A misoginia é uma forma de discriminação que alimenta a violência de gênero e reforça desigualdades históricas. Nos últimos anos, o debate sobre a criminalização da misoginia tem ganhado força no Brasil, especialmente diante do aumento dos discursos de ódio e ataques misóginos nas redes sociais e na vida pública.
Continue a leitura para entender mais sobre proposta de criminalizar, considerando seus impactos na proteção dos direitos das mulheres!
A criminalização da misoginia no Brasil
Na Câmara dos Deputados, um projeto para criminalizar práticas misóginas foi aprovado em 2023 pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
O Projeto de lei 890/23, de autoria da deputada federal Silvye Alves (União-GO), propõe a penalização e a aplicação de medidas processuais, incluindo prisão, para atos de discriminação, preconceito, aversão, ação ou comportamento agressivo contra mulheres, em razão da condição do sexo feminino.
A sugestão foi enviada pela pesquisadora e professora da Universidade de Brasília Valeska Maria Zanello de Loyola. Ela relatou que já pensava na ideia desde o ano passado, mas que se sentiu mais motivada na semana passada, com a repercussão do caso da atriz e roteirista Lívia La Gatto.
Em fevereiro, Lívia foi ameaçada de morte pelo coach e influenciador Thiago Schutz. A ameaça ocorreu após ela publicar um vídeo em suas redes sociais em que ironiza discursos de homens contra as mulheres.
O Projeto de Lei 890/23 prevê a punição por crimes resultantes de discriminação ou preconceito por práticas misóginas. O texto define misoginia como discriminação, preconceito, propagação do ódio ou aversão praticados contra mulheres por razões da condição de sexo feminino. O crime terá pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
A pena será aumentada de metade se:
- A injúria for praticada por duas ou mais pessoas;
- For cometida em locais públicos;
- For realizada por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, na internet ou meios de grande repercussão;
- Ou se houver produção, publicidade, comercialização, distribuição ou monetização de materiais ou conteúdos que fomentem a disseminação à misoginia.
Apresentado pela deputada Dandara (PT-MG), o texto em análise na Câmara dos Deputados insere a tipificação na Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Atualmente, em termos de legislação, a Lei nº 13.642/2018 (Lei Lola) atribui à Polícia Federal a investigação de crimes online que propaguem o ódio ou a aversão às mulheres.
Nesse sentido, em ampla atuação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM , criado pela Lei nº 7.353/85, lançou a campanha Mulher e Constituinte em 1985, cujo um dos lemas era “Constituinte prá valer tem que ter palavra de mulher”, onde eram chamadas ao debate, para além das engajadas no ativismo político, a chamada “mulher comum”,.
A Lei nº 11.340/2006, conhecida também como Lei Maria da Penha, foi um grande avanço na legislação brasileira na busca pela erradicação da violência contra a mulher, pois trata de maneira rigorosa os crimes praticados contra a mulher no âmbito doméstico; traz, pela primeira vez, a previsão da união homoafetiva entre casais de mulheres, além de prever medidas assistenciais e políticas públicas a fim de afastar preconceitos contrários aos interesses do gênero feminino.
A mais recente conquista da mulher no ordenamento jurídico brasileiro, foi a Lei n° 13.104/2015, Lei do Feminicídio, criou como modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio, aquele que ocorre quando uma mulher é morta por razões de sua condição de sexo feminino, acrescentando assim dois parágrafos ao art. 121 (“matar alguém”) do Código Penal.
O § 2º fala do homicídio em razão da condição do sexo feminino, que pode acontecer em duas hipóteses: (a) no caso de violência doméstica e familiar; (b) menosprezo ou discriminação à condição de mulher
A recente Lei 14.994, de 9 de outubro de 2024 veio dar efetividade à Convenção de Belém do Pará, de 1994, que conceitua a violência contra a mulher como: qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico.
O atendimento obrigatório e gratuito logo para pessoas em situação de violência sexual é garantido pela Lei nº 12.845/2013, conhecida como a Lei do Minuto Seguinte (COMUNICAÇÃO CFF, 2022). A legislação considera qualquer ato sexual não consentido como sendo violência sexual, de modo que aborda e delimita o conceito em seu art. 2º (BRASIL, 2013).
Misoginia nas redes sociais
A misoginia na internet é um fenômeno preocupante que se manifesta através de discursos de ódio, assédio e violência verbal contra mulheres em plataformas digitais. Muitas mulheres, especialmente aquelas em posições públicas como jornalistas, políticas ou ativistas, enfrentam assédio constante nas redes sociais.
