Imagem de um deslizamento de terra

Prevenção de tragédias: como escolhas políticas moldam nosso futuro

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Nos últimos anos, o Brasil e o mundo têm enfrentado um aumento na frequência e gravidade de desastres provocados por causas naturais, colocando o tema da prevenção de tragédias no centro das atenções.

Apesar do potencial destrutivo anunciado, as medidas preventivas financiadas pelo orçamento público no Brasil têm sido negligenciadas, revelando uma lacuna preocupante na gestão governamental.

Onde estão previstos exatamente esses recursos? Que programas os governos mantêm com verbas do orçamento público sob essa rubrica?

Em nível mundial, ao menos três Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) estão ligados à prevenção e redução de danos.

Neste artigo, a Politize te explica como a prevenção de desastres está diretamente ligada ao orçamento público. Também analisa os desafios impostos pelo negacionismo climático infiltrado na política.

Analisamos como as dinâmicas políticas municipais e estaduais, a falta de planejamento urbano e a lógica do orçamento secreto contribuem para o agravamento desse cenário.

E, finalmente, visitamos o papel dos programas de governo existentes nas leis orçamentárias para prevenção de tragédias.

Prevenção de tragédias: investimento ou despesa?

Enquanto o impacto das mudanças climáticas se intensifica, muitos governos ainda destinam recursos insuficientes à prevenção de tragédias, optando por atuar apenas na recuperação dos danos após a sua ocorrência.

É como insistir em comprar o guarda-chuva frágil para enfrentar um dilúvio.

Um investimento com alto retorno

De acordo com dados da ONU, cada dólar investido em prevenção pode gerar uma economia de até sete dólares em custos de recuperação.

Infraestruturas resilientes, sistemas de alerta precoce e fiscalização ambiental são exemplos de ações que poderiam minimizar o impacto de tragédias naturais. Afinal, quem prefere pagar sete vezes mais depois, quando pode resolver antes com muito menos? Isso sem falar nas vidas poupadas.

No Brasil, porém, os investimentos em prevenção de desastres foram progressivamente reduzidos entre 2012 e 2023, chegando ao valor de R$ 25 mil no último orçamento aprovado pelo governo Bolsonaro. Ao assumir em 2023, o novo governo ampliou para R$ 1,9 bilhão via medida provisória.

Texto: Prevenção de tragédias: como escolhas políticas moldam nosso futuro
Evolução do orçamento federal previsto para ações de prevenção de desastres naturais no Brasil entre 2012 e 2023 (Valores de 2014 a 2019 são estimativas aproximadas baseadas em fontes públicas disponíveis). Imagem: Autor.

A falta de um planejamento orçamentário robusto para prevenção contribui para que eventos previsíveis, como enchentes e deslizamentos, resultem em prejuízos gigantescos.

As falhas no planejamento urbano para a prevenção de tragédias

Embora o debate sobre mudanças climáticas e prevenção de desastres geralmente ocorra em nível federal, a realidade é que a maior parte das falhas ocorrem na esfera municipal.

O crescimento desordenado das cidades, a ocupação de áreas de risco e a falta de infraestrutura adequada tornam muitos municípios vulneráveis a enchentes e deslizamentos.

Com a retomada do Programa Minha Casa, Minha Vida, as exigências aumentaram para que os empreendimentos voltados para a faixa 1 (renda de até R$ 2.640) não cometam os erros do passado, como conjuntos habitacionais construídos em áreas isoladas, sem infraestrutura, ou em zonas de risco.

Essas exigências constam na Portaria MCID nº 1.466/2023, que regula o MCMV, inclusive com exigência de apresentação de declaração da defesa civil municipal de que o local não está em área de risco.

Mas essas medidas estão longe de dar conta de um problema maior. O déficit habitacional impede que o crescimento das cidades ocorra de forma planejada, resultando em ocupações irregulares e maior vulnerabilidade aos desastres climáticos.

O alto custo da não prevenção de tragédias

O caso da inundação histórica de Porto Alegre em maio de 2024 é ilustrativo de como a visão urbanística pode ser ditada de acordo com os interesses do mercado imobiliário, seja o formal ou o informal, e não levar em consideração o debate sobre a prevenção de tragédias.

O município, que teve cerca de 35% do território alagado pelo Guaíba, encara com certa naturalidade o aval para projetos de grande porte que envolvem o desmatamento de áreas significativas. Isso contraria a noção de uma cidade mais verde, além de contribuir para a formação de bolsões de calor.

Enquanto a iniciativa privada avança sobre áreas verdes, bairros que ficaram submersos continuam em situação de risco, e o sistema de diques e bombas, que evitaria novos alagamentos, segue em obras.

Texto: Prevenção de tragédias: como escolhas políticas moldam nosso futuro
Um homem andando em meio a uma rua alagada, com água até sua cintura. Imagem: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil (EBC)

Devido à não conclusão das obras de manutenção e melhoria do sistema de proteção contra enchentes, o caso emblemático de Porto Alegre expõe a vulnerabilidade a novas inundações, especialmente em áreas como os bairros do 4º Distrito e o Sarandi.

As verbas destinadas especificamente para a “melhoria no sistema contra cheias” caíram a zero em 2023, ano em que o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) fechou com R$ 429 milhões em caixa e reportou um superávit patrimonial de R$ 31 milhões.

A prevenção de tragédias é uma questão nacional

Em 2021, o governo federal reduziu em 75% os recursos destinados às ações de prevenção a desastres naturais, passando de R$ 714 milhões em 2020 para R$ 171 milhões.

