajustarem a desavença entre elas;

Conciliação: as partes litigantes buscam, por meio de uma terceira pessoa imparcial, chamada de conciliador, obter um acordo que seja benéfico aos dois lados;

Mediação: é muito semelhante à conciliação, porém o terceiro imparcial neste caso não interfere em uma possível saída, apenas ajuda as partes a restabelecerem a comunicação entre elas, as quais deverão encontrar sozinhas uma solução plausível. É aplicada para casos mais complexos, enquanto a conciliação em casos mais simples;

Arbitragem: as partes litigantes estabelecem que o conflito será decidido de forma impositiva por um terceiro, que será um árbitro. Isso torna a arbitragem muito semelhante a um processo judicial, mas ao invés da morosidade do Judiciário, as partes dependem de uma Câmara Arbitral, uma espécie de “tribunal privado”, no qual o julgador não necessariamente é um bacharel em direito, podendo ser também alguém com experiência na área relacionada ao conflito (por exemplo, engenharia civil, engenharia mecânica, contabilidade, medicina, administração, etc.).

POR QUE EU, UM ADVOGADO, SOU CONTRÁRIO À JUDICIALIZAÇÃO EXACERBADA?

Bem, sempre que comento com alguém sobre o problema da judicialização exacerbada vem a pergunta: “mas você é advogado, ganharia mais incentivando as pessoas a brigarem no Judiciário, por que tem esse discurso?”.

Observando a questão sem uma visão holística, eu realmente ganharia mais com a judicialização desnecessária em um primeiro momento. Afinal, é mais caro resolver um problema contratando um advogado para defender os seus interesses na Justiça do que o contratando para intermediar um acordo, ou para representá-lo na maior parte das formas alternativas de resolução de conflitos. Contudo, alguns fatores devem ser sopesados:

1) quanto mais pessoas propuserem ações na Justiça, mais processos tramitarão. Consequentemente, mais tempo levarão para terminar;

2) se os processos demorarem mais, maior será o número de pessoas desestimuladas a buscar a efetivação dos seus direitos;

3) o tempo que um advogado gasta para defender os interesses de um cliente no Judiciário é infinitamente maior do que negociando;

Em suma, quanto mais as pessoas resolverem seus problemas de forma alternativa, mais rápido os problemas serão resolvidos e mais esperança em resolvê-los elas terão, de modo que ficarão mais satisfeitas e à vontade para procurar um advogado nas próximas vezes. Com isso, o advogado vai ganhar mais, pois ao invés de ocupar um tempo “X” para atuar em um processo e receber “Y”, vai ocupar o mesmo tempo “X” para resolver os problemas de mais pessoas e receber muito mais do que “Y”.

POR QUE EVITAR A JUDICIALIZAÇÃO?

Do ponto de vista coletivo, os benefícios de evitarmos a judicialização desnecessária, optando por meios alternativos de resolução de conflitos, são muitos. Apenas como exemplo: em Santa Catarina, entre 1˚ de janeiro e 14 de maio de 2016, os aproximadamente 500 magistrados do Judiciário Estadual receberam 341.238 novos processos, enquanto isso julgaram apenas 269.166. Os números são assustadores: não são apenas quase 700 novos processos para cada magistrado em menos de um semestre, mas também um déficit de 72.072 processos no mesmo período.

Acrescenta-se a isso que, além da Justiça Estadual, temos a Trabalhista, a Federal, a Eleitoral e a Militar… ou seja, a dimensão do problema é ainda bem maior.

O impacto disso no orçamento público é gigantesco, tanto que o nosso Judiciário consome 1,3% do PIB. Comparando-se à nossa vizinha Argentina, cujo gasto é de apenas 0,1% do PIB, ou aos Estados Unidos e à Inglaterra, que também consomem 0,1% do PIB com o Judiciário, percebe-se o absurdo.

Claro que há outros fatores que influenciam, como benefícios concedidos aos magistrados, remuneração dos servidores, nosso sistema processual, dentre outros. Mas é inegável que se o volume de processos fosse menor, o gasto poderia ser muito inferior. Eis aqui o primeiro ponto a se destacar como resultado da desjudicialização de conflitos: redução dos gastos com o Judiciário.

Os benefícios não param  por aí: menos processos correspondem também a mais eficiência no Judiciário. Desse modo, os nossos juízes poderão focar em questões realmente relevantes, aquelas que de fato dependem da análise do Judiciário, além dos casos em que não se conseguiu chegar a um consenso antes da judicialização do conflito. Sendo assim, os processos tramitariam mais rápido e receberiam mais atenção, melhorando a qualidade da prestação do serviço jurisdicional.

Por fim, aumentaria a segurança jurídica do país, resultando em maior confiança dos empreendedores brasileiros e estrangeiros, melhorando a economia nacional e atraindo capital estrangeiro.

Além disso, a opção pelos meios alternativos pode trazer muitos benefícios para os indivíduos envolvidos, dentre os quais sublinho estes quatro:

1) economia de tempo;

2) menos desgastes emocionais;

3) economia com advogados;

4) economia financeira por conta de questões envolvidas no litígio.

Que tal baixar esse infográfico em alta resolução?

Conclusão

Percebe-se que o problema do nosso Judiciário vai muito além da máquina estatal: ele começa em nós mesmos. A mudança da cultura do litígio e de dependência do Judiciário é uma necessidade crescente, que resultará em benefícios a todos nós, individual e coletivamente.

Assim, é preciso deixar o orgulho de lado e a necessidade de autoafirmação em conflitos, passando a observá-los de forma lógica e estratégica, a fim de evitar desperdícios e focando em eficiência. Isso porque a opção por um meio alternativo de solução de conflitos pode trazer resultados muito mais proveitosos para todos, desde que estejam dispostos a abrir mão de um pouco da sua vaidade.

Por fim, destaco ainda que a melhor forma de “resolver” um conflito é prevenir-se, outra questão que encontra obstáculo na cultura brasileira, mas deixarei o tema para um próximo texto.

Fontes:

Processo TJ-SC – O Globo – Diário Catarinense – CNJ

FACCHINI NETO, Eugênio. A outra justiça: ensaio jurídico de direito comparado sobre os meios alternativos de resolução de conflitos. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 36, n. 115, p.85-118, Set. 2009

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant G. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. 168 p.

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Conteúdo escrito por:
Advogado. Sócio do escritório Jannis Advocacia. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Cesusc. Bacharel em Direito pela Faculdade Cesusc. Graduando em Administração Empresarial pela Esag-Udesc. Secretário-Geral da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SC. Membro da Comissão de Conformidade e Compliance da OAB/SC.

O que são meios alternativos de resolução de conflitos

23 abr. 2024

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