Comentários ofensivos, ameaças de violência e ataques pessoais são comuns e têm como objetivo silenciar ou intimidar as mulheres. A internet cria uma espécie de armadura que acaba protegendo quem ataca as mulheres.
A pesquisadora Taiza de Souza Costa Ferreira, doutora da Fiocruz em Saúde da Criança e da Mulher, diz que a misoginia tem se popularizado na internet, com a criação de perfis falsos para humilhar mulheres e descredibilizar as falas delas em lugares de poder. Relata ainda, que dentro da misoginia, existem subgrupos que sofrem mais violência de gênero, como mulheres transexuais, lésbicas, indígenas e negras.
Elisa Hartwig, advogada e pesquisadora em direitos humanos e violência de gênero da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, destaca o negacionismo como principal motivo da propagação da violência de gênero no mundo digital, principalmente em decorrência da desinformação.
Um exemplo notável é o caso da jornalista brasileira Patrícia Campos Mello, que foi alvo de ataques misóginos durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, falando que ela tinha se insinuado sexualmente em 2018 para obter informações sobre a empresa Yacows.
Outro exemplo foram os áudios que vieram a públicos na internet do deputado estadual de São Paulo Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei”, dizendo que as mulheres ucranianas são fáceis porque são pobres.

Movimentos culturais e a luta contra a misoginia
No Brasil em 1932 as mulheres conquistaram o direito ao voto, 1974 foi permitido que as mulheres portassem cartão de crédito, 1979 criado o direito feminino à prática de futebol.
Em 1985, inaugurou-se a primeira Delegacia da Mulher, 1988 promulgação da Constituição Federal que prevê expressamente igualdade entre homens e mulheres. Até 2002, o marido poderia anular o matrimônio caso a esposa não fosse virgem quando se casou, somente em 2022 a autorização do cônjuge deixa de ser elemento obrigatório para realização de laqueadura (nº 14.443/22).
Apenas no regime republicano em 1890, houve um decreto que retirou do marido o direito de impor castigo corpóreo à mulher e aos filhos. Segundo o Código Civil de 1916, no artigo 242, a mulher não podia exercer profissão. No século XIX houveram alguns avanços até então impensáveis, como a Lei do Divórcio, e a criação de delegacias especiais de atendimento à mulher, as DEAMs, e a entrada de pílulas anticoncepcionais no mercado.
Olympe de Gouges, feminista francesa que, revolucionariamente apresentou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã em 1791, em plena Revolução Francesa. Num contexto de propagação da Liberdade, Igualdade de Fraternidade, Olympe defendeu os ideais de que “a mulher nasce livre e é igual ao homem perante a lei”, de forma que “as distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”
O Prêmio Nobel da Paz de 2023 foi oferecido à iraniana Narges Mohammadi, por sua luta contra a opressão das mulheres no Irã e sua luta para promover os direitos humanos e a liberdade para todos. A luta corajosa de Mohammadi teve um custo pessoal tremendo. Ao todo, o regime a prendeu 13 vezes, condenou-a cinco vezes e sentenciou-a a um total de 31 anos de prisão e 154 chicotadas. Ela está presa na prisão de Evin, em Teerã, desde 2021.
Saiba mais: A história dos direitos das mulheres
Podemos perceber essa misoginia na cultura, quando é definido na música “Ai que saudades de Amelia”, de Mario Lago, uma mulher submissa, que não tinha vaidade, nem luxo, nem dinheiro pois só cuidava da casa e dos filhos e que era considerada mulher de verdade. Foi composta em pleno Estado Novo (1937-1945), o período ditatorial governado por Getúlio Vargas. Vargas, “o político das reformas trabalhistas” não via com bons olhos os sambas que enaltece a figura do malandro – o homenageado deveria ser sempre o trabalhador, o “chefe de família” e, claro, a mulher “do lar”
Anos depois, Pitty lançou “Desconstruindo Amélia”, ela conta a história de uma mulher moderna sobrecarregada em multitarefas que um dia resolve assumir o protagonismo da própria vida e rompe com os padrões impostos a ela.
“O ensejo a fez tão prendada
Ela foi educada pra cuidar e servir
De costume, esquecia-se dela
Sempre a última a sair
Nem serva, nem objeto, já não quer ser o outro, hoje ela é um também”
Desse modo, são rompidos os papéis de gênero tradicionalmente atribuídos às mulheres: o de servas, santas, sem vida própria, que existem com a finalidade de cuidar dos outros, e o de objetos sexuais, prontas para satisfazer os desejos alheios.
