Quem foi Chica da Silva?

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Chica da Silva (ou Xica da Silva) foi uma mulher negra escravizada nascida em território brasileiro nos arredores da cidade que hoje se conhece como Serro, território de Minas Gerais próximo a Diamantina, no ano de 1731.

Chica ficou conhecida por ter sido uma mulher escravizada que, após alforriada, desenvolveu um relacionamento amoroso duradouro com João Fernandes, um importante contratador de diamantes da região – e um dos mais ricos funcionários da coroa portuguesa àquela época.

Sua mobilidade de classe em uma sociedade em que as disparidades sociais comumente estiveram vinculadas com a raça, como o caso brasileiro, a coloca como uma figura histórica de importante expressão para a análise da formação do território em meio aos complexos conflitos raciais que formaram o Brasil.

Afinal, uma mulher negra, ex-escravizada, ascendendo a uma vida nobre, não era algo comum de se acontecer na sociedade colonial.

No texto de hoje, vamos conhecer um pouco mais sobre quem foi Chica e por que ela passou a figurar como um nome de representatividade e resistência, sendo mobilizada em diversas obras dentro das mais vastas expressões artísticas sobre a cultura brasileira.

Quem foi Chica da Silva?

Francisca da Silva de Oliveira nasceu no Arraial do Milho Verde, região próxima a Diamantina, onde existia intensa atividade comercial em torno da extração de minério. Filha de pai português e mãe escravizada, Chica foi vendida para um médico de um vilarejo próximo, Manuel Pires Sardinha.

Sua vida com Manuel se constituiu através de violências e abusos, lhe rendendo um filho – este que não foi reconhecido por Manuel.

Passado algum tempo, em 1753, Chica da Silva foi comprada pelo influente agente comercial da região, João Fernandes de Oliveira, e foi levada em definitivo para a cidade de Diamantina. Os dois se apaixonaram e, dois meses após sua compra, a ex-escravizada foi alforriada, fazendo com que o romance fosse vivido de forma livre e de maneira pública.

Os dois tiveram 13 filhos e Chica, a partir disso, foi elencada a uma vida de baronesa, passando a ocupar o posto que, tradicionalmente, era reservado às mulheres brancas.

De acordo com relatos históricos, Chica investiu em uma vida socialmente ativa nos círculos sociais das altas classes coloniais. Os empecilhos por ser uma pessoa negra não se sobrepunham ao seu poderio financeiro, que dava conta de arrendar qualquer tipo de requerimento e status que fosse.

Saiba mais sobre as dinâmicas e história do Brasil Império: Primeiro Reinado: ascensão de Dom Pedro I e início do Brasil Império.

Chica passou a ser conhecida por ser uma mulher de “pulso firme”, que não deixava o preconceito de classe e raça sobrepor às suas vontades e a sua condição de riqueza.

Imagem de Chica da Silva já liberta e em ascensão na sociedade.
Foto de ilustração de Chica da Silva. Imagem: Wikimedia Commons.

Ainda que ex-escravizada, Chica ficou conhecida por ter muitas escravas e servos que dispunham da organização de seu patrimônio e das demais tarefas que por eles eram, tradicionalmente, acumuladas.

Um dos dados históricos que saltam sobre a vida de Chica com João, foi a quantidade de filhos que tiveram, foram 13 filhos: 9 homens e 4 mulheres.

A vida de Chica foi marcada pelo recorrente contraste com os padrões sociais da colônia. Em levantamentos biográficos sobre sua vida, realizado pela historiadora Júnia Furtado (2003), pode-se encontrar registros não apenas de seu enorme patrimônio arrendado do marido, mas também de suas inserções em irmandades religiosas da igreja católica – participações essas que eram extremamente restritas dado o elevado custo das taxas de manutenção do posto.

A construção histórica da figura Chica da Silva

Entender quem foi Chica da Silva passa por uma tarefa sócio-histórica, recuperando documentos históricos e análises que corroboram na construção de quem foi a personagem.

A primeira tentativa de reconstituição de uma memória sobre quem foi Chica veio através de uma publicação de Joaquim Felício dos Santos, um advogado componente do governo de Minas Gerais no século XIX que compôs um livro de memórias sobre a região de Diamantina e sua constituição territorial.

Nesse relato, Chica foi descrita como uma mulher promíscua, acusada de usar de sua fortuna para chantagear sexualmente outros barões. Além disso, Joaquim a retratou como um mulher cruel e vingativa, a ressaltando como uma mulher de luxos exarcebados e impiedos com seus súditos.

Alguns historiadores acusam o posicionamento de Joaquim como uma reconstrução claramente racista.

