A desinformação é um problema complexo e multifacetado e, justamente por isso, não existe uma única resposta ou solução mágica para enfrentá-la. Especialistas do mundo todo apontam a necessidade de uma combinação de estratégias para combater a desinformação: de ações governamentais a mudanças nas próprias plataformas digitais, passando por acordos internacionais, pesquisas e até decisões judiciais.
Mas o que exatamente pode ser feito? Quais são os caminhos possíveis para mitigar o impacto da desinformação no debate público, na democracia e no nosso cotidiano?
É isso que vamos abordar na sexta parte da Trilha sobre desinformação, uma parceria da Politize! com o *desinformante. Nesta série de conteúdos, exploramos o que é desinformação, suas principais características, impactos na sociedade e, agora, seis frentes fundamentais para enfrentarmos esse desafio global, incluindo regras para as plataformas, monitoramento, medidas antitruste e redesenho dos ambientes digitais.
- Como combater a desinformação: ações coordenadas e múltiplas
- 6 saídas possíveis
- 1) Regras das plataformas e moderação de conteúdo
- 2) Acordos e iniciativas internacionais
- 3) Pesquisa e monitoramento de plataformas
- 4) Medidas anti concentração
- 5) Investigações e medidas judiciais
- 6) Redesenho das plataformas
- E a regulação?
- Referências
Como combater a desinformação: ações coordenadas e múltiplas
Combater a desinformação exige um esforço coletivo. Por se tratar de um problema que envolve tecnologia, comunicação, política e até saúde pública, nenhuma solução isolada é suficiente. É por isso que especialistas e organismos internacionais defendem a adoção de ações coordenadas e múltiplas, que envolvam governos, plataformas digitais, organizações da sociedade civil, veículos de imprensa e a própria população.
A Unesco, por exemplo, recomenda que os países adotem uma abordagem baseada em direitos humanos, envolvendo regulação transparente das plataformas, educação midiática nas escolas, incentivo ao jornalismo de qualidade e fortalecimento da pesquisa sobre o tema.
No Brasil, iniciativas como o Programa de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), lançado em 2019, reúnem entidades públicas e privadas para atuar de forma articulada na defesa da integridade do processo eleitoral.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) também criou seu próprio Programa de Combate à Desinformação, com foco na proteção da imagem e da credibilidade do Judiciário por meio de ações de comunicação, educação e cooperação com diferentes instituições.
Combater a desinformação exige um esforço coletivo, planejado e baseado na combinação de diferentes estratégias. Não há solução única ou simples: trata-se de uma responsabilidade compartilhada, que demanda ações coordenadas entre diversos setores.
No próximo tópico, apresentamos um conjunto de seis caminhos possíveis que já contribuem para o enfrentamento desse desafio e que, se forem acionados em sintonia e colaboração, podem fortalecer um sistema de informação mais íntegro, confiável e democrático.
6 saídas possíveis
Como falamos acima, não existe uma única saída para o combate à desinformação. Tentar mitigar esse fenômeno requer ações diferentes e articuladas entre diversos setores da sociedade: governos, empresas, organizações da sociedade civil, universidades e os próprios cidadãos.
Nos últimos anos, o *desinformante vem acompanhando as dinâmicas da desinformação e tentando entender como esse problema pode ser reduzido. Abaixo, separamos 6 saídas possíveis que são consideradas por especialistas e pesquisadores do tema.
1) Regras das plataformas e moderação de conteúdo
As plataformas possuem regras internas que balizam o comportamento dos usuários dentro das redes, são as chamadas diretrizes da comunidade ou termo de uso – como um contrato que todos aceitam ao criar uma conta em determinada rede social.
Ainda não sabe o que é moderação de conteúdo? Entenda no vídeo abaixo:
As normas estabelecidas são frequentemente revistas para abranger novas situações que podem surgir e, nos últimos anos, algumas plataformas incorporaram regras para coibir a circulação de conteúdos falsos e enganosos.
Esses conteúdos estão sujeitos à moderação, que pode ser a adoção de medidas como a remoção de conteúdo, rotulagem e redução de visibilidade, por exemplo. Para identificação, as empresas podem contar com parceiros, como checadores de fatos independentes.
2) Acordos e iniciativas internacionais
Organizações internacionais também vêm identificando e discutindo o problema de desinformação nos últimos anos, realizando debates e produzindo documentos de referência sobre o assunto.
A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou em junho de 2024 os Princípios Globais para Integridade da Informação, com o objetivo de listar recomendações para reduzir os impactos negativos vindos da desinformação e do discurso de ódio.
