O que é desobediência civil climática?

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A desobediência civil climática é uma forma de protesto, majoritariamente não violenta, em que ativistas infringem normas ou regulamentos para chamar a atenção de governos, empresas e da sociedade sobre a urgência da crise climática. 

A ideia não é “desrespeitar leis” por arbitrariedade, mas questionar estruturas legais e políticas vistas como insuficientes para conter o aquecimento global ou que, direta ou indiretamente, protegem interesses associados à expansão dos combustíveis fósseis. 

Essa prática se inspira em correntes clássicas de ação coletiva (como as executadas por Gandhi e Martin Luther King Jr, po exemplo) e combina publicidade do ato, não violência e assunção de riscos pelos manifestantes, para ampliar o debate público e pressionar por mudanças. 

Ao lado de quem considera a desobediência civil um imperativo moral diante da lentidão do Estado, há também críticas que a veem como tática ineficaz ou disruptiva do diálogo democrático. 

Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.

Conceito de desobediência civil climática: do que estamos falando e por quê?

Desobediência civil climática é uma forma de protesto não violenta em que pessoas e movimentos deliberadamente violam normas, regras ou ordens administrativas para chamar a atenção sobre a emergência climática e pressionar por respostas proporcionais à crise. 

A lógica não é “desrespeitar a lei por desrespeitar”, mas questionar políticas consideradas inadequadas para reduzir emissões de carbono, proteger florestas, assegurar água e alimentos.

Essa tradição tem como base o apelo público, a transparência de métodos e a não violência como princípio. Para ativistas, a desobediência civil se torna necessária quando os meios institucionais (consultas públicas, petições, audiências) não entregam mudanças no ritmo que a ciência do clima exige. 

Em resumo, trata-se de uma tática de pressão, legítima para uns, excessiva para outros, usada dentro de um ecossistema mais amplo de mobilização (advocacy, incidência legislativa, litigância climática, educação ambiental, inovação tecnológica).

Veja também: O que são créditos de carbono e como ajudam na ação contra as mudanças climáticas?

De onde vem: um breve histórico ambiental

A desobediência civil é antiga em lutas por direitos civis, sufrágio e antirracismo. No campo ambiental, ela ganha corpo no século XX e se populariza nas últimas décadas.

Um exemplo é o Greenpeace (anos 1970 em diante), que, por meio de ações diretas e simbólicas em plataformas de petróleo, testes nucleares e marcos de biodiversidade, levaram temas complexos ao noticiário, ajudando a traduzir “impacto ambiental” em imagens e histórias.

Outro exemplo é o movimento Extinction Rebellion (desde 2018), que atua promovendo bloqueios urbanos, ocupações pacíficas e atos coordenados em capitais globais pressionaram governos a declarar emergência climática e adotar metas alinhadas à ciência.

O movimento Fridays for Future organiza greves escolares e grandes marchas de jovens que reposicionaram o clima como tema geracional e de justiça, não apenas técnico. Embora não viole leis de forma típica, o movimento rompe normas de passividade política (não ir à aula para protestar) e se conecta ao repertório da desobediência civil como alerta social.

A literatura aponta um “dilema do ativista”: ações mais disruptivas atraem atenção midiática, mas podem reduzir apoio popular em certos segmentos. Por isso, muitos grupos ajustam táticas para ampliar coalizões sem abrir mão da pressão.

imagem de um ato de desobediência civil climática.
Imagem: Publico.

Como funciona: princípios, formatos e objetivos

Apesar da diversidade, algumas linhas de base são comuns:

Não violência como regra

A maioria dos coletivos rejeita violência contra pessoas. O debate reaparece quando há dano material (colar-se a quadros protegidos por vidro, bloquear vias, usar tintas removíveis). Há quem diga que é expressivo e proporcional à gravidade da crise, por outro lado, há os que dizem que desvia o foco do clima para o próprio ato.

Ação direta e disrupção planejada

  • Bloqueios e ocupações (ruas, ministérios, sedes de petrolíferas) interrompem rotinas para forçar o tema ao centro da agenda.
  • Intervenções criativas (performances, instalações, projeções) transformam dados climáticos em narrativas visuais.
  • Greves e grandes marchas sinalizam custos reputacionais a governos e empresas.
  • Desobediência institucional (descumprir ordens consideradas injustas ou ambientalmente danosas) busca abrir debate jurídico sobre a legitimidade de certas normas e licenças.

Objetivo: deslocar o “ponto de equilíbrio”

O alvo é mover a janela do possível: criar senso de urgência, aumentar o custo político da inação e acelerar compromissos verificáveis (metas de emissão, freio a fósseis, proteção de biomas, transição justa). Muitas campanhas trabalham com pedidos claros (ex.: lei X, veto Y, cronograma Z) para transformar comoção em política pública.

Exemplos e seus impactos: o que aprendemos na prática?

Diversos movimentos já se mobilizam pelo mundo em prol da pauta climática, mas o que podemos aprender com eles? Quais ganhos suas ações já nos proporcionaram? Vamos entender abaixo:

Extinction Rebellion (XR): bloqueios de pontes em Londres e ocupações pacíficas de edifícios governamentais forçaram o debate nacional sobre emergência climática. O saldo foi o aumento de atenção pública e compromissos simbólicos (como declarações de emergência), mas também resultou em reação legal com regras anti-protesto mais duras em alguns países.

