Marechal Rondon se tornou um grande nome do Brasil moderno, contribuindo para a formação do país que conhecemos hoje. Seu trabalho teve um grande impacto nas áreas de comunicação brasileira, com a construção de linhas telegráficas que interligaram o país, e na defesa dos direitos indígenas.
Rondon foi um dos primeiros a conceber a ideia de que as populações nativas deveriam ser tratadas com respeito e dignidade, e não como obstáculos ao desenvolvimento.
Neste artigo, vamos entender mais sobre a trajetória de Marechal Rondon, suas principais contribuições para o Brasil e seu legado. Acompanhe a leitura!
Este conteúdo integra a trilha de conteúdos do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.
O projeto é realizado pela Politize!, em parceria com o Pulitzer Center.
Os primeiros anos e a formação de Rondon
Cândido Mariano da Silva nasceu em Mimoso, Mato Grosso, às margens da lagoa Chacororé, em 5 de maio de 1865, sendo nomeado em homenagem ao pai. O sobrenome Rondon seria adicionado anos depois.
Aos dois anos, perdeu sua mãe, Claudina Lucas Evangelista, de quem herdeu descendência dos indígenas Bororo e Terena. Passou então a ser cuidado pelo avô materno, João Evangelista, até os sete anos. Durante esse período, Rondon adquiriu conhecimentos sobre as práticas e sabedorias dos povos nativos, além dos costumes da vida no sertão.
Nesse período, Rondon teve contato com a realidade das dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas, os quais, embora representassem uma parte importante da história de sua família, eram frequentemente marginalizados pela sociedade brasileira da época.
Aos seis anos, ele já dominava atividades como cavalgar, caçar, pescar e rastrear, além de saber identificar frutos silvestres, cogumelos e plantas comestíveis ou venenosas.
Essa conexão com a natureza não se limitava à sobrevivência, pois Rondon também aprendeu com os saberes indígenas, reconhecendo as propriedades medicinais das raízes, cascas e folhas das plantas, o que o tornava genuinamente integrado ao mundo natural.
Em 1883, ao completar 18 anos, Rondon se mudou para a cidade de Cuiabá, onde foi matriculado na escola militar para iniciar sua formação.
Na Academia Militar, Rondon se destacou por sua inteligência e dedicação aos estudos, particularmente nas disciplinas de matemática e ciências naturais, o que mais tarde o levaria a adotar uma postura científica em seus projetos.
Durante sua formação militar, Rondon começou a manifestar seu interesse pela exploração geográfica e pela construção de infraestrutura de comunicação.
A decisão de Rondon em seguir uma carreira militar foi inicialmente uma forma de ascensão social, mas também refletia sua visão de contribuir para o desenvolvimento e a modernização do país, integrando as regiões isoladas e desprovidas de comunicação.
Sua habilidade com o uso de tecnologias e sua visão de futuro o posicionaram como um grande líder, ainda que pouco conhecido na época.
Ele também foi influenciado profundamente pela filosofia positivista de Auguste Comte, que defendia a ideia de que o progresso científico.
Saiba mais: Progressismo: o que é?

Essa filosofia também o levou a uma visão de mundo que combinava ciência, respeito pela diversidade cultural e um forte compromisso com a paz. Rondon acreditava que a educação e a ciência eram os meios para transformar o Brasil em um país mais justo e desenvolvido, sem recorrer à violência ou à opressão.
No entanto, o positivismo não era democrático, defendendo que as elites racionalistas, como Rondon, deveriam orientar os demais. Isso refletia uma postura autoritária, com a ideia de uma “ditadura progressista”.
Rondon via a Amazônia e o interior do Brasil como espaços de grande potencial para o desenvolvimento nacional. Ele acreditava que a modernização do Brasil deveria se dar sem a perda das identidades regionais e culturais, e que a ciência deveria ser o motor desse processo.
Qual foi a participação de Rondon na integração do Brasil?
Entre 1892 e 1898 ajudou a construir as linhas telegráficas de Mato Grosso a Goiás, entre Cuiabá e o Araguaia, e uma estrada de Cuiabá a Goiás.
Este projeto ambicioso tinha como objetivo integrar o vasto território brasileiro, especialmente a Amazônia, que estava, até então, praticamente isolada do restante do país.
Essa linha telegráfica em específico, de mais de 2.000 quilômetros, atravessava a densa selva amazônica, um território com pouca presença estatal e rodeado por povos indígenas que eram, na maioria das vezes, hostis à presença dos europeus e aos projetos de colonização brasileiros.
