Ilustração de duas engrenagens que tem a estampa das bandeiras da URSS e EUA, com um míssel entre essas engrenagens

A crise dos mísseis de Cuba: os 13 dias à beira da guerra nuclear

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No dia 22 de outubro de 1962, o presidente americano, John Fitzgerald Kennedy, fez um discurso temeroso à nação norte-americana. Para a surpresa dos cidadãos estadunidenses, a União Soviética havia dado poderio nuclear à Cuba, ilha a apenas 145 km do território americano. Foi assim que abertamente se iniciou a crise dos mísseis de Cuba.

Com a aproximação cubana aos soviéticos e armas nucleares tão próximas do solo americano, uma virada no jogo de influência parecia ocorrer na Guerra Fria. Durante este impasse entre as duas superpotências, EUA e URSS, o mundo ficou 13 dias à beira da guerra nuclear.

Quais eram as justificativas soviéticas e cubanas para tal ação? Como foram as tratativas para a resolução deste impasse? Tudo isto será respondido aqui neste artigo da Politize!.

A Guerra Fria: a antessala da crise dos mísseis de Cuba

A Guerra Fria representa um momento histórico em que, após o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, o mundo se dividiu politicamente em dois lados. Do lado ocidental do globo encontrava-se o bloco capitalista, liderado pelos EUA, enquanto do lado oriental estava o bloco socialista, liderado pela URSS.

Esse embate político-ideológico perdurou durante o restante do século XXI e desencadeou em diversas lutas indiretas por influências entre os dois blocos de poder do período. A luta por hegemonia internacional era tamanha que ambas as potências criaram políticas de Estado e instituições para lutar contra a influência ideológica de seu rival.

Como principais exemplos dessa tentativa de manter a influência econômica e política, temos o Plano Marshall dos EUA, que visava investir massivamente nas economias da Europa Ocidental para mantê-las leais ao bloco capitalista, e a criação da OTAN, um pacto de defesa contra os comunistas.

Em resposta, os soviéticos criaram o Conselho Mútuo para Assistência Econômica (COMECON) e o Pacto de Varsóvia, respectivamente, para investimento econômico e defesa contra o seu rival.

Nesse contexto ocorreu a Revolução Cubana (1952-1959), que depôs o governo pró-americano de Fulgêncio Batista. Tal ruptura instaurou um governo liderado por Fidel Castro com políticas nacionalistas e antiamericanas, como reformas agrárias e estatizações.

Em resposta, o governo estadunidense de Eisenhower impôs um embargo comercial e, em 1961, os EUA, sob Kennedy, romperam relações com Cuba e apoiaram a fracassada Invasão da Baía dos Porcos. Este fracasso consolidou a aliança cubana com a URSS e deu à revolução um caráter socialista, culminando na expulsão de Cuba da OEA em 1962.

A imagem mostra a bandeira de Cuba tremulando contra um céu azul claro e  com poucas nuvens. A bandeira, composta por cinco listras horizontais alternadas em azul e branco, possui um triângulo vermelho na lateral esquerda, que contém uma estrela branca de cinco pontas no centro. Texto: A crise dos mísseis de Cuba: os 13 dias à beira da guerra nuclear
Bandeira de Cuba. Imagem: Pixabay

Então, já deu para entender o que foi a Guerra Fria de forma simplificada né? Agora você entende as dinâmicas políticas dessas potências no restante do mundo.

Para saber mais sobre o assunto, leia aqui: Guerra Fria.

Por que enviar mísseis para Cuba?

Estrategicamente para a URSS, a ilha cubana era essencial para o aumento da influência socialista no continente americano. Podia-se considerar um desafio à soberania dos EUA haver um país socialista no continente americano em meio a Guerra Fria.

Por isso, o governo cubano buscou e conseguiu apoio militar soviético para a proteção de seu território contra os Estados Unidos. Todavia, por que enviar um arsenal nuclear para a ilha?

A União Soviética, nos anos 60, sob o comando de Nikita Khrushchev, estava ficando taticamente atrás dos Estados Unidos em relação ao seu poderio nuclear.