Ações em museus europeus (2022): colas e sopas em obras protegidas por vidro visaram viralizar a mensagem “não há arte em um planeta inabitável”. O resultado foi uma enorme visibilidade, mas também reprovação pública em parte dos espectadores e recrudescimento de críticas sobre “táticas contraproducentes”.

Dakota Access Pipeline (EUA, 2016): ocupações e bloqueios liderados por povos indígenas, aliados a processos judiciais e campanhas globais, reconfiguraram a conversa sobre direitos territoriais, água e risco climático de oleodutos. Houve ganhos temporários e idas e vindas nas autorizações, mostrando a necessidade de combinar desobediência com litigância e política formal.

Greves do Fridays for Future: milhões nas ruas em 2019 favoreceram compromissos de neutralidade de carbono e pautas climáticas em programas de governo. Como tática, indicam a força de participação massiva, e o limite de atos muito radicais quando o objetivo é ampliar consenso.

Diante disso, algumas lições recorrentes são: 

  1. A desobediência civil atrai mídia e reduz a indiferença; 
  2. Gera respostas institucionais heterogêneas (de sinalizações positivas a leis mais restritivas);
  3. Funciona melhor quando ancorada em fatos científicos, pedidos específicos e alianças sociais (movimentos, academia, justiça, parlamento, setor privado em transição).

Alguns dilemas da desobediência civil climática

Ações disruptivas quebram o silêncio e geram manchetes. Entretanto, há o risco de produzir antipatia ou cansaço, reforçando estigmas (ex.: “baderna”, “anarquismo”). Por isso, parte dos grupos ajusta repertórios para não perder público e manter foco no problema (clima), não no gesto.

Além disso, comportamento de grupos mais radicais pode ajudar moderados (ao torná-los “razoáveis” por contraste) ou prejudicar o conjunto (quando o público não distingue nuances e penaliza todo o movimento). 

Há quem considere a desobediência civil eticamente justificável quando bens supraindividuais (clima, saúde, água) estão em risco e vias ordinárias se mostram insuficientes. Outros sustentam que quebrar regras enfraquece a confiança institucional. O debate se concentra em proporcionalidade, transparência, não violência, alvos e mensagem.

A argumentação baseada em evidências (IPCC, academias, dados locais) aumenta legitimidade e longevidade de mudanças. Propostas ancoradas em planos viáveis (curto, médio, longo prazo; custos; financiamento; governança) facilitam a transição de protesto para política.

A cientista política de Harvard, Erica Chenoweth, sugere que a participação ativa de cerca de 3,5% da população em protestos não violentos pode destravar transformações relevantes. Não é uma “lei dura”, mas um indicador de escala: alcançar massa crítica importa, tanto quanto manter diversidade tática e vínculos com a vida cotidiana (trabalho, escola, transporte, preço dos alimentos, saúde).

E o futuro? Caminhos para convergir pressão e política

A desobediência civil climática é uma entre várias ferramentas para pressionar por ação compatível com a ciência. A crise climática intensifica eventos extremos, pressiona orçamentos públicos e expõe desigualdades. Nesse contexto, a desobediência civil pode ter sua eficácia elevada quando:

  1. Conecta urgência a soluções: não basta dizer “parem fósseis”; é preciso mostrar o caminho, seja com metas de emissão, cronogramas, transição justa (emprego, renda), eficiência energética, transporte limpo, agricultura de baixo carbono ou proteção de florestas e água;
  2. Integra tática e estratégia: ação direta ganha tração quando dialoga com litigância estratégica, negociação legislativa, pressão setorial (investidores, consumidores), inovação tecnológica e políticas públicas (planos de adaptação, resiliência alimentar, obras prioritárias, financiamento verde);
  3. Prioriza não violência e proporcionalidade: minimizar dano, evitar riscos a pessoas e explicitar objetivos, reduz rejeições difusas. A clareza de alvos e mensagens ajuda a manter o foco no conteúdo climático, não no ato em si;
  4. Investe em pedagogia pública: tradução didática, visual e territorializada (como o clima impacta água, comida, saúde, transporte, moradia) amplia apoios. Combater desinformação e ancorar-se em dados fortalece pontes com quem ainda está em dúvida;
  5. Cuida das alianças: dialogar com movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais, trabalhadores de setores em transição, pesquisadores, gestores públicos e empreendedores é chave para desenhar políticas exequíveis e duráveis.

E aí, entendeu o que é a desobediência civil climática? Deixe suas dúvidas nos comentários!

Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!

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Conteúdo escrito por:

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Fabricio Moreira

Integrante do programa Embaixadores Politize!.

Layane Henrique

Faço parte da equipe de conteúdo da Politize!. Cientista social pela UFRRJ, pesquisadora na área de Pensamento Social Brasileiro, carioca e apaixonada pelo carnaval.
Moreira, Fabricio; Henrique, Layane. O que é desobediência civil climática?. Politize!, 27 de outubro, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/desobediencia-civil-climatica/.
Acesso em: 2 de nov, 2025.

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