Podemos ver isso também na música “Pagu” de Rita Lee e Zelia Duncan. Patrícia Galvão, a Pagu, nasceu em uma família tradicional de classe alta do interior de São Paulo. Considerada desde menina à frente do seu tempo, chocava a sociedade conservadora da época por seu comportamento livre e autêntico, tanto no modo de se vestir e de usar os cabelos, quanto por seus relacionamentos amorosos e seu modo de falar e expressar-se. Destacou como escritora, jornalista e ativista política no Brasil na década de 1930.
“Não sou atriz, modelo, dançarina
Meu buraco é mais em cima
Porque nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem”

Desafios e perspectivas futuras para a criminalização da misoginia
O combate à violência de gênero e, consequentemente, o enfrentamento à prática da misoginia, é uma das pautas prioritárias do Governo Federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e do Ministério das Mulheres. As ações desenvolvidas para esse público contemplam a complexidade da temática e suas interseccionalidades
Prova-se isso pela pactuação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que trazem comprometimento à função legislativa para criar instrumentos legais objetivando fazer cumprir o negociado. Referida lei, que veio como resposta aos compromissos firmados pelo Estado internacionalmente, trata de maneira rigorosa os crimes praticados contra a mulher no âmbito doméstico; traz pela primeira vez a previsão da união homoafetiva entre casais de mulher.
Brasil Sem Misoginia é uma proposta de mobilização nacional de todos os setores brasileiros — governos, empresas, sociedade civil, ONGs, movimentos sociais, entidades, instituições de ensino, torcidas organizadas, times de futebol, grupos religiosos, artistas, entre outros — com o objetivo de enfrentar a misoginia – o ódio e todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de número 5 visa acabar com a violência contra mulheres e meninas em todas as esferas da vida. O ODS 5 também busca a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas.
O ODS 5 inclui as seguintes metas:
- Acabar com a discriminação contra mulheres e meninas;
- Acabar com a violência contra mulheres e meninas, incluindo tráfico e exploração sexual;
- Garantir a participação das mulheres e a igualdade de oportunidades de liderança.
A campanha “UNA-SE para Acabar com a Violência contra as Mulheres” é uma iniciativa da ONU que busca conscientizar a sociedade sobre a violência contra mulheres e meninas.

A criminalização da misoginia representa um avanço na luta contra a violência de gênero e no reconhecimento da dignidade das mulheres como valor fundamental da democracia. Ao tratar a misoginia como crime, o Estado sinaliza que discursos e atitudes misóginas não são toleráveis, promovendo uma cultura de respeito e equidade.
No entanto, esse processo também exige equilíbrio com a liberdade de expressão e uma aplicação criteriosa da lei, garantindo que a proteção dos direitos não comprometa princípios democráticos essenciais.
E aí, você conseguiu entender sobre a criminalização da misogina? Se ficou alguma dúvida, deixe nos comentários!
Referências
- Agência Câmara de Notícias – Projeto de lei criminaliza a misoginia
- Brasil Escola – Misoginia
- CNJ – Cartilha de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual e à Discriminação – 2024
- CNTE– Comissão de Defesa da Mulher na Câmara aprova projeto para criminalizar a misoginia
- CNTE – “Convenção 190: uma prioridade do movimento sindical mundial”
- CNTE – Escola também é lugar de discutir o combate ao machismo
- CNTE – Persistir é um ato revolucionário
- CNTE – Políticas Públicas para as Mulheres no Brasil – Avanços, retrocessos e resgates
- Descomplica – Misoginia: causas e conflitos
- DIOTTO, N e BUZATTI, SOUTO, RB – Desigualdade De Gênero E Misoginia: A Violência Invisível
- IBDFAM – E a misoginia virou um punhado de crimes!
- Instituto Claro – O que é misoginia?
- Gov.Br – Misoginia: mulheres são vítimas de ataques e violações de direitos na internet
- G1 – Ideia para criminalizar misoginia obtém 23 mil assinaturas em 5 dias e vira projetos na Câmara e no Senado
- Medium – O machismo é o braço cultural da misoginia
- MELO, VTA. Criminalização Da Misoginia: Análise De Suas Possíveis Consequências Frente Aos Dados Estatísticos Da Lei Maria Da Penha E Da Lei Do Feminicídio
- Migalhas – Arthur do Val cometeu crime em áudio sobre mulheres ucranianas?
- Migalhas – Misoginia: Saiba o que é e conheça a lei que a combate
- Migalhas – Projeto de lei que criminaliza misoginia começa a tramitar no Senado
- Politize – Misoginia: você sabe o que é?
- The Nobel Prize – Narges Mohammad