Não somente os EUA apresentavam um arsenal maior, mas também de maior alcance com seus mísseis balísticos nucleares. Além disso, os americanos possuíam mísseis posicionados na Turquia, muito próximo à fronteira com a URSS.

Por este motivo, Khrushchev precisava de um fator estratégico que o fizesse nivelar a vantagem com os Estados Unidos.

Cuba se mostrou perfeita para esta situação, pois, a ilha está a somente 145 km da costa do estado da Flórida, tornando a sua posição estratégica para a União Soviética instalar seus mísseis nucleares de médio alcance, ameaçando a segurança dos EUA.

Khrushchev estava disposto a deixar de lado a ideia de enviar os mísseis a Cuba se Castro fosse contrário. Porém, o líder cubano se mostrou receptivo à ideia, ao imaginar que estava ao mesmo tempo reforçando a proteção de seu país e fortalecendo seus laços com a URSS.

Os soviéticos decidiram fornecer proteção aos cubanos sem incluí-los oficialmente no Pacto de Varsóvia, pois consideraram que seria arriscado demais. Para garantir a defesa de Cuba, eles planejaram enviar e montar rapidamente um arsenal nuclear na ilha, sem que os americanos tomassem conhecimento.

Todavia, a aproximação com a URSS e a instalação de mísseis em Cuba reforçou a defesa da ilha, mas também aumentou as tensões no continente, com vários países latino-americanos expressando preocupações sobre a expansão da influência soviética na região e os riscos de um conflito nuclear.

Assista também o nosso vídeo sobre o socialismo cubano!

O estopim da crise dos mísseis de Cuba

Em 14 de outubro de 1962, um caça espião U-2 Norte-Americano sobrevoava o espaço aéreo cubano e fotografou canteiros para a instalação de mísseis nucleares na ilha.

De acordo com Raquel Anne Lima de Assis, doutora em história comparada, o atraso do reconhecimento dessas armas nucleares pela CIA resultou na missão bem sucedida pela URSS de enviar mais de 99 ogivas nucleares para Cuba.

Essas ogivas nucleares eram setenta vezes mais poderosas do que as usadas pelos americanos em Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra mundial.

Além disso, Raymond L. Garthoff, especialista em Segurança Internacional e ex-embaixador Norte-Americano, relata que a CIA na época afirmou haver cerca de 22 mil soldados soviéticos na pequena ilha. Todavia, o pesquisador afirma que na realidade, após o final da crise, descobriu-se que haviam mais de 42 mil soldados da URSS em solo cubano

Os mísseis nucleares em Cuba que alcançavam o território americano estavam sob total controle da União Soviética. Mais especificamente do General soviético Pliyev, o qual possuía ordens estritas para que mesmo sob ataque americano, o mesmo estava proibido de disparar as ogivas sem uma autorização expressa de Khrushchev.

Essas fotos retiradas foram levadas no dia 16 de outubro pela manhã ao escritório de John Kennedy, e este é considerado o primeiro dia dos treze da crise.

Os dias seguintes foram repletos de discussões secretas dentro da Casa Branca entre o presidente e o ExComm (Comitê Executivo do Conselho de Segurança Nacional) sobre como proceder. As opções de ação variavam desde soluções pacíficas até mesmo o confronto direto na ilha cubana. Joseph Nye, cientista político, afirma que Kennedy possuía somente três opções viáveis para a resolução:

  1. Bombardear os sítios das ogivas nucleares em Cuba;
  2. Realizar um bloqueio naval na ilha para forçar os soviéticos a retirarem os mísseis;
  3. Optar pela via diplomática e dar algo em troca à URSS para que retirassem o armamento nuclear.

Então, no dia 22 de outubro, os diplomatas soviéticos foram pegos de surpresa com um anúncio oficial do presidente Kennedy à nação americana via rádio e televisão. John Kennedy expôs para os cidadãos norte-americanos o plano dos soviéticos e alertou-os da situação de iminente perigo.