O setor militar, o comércio e a economia local se beneficiaram com a comunicação mais rápida. Bancos abriram filiais, comerciantes repuseram estoques mais rapidamente, e fazendas se tornaram mais eficientes, conectadas a um mercado global.
A linha telegráfica, que ainda seria a principal comunicação até a década de 1960, colocou Rondon como um símbolo do progresso na região.
Rondon também foi aclamado por sua estratégia pacífica de estabelecer contato com os indígenas. Sua abordagem se distanciava das práticas violentas dos colonizadores anteriores.
O lema que ele adotou para sua missão, “Morrer se preciso for, matar nunca”, representava sua filosofia de integração pacífica. Ele conseguiu estabelecer uma convivência respeitosa com diversas aldeias, mesmo em situações de resistência, sendo essa sua principal marca em todas as missões que liderou.
Outro grande feito foi a construção da linha telegráfica de Cuiabá a Corumbá, que contou com a ajuda de indígenas Bororó na sua criação. No final de 1906, a missão foi concluída com sucesso, instalando mais de 1.700 quilômetros de linha telegráfica.
O que foi a Comissão Rondon?
A Comissão Rondon foi criada em 1907, após o recém-empossado presidente Afonso Pena convocar Rondon ao palácio para apresentar o projeto da linha telegráfica de Cuiabá ao rio Madeira e ao Amazonas.
Pena, com a visão de “governar é povoar”, queria estender o território do Brasil, incorporando o Acre e outras regiões remotas. Além disso, propôs um levantamento topográfico e a construção de estradas e povoamentos.
Seu maior desafio seria negociar com os povos indígenas para obter permissão para passar por suas terras. Ao longo da linha telegráfica, Rondon teria que lidar com diferentes tribos, como os Paresí e os Nambikwára, que tinham uma longa história de hostilidade mútua.
A relação entre Rondon e os Paresí não se limitou apenas ao trabalho. Quando um fazendeiro branco tentou explorar os Paresí em regime de trabalho forçado, Rondon interveio com veemência, garantindo que o fazendeiro fosse punido.
Esse tipo de intervenção tornou Rondon uma figura cada vez mais respeitada entre os indígenas, que o viam como um protetor contra os abusos dos colonos.
Em 1908, a Comissão enfrentou enormes desafios logísticos ao tentar avançar pelo território entre os rios Juruena e Madeira. A viagem foi marcada por dificuldades como a falta de alimentação para os bois, exaustão dos homens e doenças como a malária, que afetaram gravemente a expedição.
Em 1909, Rondon tentou retomar os trabalhos, mas ataques dos Nambikwára e dificuldades no terreno, como a escarpada Chapada dos Parecis, retardaram o progresso. Ele também enfrentou problemas de saúde, sendo acometido por malária, o que o levou a retornar ao Rio de Janeiro para recuperação.
Após oito anos de trabalho, a linha telegráfica foi finalmente inaugurada em 1915. Contudo, a linha não atingiu os objetivos esperados. Ao ser inaugurada, ela já estava obsoleta e se mostrava desnecessária, pois o Brasil estava em transição para novos meios de comunicação, como o rádio.
A linha telegráfica se tornou um “elefante branco”, sem grande utilidade prática, apesar de todo o esforço investido nela.
Expedição Roosevelt-Rondon
A expedição Roosevelt-Rondon, realizada em 1913, é considerada uma das mais importantes e desafiadoras na história da exploração amazônica.
Cândido Rondon, ao lado de Theodore Roosevelt, ex-presidente dos Estados Unidos, se aventurou por um território desconhecido da Amazônia para mapear o Rio da Dúvida, uma região ainda não explorada, e que depois foi rebatizada como “Rio Roosevelt”.

A expedição teve duração de cinco meses e foi marcada por desafios extremos, como a escassez de alimentos, doenças tropicais e até mortes de membros da expedição. A expedição também foi fundamental para solidificar o nome de Rondon no cenário internacional.
Veja também: Amazônia: biodiversidade, extensão e riquezas naturais
Enquanto Roosevelt ganhou grande notoriedade pela expedição, Rondon foi reconhecido pelos cientistas e exploradores de todo o mundo como um dos maiores líderes de expedições da história.
A expedição foi uma das primeiras a documentar a fauna amazônica em detalhes, contribuindo significativamente para o conhecimento da biodiversidade local.
Qual a relação de Rondon com os indígenas?