Além disso, o orçamento de 2023 previu apenas R$ 3 milhões para obras de prevenção de desastres, enquanto a Secretaria de Defesa Civil havia estimado a necessidade de R$ 506 milhões. ​

Uma das explicações para este fenômeno nacional pode estar na alocação inadequada de recursos públicos para a prevenção de desastres, apoiada em uma cultura política que favorece outras prioridades.

Uma dessas práticas orçamentárias questionáveis é a do chamado “orçamento secreto“, que pode comprometer investimentos essenciais em áreas estratégicas, incluindo a prevenção de tragédias.​

Em 2024, o Brasil teve 10 eventos climáticos extremos. Em 2025, foram previstos R$ 61,7 bilhões para emendas parlamentares no Orçamento.

Histórico dos programas de prevenção de tragédias no Brasil

No Brasil, a programação orçamentária para iniciativas voltadas à resiliência urbana e adaptação às mudanças climáticas é estruturada por meio de programas específicos que destinam recursos para essas finalidades.

A Lei 12.608/2012 estabeleceu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), que define diretrizes para reduzir desastres e alocar recursos de forma eficiente.

Contudo, ao longo dos anos, sua implementação enfrentou desafios significativos. Entre 2012 e 2023, o Poder Executivo deixou de aplicar 35,5% dos recursos destinados ao programa de Gestão de Riscos e Desastres da Defesa Civil.

Dos R$ 33,75 bilhões previstos no orçamento para ações de resposta, recuperação e prevenção, apenas R$ 21,79 bilhões foram efetivamente pagos ou transferidos a estados e municípios, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU).

Em 2023, o governo federal reconheceu a necessidade de aprimorar a gestão de riscos e desastres, iniciando a elaboração do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC).

Esse plano visa estabelecer diretrizes e estratégias para atuação coordenada das defesas civis em cinco frentes: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.

Ainda em 2023, foi sancionada a Lei nº 14.750, que altera as Leis nº 12.608/2012 e nº 12.340/2010, aprimorando os instrumentos de prevenção de acidentes e desastres, bem como as ações de monitoramento e produção de alertas antecipados.

​Em maio de 2024, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou um projeto de lei que institui a Política Nacional de Gestão Integral de Riscos de Desastres.

Essa política divide a gestão de riscos em quatro eixos: conhecimento do risco, prevenção e redução do risco, monitoramento e alerta, e comunicação do risco.

O projeto prevê a elaboração de planos nacionais, estaduais e municipais articulados, além da criação de um sistema nacional para coordenar essas ações. ​

Programas orçamentários para prevenção de tragédias

Listamos abaixo alguns dos programas vigentes que abrangem a prevenção de tragédias.

Programa Cidades Verdes Resilientes (PCVR):

Instituído pelo Decreto nº 12.041, de 5 de junho de 2024, o PCVR tem como objetivo aumentar a qualidade ambiental e a resiliência das cidades brasileiras diante dos impactos das mudanças climáticas.

O programa prevê a prospecção de recursos provenientes da União, consignados anualmente aos Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, das Cidades e da Ciência, Tecnologia e Inovação, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento da programação orçamentária e financeira anual.

Além disso, busca captar recursos de entidades privadas e organismos internacionais para fomentar projetos locais relacionados à sustentabilidade urbana e resiliência climática.

Programa Pró-Cidades:

O Ministério das Cidades, por meio do Programa Pró-Cidades, apoia municípios na elaboração de projetos de desenvolvimento urbano, incluindo ações de sustentabilidade para adaptação às mudanças climáticas.

Em 2025, foram disponibilizados R$ 1,6 bilhão para o financiamento de iniciativas dentro do Programa Cidades Verdes Resilientes. As condições de financiamento incluem juros mais baixos e prazos estendidos, com carência de 48 meses e pagamento em até 20 anos, tornando-se uma alternativa viável para prefeituras implementarem políticas públicas de prevenção de desastres.

Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC):

Lançado em 2023, o Novo PAC prevê investimentos significativos em diversos segmentos, incluindo o eixo “Cidades Sustentáveis e Resilientes”. Esse eixo contempla construções de novas unidades habitacionais pelo programa Minha Casa, Minha Vida, investimentos em mobilidade urbana, urbanização de comunidades, esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos, contenção de encostas e combate a enchentes.

A Faixa 1 é 100% subsidiada com recursos da União, e os empreendimentos dessa faixa são os que mais exigem escolha territorial criteriosa, pois atendem a populações mais vulneráveis.

Prevenir é melhor que remediar

A máxima popular segue verdadeira. Para a efetividade das políticas de prevenção, é essencial cobrar, planejar e fiscalizar em nível local a continuidade da aplicação dos recursos públicos destinados à gestão de riscos.

Enquanto não houver uma mudança estrutural que priorize ações preventivas de forma contínua, e não apenas em situações de calamidade, o país seguirá exposto a perdas evitáveis, tanto humanas quanto materiais.

A antecipação aos desastres deve ser tratada como estratégia permanente de gestão pública, e não como resposta pontual a tragédias anunciadas. Na democracia, a sociedade tem o direito e o dever de cobrar das Câmaras de Vereadores e das Prefeituras as ações de prevenção na sua cidade.

Referências

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Conteúdo escrito por:

Tiago Oliveira Dias

Tiago é jornalista e pós-graduado em Ciências Humanas, e trabalhou na área comercial de livros por mais de 15 anos. Escreve sobre política, tecnologia e desafios contemporâneos da sociedade e vende discos no seu blog Vida Indigital.
Dias, Tiago. Prevenção de tragédias: como escolhas políticas moldam nosso futuro. Politize!, 29 de maio, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/prevencao-de-tragedias/.
Acesso em: 30 de mai, 2025.

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