Afinal, ogivas nucleares tão próximas ao território norte-americano representavam uma ameaça enorme para seus cidadãos e corpo governamental. Para somar a esta situação, o governo norte-americano decretou uma “quarentena” na ilha de Cuba, ou seja, um bloqueio naval físico feito pela marinha estadunidense.

Desta vez o bloqueio realmente possuía corpo físico, não era simplesmente econômico, e buscava impedir mais transferência de armamento nuclear soviético. Kennedy ainda requisitou a retirada total das ogivas nucleares da ilha por parte da URSS.

As tratativas para o fim da crise

As tensões entre ambos os países aumentavam e, assim como Kennedy, Khrushchev também se reuniu no Kremlin com os seus ministros de defesa nacional para pensar em estratégias de como agir nessa situação.

De acordo com Raymond L. Garthoff, a ideia inicial dos líderes soviéticos era de que a tensão fosse desescalar ao ponto dos americanos aceitarem uma presença parcial das ogivas em Cuba.

Todavia, no dia 26 de outubro de 1962, a inteligência soviética afirmava que os Estados Unidos já haviam preparado contingente para um ataque aéreo e invasão a Cuba se necessário. Preocupado, Khrushchev enviou uma mensagem no mesmo dia para Kennedy em busca da resolução.

Nesta primeira mensagem, o líder soviético oferecia a retirada das ogivas de Cuba em troca da retirada do arsenal nuclear americano da Turquia e da garantia americana de que não atacaria a ilha caribenha.

Ainda assim, ao longo do dia 27 outubro, a inteligência da URSS viu sinais de que os EUA continuavam planejando invadir a ilha entre os dias 29 e 30.

Ilustração de queda de braço entre Nikita Kruchóv e John Kennedy, os dois sentados em cima de duas ogivas nucleares. Texto: A crise dos mísseis de Cuba: os 13 dias à beira da guerra nuclear
Ilustração Nikita Kruchóv e John Kennedy. Imagem: Toda Matéria

As preocupações aumentaram ainda mais quando, neste mesmo dia 27, um caça U-2 americano foi abatido pela artilharia soviética em Cuba. Ocasionando a primeira e única morte de todo o conflito.

Nessa mesma movimentação, Fidel Castro informou a Khrushchev que havia indicações de que o ataque americano seria iminente à ilha, algo em torno de 24h a 72h . Castro suplicou para que a União Soviética atacasse preventivamente os Estados Unidos.

Porém, este apelo fez com que o líder soviético reforçasse a sua ideia de que a retirada dos mísseis seria necessária, mas com a promessa de não agressão americana à Cuba.

Enquanto isso, do lado norte-americano, para vários membros do ExComm os soviéticos pareciam estar vulneráveis, por conta das ameaças militares e o medo da guerra nuclear. Tanto é que exigiam uma posição mais rigorosa do presidente Kennedy, e o aconselharam a pedir a deposição de Fidel como parte dos acordos de paz.

Porém, o presidente norte-americano decide aceitar os termos sugeridos por Moscou e enviou uma mensagem para o Kremlin sobre este assunto no dia 28 de Outubro.

Nesta mensagem, Kennedy explicita que, se a URSS retirar as ogivas nucleares de Cuba, os EUA prometem não mais agredir a ilha e, secretamente, retirar seus armamentos nucleares das bases turcas.

No mesmo dia Khrushchev anuncia via rádio e por canais diplomáticos que irá retirar os mísseis das terras cubanas, processo que se inicia no dia 29 de Outubro. Dessa maneira, se encerrou a “Crise do Mísseis de Cuba” e um dos momentos mais tensos da história do mundo.

Todavia, isto motivou a criação da linha direta de comunicação entre Washington e Moscou (“telefone vermelho”), para evitar escaladas de conflito neste nível entre ambas as potências. Além disso, impulsionou o inicio de negociações para limitar o desenvolvimento e acesso à armas nucleares, como o Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares (1963) e o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (1968).

Por fim, este evento aumentou a percepção dos EUA em relação à necessidade de combater a influência soviética no continente americano.