Entidades como a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a União Internacional de Telecomunicações (UIT) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) também têm buscado atuar sobre o tema, tendo em vista seus efeitos negativos sobre os direitos das pessoas, a qualidade do debate público e a democracia.
3) Pesquisa e monitoramento de plataformas
Para compreender efetivamente o problema e conseguir atacá-lo de uma forma mais eficaz, é preciso pesquisa e monitoramento, além de ações efetivas de incidência com tomadores de decisão. Organizações da sociedade civil e grupos de pesquisa brasileiros e internacionais têm realizado esforços de vários tipos, todos com impacto positivo no combate à desinformação.
Por exemplo, grupos de pesquisa de diversas universidades estaduais e federais monitoram conteúdos que circulam nas plataformas para detectar e mensurar a desinformação e suas estratégias.
Já outras organizações da sociedade civil, como a Coalizão Direitos na Rede no Brasil, atuam acompanhando as ações de governo e propostas legislativas que abordam o tema para conter retrocessos e viabilizar avanços no combate à desinformação. Outras iniciativas monitoram e denunciam o financiamento da desinformação, como é o caso do Sleeping Giants.
4) Medidas anti concentração
Uma das razões que contribui para a desordem informacional é o fato de que a comunicação mundial está no controle de poucas empresas e seus algoritmos. O modelo de negócios das plataformas favorece o fenômeno e a falta de concorrência efetiva para empresas como Google e Meta aprofunda a questão porque, entre outros motivos, a atual concentração de mercado impede o surgimento de modelos alternativos.
Saiba mais sobre o impacto do monopólio no debate público:
Com isso, cada vez mais cresce a ideia de frear esses monopólios. Nos Estados Unidos e União Europeia, as empresas já estão encarando processos que analisam suas ações anticompetitivas ao longo dos anos. Além disso, a União Europeia aprovou em 2021 o Digital Markets Act, uma lei que regula grandes plataformas digitais para garantir competição justa e evitar abusos de poder no mercado online.
5) Investigações e medidas judiciais
Ações judiciais também são uma saída contra a desinformação, assim como as investigações conduzidas pela Polícia Federal e Ministério Público. Esses processos atuam na punição de envolvidos em campanhas de disseminação de informações falsas e podem contribuir para inibir essas atividades.
Geralmente as investigações estão relacionadas a crimes já previstos em lei, como calúnia, injúria, difamação, incitação ao ódio e discriminação, além de crimes eleitorais envolvendo a disseminação de fake news e dispparo de mensagens em massa. As investigações também buscam rastrear os financiadores dessas redes de desinformação.
6) Redesenho das plataformas
A forma como as plataformas digitais funcionam hoje aumenta a produção e circulação de desinformação. Isso acontece porque elas buscam, a todo custo, a atenção do usuário, medindo o sucesso pelo tempo que a pessoa passa e pelo quanto interage.
Esse sistema incentiva a divisão do debate e o consumo de conteúdos que espalham teorias da conspiração e ideias extremistas.
Por isso, muitos pesquisadores e movimentos defendem que as plataformas precisam mudar seu funcionamento para reduzir esses incentivos. A Iniciativa por Infraestrutura Pública Digital, por exemplo, reúne ativistas e pesquisadores como Ethan Zuckerman e propõe ir além de “consertar” as plataformas, sugerindo a criação de infraestruturas públicas, parecidas com sistemas públicos de comunicação.
O maior desafio é que essas mudanças vão contra o modelo de negócio das plataformas.
E a regulação?
Depois de termos passado por essas alternativas, fica a dúvida também sobre uma ampla e necessária discussão: a regulação das plataformas digitais. Esse é um dos temas mais debatidos quando o assunto é desinformação, e também um dos mais polêmicos.
Afinal, o que já tem sido feito em outros países? Quais caminhos estão sendo trilhados para garantir a responsabilização das plataformas sem comprometer a liberdade de expressão? E qual é o cenário brasileiro frente a esse desafio?
Essas são algumas das questões que vêm sendo discutidas no mundo todo e que precisam ser enfrentadas com urgência e responsabilidade. No próximo texto da Trilha sobre Desinformação, vamos nos aprofundar nesse tema essencial.
O *desinformante é um projeto midiático realizado pelo Aláfia Lab e tem o objetivo de ser um espaço com informações confiáveis sobre desinformação, analisando o impacto do fenômeno desinformativo na sociedade e discutindo formas de combatê-lo.
Referências
UNESCO – Diretrizes para a governança das plataformas digitais
Justiça Eleitoral – Programação de enfrentamento à desinformação
Supremo Tribunal Federal – Programa de combate à desinformação
*desinformante – Saídas possíveis
Politize! – Discurso de ódio: o que caracteriza essa prática e como podemos combatê-la?