Em 1910, Rondon fundou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), onde implementou políticas que visavam proteger as aldeiasindígenas do Brasil das ameaças externas, como fazendeiros, garimpeiros e seringueiros. O SPI mais tarde daria origem à Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Sua principal missão era garantir a integridade física e cultural dos povos indígenas, respeitando suas terras e modos de vida, algo inovador para a época.
Ele se opôs veementemente à ideia de extermínio ou assimilação forçada das tribos, promovendo o entendimento de que a convivência pacífica seria benéfica tanto para os indígenas quanto para o Brasil.

Desde os primeiros contatos, colocou-os sob sua proteção. Sua patente e prestígio conquistado junto aos superiores credenciaram-no para o compromisso de manter a paz entre os trabalhadores e os índios e cumprir as metas do governo.
Rondon passou a inserir a mão de obra indígena na construção das linhas telegráficas. Também lhes deu instrução básica e amparo para que pudessem viver integrados aos outros grupos.
Rondon se tornou um indigenista respeitado, e uma de suas exigências para aceitar cada nova missão era de que todas as aldeias encontradas no caminho ficassem sob sua proteção.
Qual foi o legado de Marechal Rondon?
Marechal Rondon é lembrado por sua contribuição à construção de linhas telegráficas e à pacificação de povos indígenas, facilitando a comunicação entre regiões isoladas da Amazônia e do Centro-Oeste com os centros urbanos.
Ele também foi importante na criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), promovendo a convivência pacífica entre indígenas e outros grupos.
Rondon participou de expedições científicas que ampliaram o conhecimento geográfico, zoológico e etnológico do Brasil, e sua abordagem de proteção aos indígenas deixou um legado duradouro.
Seu impacto segue presente no Exército Brasileiro, especialmente no Projeto Amazônia Conectada, que usa a infraestrutura do Exército para conectar áreas isoladas da Amazônia, promovendo serviços de internet e comunicação.
Sua atuação também influenciou legislações como a Constituição Brasileira de 1988, que reconheceu os direitos territoriais dos povos indígenas. Seu modelo de convivência pacífica continua a inspirar movimentos de respeito à diversidade cultural.
Entre 1934 e 1938, Rondon foi fundamental nas negociações internacionais, criando a Comissão Mista Internacional Peru-Colômbia para resolver disputas territoriais de forma pacífica.
Em 1952, defendeu a criação do Parque Indígena do Xingu, um projeto de preservação de terras indígenas.
Em 1955, recebeu a patente de Marechal do Exército Brasileiro, em reconhecimento às suas contribuições para o país.
Rondon também foi admirado pelo físico Albert Einstein, que o elogiou por sua atuação na proteção dos povos indígenas e pela defesa de um Brasil mais justo. Em reconhecimento ao seu trabalho, Rondon foi indicado várias vezes ao Prêmio Nobel da Paz, embora nunca tenha recebido a premiação.
Críticas feitas à Rondon
Apesar da imagem de herói e pacificador atribuída a Rondon, sua trajetória também é alvo de críticas, principalmente no que se refere à sua abordagem com os povos indígenas.
Embora tenha sido responsável pela criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e pela pacificação de várias tribos, sua atuação muitas vezes é vista como uma forma de imposição de um modelo de integração que não respeitava a autonomia das comunidades indígenas.
A ideia de proteção, associada ao trabalho de Rondon, é questionada por alguns estudiosos e críticos, que apontam que, em muitos casos, isso envolveu a subordinação dos povos indígenas ao Estado e a exclusão de suas tradições culturais.
Além disso, a ênfase na figura de Rondon como pacificador tende a minimizar a resistência e os interesses das comunidades nativas em relação à ocupação de suas terras e à imposição de políticas externas.
Essas críticas sugerem a necessidade de uma análise mais detalhada e equilibrada sobre o papel de Rondon na história do Brasil, considerando tanto as contribuições quanto as implicações de suas ações para os povos indígenas.
Referências
- 200 Anos de Ciência e Tecnologia no Brasil – Rondon
- Aventuras na História – Comissão Rondon: nasce o indigenismo no Brasil
- CPDOC FGV – Rondon, Cândido
- Instituto Pristino – Expedição Roosevelt-Rondon
- Pulitzer Center – Medo e devastação nos caminhos centenários da expedição Roosevelt-Rondon
- ROHTER, Larry. Rondon: uma biografia. Tradução de Donaldson M. Garschagen. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
- Periódicos UDESC – Rondon, os sertões e os sertanejos: um herói civilizador para os trópicos brasileiros
- SEDUC MT – Historiadora faz relato sobre a vida de Marechal Rondon