Para saber mais sobre as ações dos EUA na América Latina durante a Guerra Fria, leia: Operação Condor e ditaduras na América Latina: entenda

O impacto da crise dos mísseis no cinema, música e cultura pop

Como foi visto, a Crise dos Mísseis de Cuba foi um evento que afetou diversas esferas da sociedade, incluindo a cultura pop. Assim, temas relacionados à destruição em massa, medo nuclear e espionagem passaram a ser abordados com bastante frequência ao longo da Guerra Fria em diante.

Como exemplo no campo dos longa-metragens, o renomado diretor Stanely Kubrick dirigiu o filme Dr. Strangelove” (1964). Este filme é uma sátira que explora o absurdo das estratégias de dissuasão nuclear, a qual critica a irracionalidade dos militares perante uma ameaça de destruição em massa.

Neste mesmo sentido, na música “Russians” de Sting (1985), a lógica de dissuasão nuclear da Guerra Fria também é criticada. Nela, o cantor apela para um pedido de paz entre ambas as potências, EUA e URSS, ao destacar a humanidade compartilhada entre ambas as sociedades russas e americanas.

Também é válido citar a série de jogos de videogame Fallout, lançada originalmente em 1997 pela Interplay Entertainment. Atualmente a franquia é controlada pela Bethesda, uma das grandes produtoras de jogos no mercado, e inclui sete jogos para computador e console, além de versões para dispositivos móveis e jogos de tabuleiro.

Esta franquia retrata um mundo retrofuturista que foi devastado por uma guerra nuclear global entre grandes potências. Em seus jogos principais, os protagonistas devem sobreviver em uma realidade pós-apocalíptica cheia de desafios.

Portanto, a Crise dos Mísseis de Cuba foi um evento com repercussões que reverberaram tanto na política internacional quanto no imaginário popular, demonstrando sua importância na Guera Fria!

E aí, gostou de saber mais sobre essa história da crise dos mísseis de Cuba? Ficou alguma dúvida? Deixe nos comentários!

Referências:

  • AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: editora UNESP, 3ed. 2004.
  • BBC News Brasil – Crise dos Mísseis de Cuba: o evento que quase levou à guerra nuclear entre EUA e URSS
  • BRAVO, Juliano dos Santos. A POLÍTICA INTERNACIONAL E A CRISE DOS MÍSSEIS: 13 dias sob o terror nuclear. Revista Novas Fronteiras, v.2, n.1, 2015.
  • CNN BRASIL – Há 59 anos, a Crise dos Mísseis quase causava uma guerra nuclear.
  • DOMINGOS, Charles Sidata Machado. 50 ANOS DA CRISE DOS MÍSSEIS: HORROR NUCLEAR EM TEMPOS PRESENTES. Historiæ, Rio Grande, v. 4, n. 2, p.79-90, 2013.
  • GARTHOFF, Raymond L.. The Cuban Missile Crisis: an overview. In: The Cuban Missile Crisis Revisited, [S.L.], p. 41-53, 1992.
  • JOHN F. KENNEDY PRESIDENTIAL LIBRARY AND MUSEUM. – Cuban Missile Crisis.
  • KUBRICK, Stanley. Dr. Strangelove. Columbia Pictures, 1964.
  • LIMA, Raquel. A Inteligência Norte-americana e a Crise dos Mísseis de 1962. Cadernos do Tempo Presente, [S.L.], v. 10, n. 02, p. 124-132, 10 dez. 2019.
  • Tecnoblog – A cronologia Fallout; saiba a ordem para jogar
  • STING. “Russians.” The Dream of the Blue Turtles. A&M Records, 1985.
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Conteúdo escrito por:
Paraibano, atualmente morando na floresta de concreto do Brasil (São Paulo), bacharel em Relações Internacionais pela UFPB e mestrando em Relações Internacionais pela USP. Apaixonado por estudos relacionados a desenvolvimento internacional e China. Ex-participante de modelos de simulação da ONU e amante de RPG de mesa.
Carneiro, Raphael. A crise dos mísseis de Cuba: os 13 dias à beira da guerra nuclear. Politize!, 12 de novembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/a-crise-dos-misseis-de-cuba/.
Acesso em: 1 de dez, 2024.

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