Júnia Furtado (2003), por exemplo, sinaliza que a construção mítica de Chica se deu por duas vias: uma que partiu de relatos racistas, que tentavam reconstituir a história da mulher como um ponto fora da curva, e outra que procurou entender Chica como uma figura de importante enfrentamento aos parâmetros sociais raciais – utilizando a história da negra como um exemplo de superação do que muitos pensadores brasileiros costumavam chamar de mito das três raças (uma visão de que as raças, branco, preto e indígena, tiveram uma miscigenação harmoniosa ao longo da história do Brasil).

Podemos nos ater, portanto, em alguns fatos que somatizam na história de Chica da Silva. Estes que não compõem sua figura enquanto mito nem mesmo enquanto personagem fictício.

Júnia, em seu livro “Chica da Silva e o contratador dos diamantes”, defende a hipótese de que Chica ganhou tal notoriedade social inserindo-se socialmente através do concubinato (união de duas pessoas que não se casam devido a algum impedimento social).

Dessa maneira, a negra conseguiu ascender socialmente através da condição de esposa de um agente rico da coroa portuguesa.

Tal casualidade não isenta de entender a história de Chica, também, através das limitações e imposições civis que as mulheres possuíam, uma vez que, após sua ascensão social, sua vida foi dedicada a cuidar de seus filhos.

Veja também: A história dos direitos das mulheres

Dessa maneira, veremos a seguir que a construção imagética e histórica de Chica da Silva agregou elementos de todas as vertentes: seja ela como a representação de uma mulher negra empoderada, seja como uma mulher atraente e de alto poderio erotizante.

Chica da Silva e suas representações na cultura pop

“Xica da, Xica da, Xica da Silva, a negra”…

Assim começa a canção “Xica da Silva” de Jorge Ben de 1976, música que incorpora seu disco “África Brasil” (14º disco de estúdio de sua extensa carreira). Ao longo da letra, Ben Jor disseca toda a história da negra ex-escravizada e seu processo de incorporação na elite da sociedade colonial:

“Xica da Silva a negra, a negra / De escrava a amante, mulher / Mulher do fidalgo tratador João Fernandes”

Jorge Ben evoca Xica da Silva como uma figura mítica. Em verdade, a obra do cantor costuma dialogar com a cultura afro-brasileira, referenciando personagens e símbolos importantes para a constituição de uma memória consciente sobre o povo negro dentro do território.

No disco “África Brasil” não foi diferente, celebrando os laços profundos da constituição do negro brasileiro, Ben Jor evoca não apenas Chica da Silva, mas uma série de outros personagens que contribuíram para a superação de uma suposta visão harmoniosa que se criou sobre a cultura brasileira em torno da pacificação entre as raças.

Dessa forma, a canção celebra a ascensão de Chica como uma espécie de subversão aos padrões da sociedade na época:

“Muito rica e invejada / Temida e odiada / Pois com as suas perucas / Cada uma de cor / Joias, roupas exóticas / Das Índias, Lisboa e Paris / A negra era obrigada a ser recebida como uma grande senhora / Da corte do Rei Luís”

Em referência a sociedade de corte europeia e ao Rei Luís XVI da França, Benjor retrata a imposição que o posto de “mulher rica” rendia a Chica, tendo que ser aceita – apesar de ser negra – nos mais elevados círculos sociais.

Outra obra ficcional de extrema importância para a construção imagética de Chica foi o filme “Xica da Silva”, também lançado no ano de 1976, dirigido pelo célebre Caca Diegues.

De maneira também ficcional, o filme corroborou na construção heróica de Chica como uma ex-escravizada que, conquistando sua alforria, superou diversas barreiras sociais em nome do status e do amor.

Imagem da capa do filme Chica da Silva de Carlos Diegues
Imagem da capa do filme Xica da Silva de Carlos Diegues.

Àquela época, o diretor vinha de uma sequência de filmes que buscavam reconstituir a imagem do Brasil colônia, tratando de maneira pacífica e conciliadora os conflitos que se sobrepunham na sociedade brasileira escravagista.

Além disso, o filme corroborou, pela primeira vez, com a imagem de uma Chica da Silva sedutora e sexualizada nas telas, pautando a atuação da atriz Zezé Motta por expressões de uma feminilidade provocativa, alegre e instigante.

Mais tarde, já nos anos 90, a vida de Chica foi reconstituída na novela da Tv Manchete “Xica da Silva”. Escrita por Walcyr Carrasco, baseada no filme de Diegues, Xica da Silva foi ao ar em 1996.

A novela tinha Chica como personagem principal e desenrolou toda sua trajetória de escravizada até a ascensão vivida ao se casar com o barão João – somatizando elementos novelescos que desviavam, ora ou outra, da composição histórica da personagem.

Interpretada pela atriz Taís Araújo, a novela também pautou Chica por sua imagem sedutora e sexualizante em diversos momentos do enredo.

Podemos citar ainda a aparição de Chica na coletânea “Romanceiro da Inconfidência” de Cecília Meireles, importante livro da poetisa mineira que reconstitui a história da inconfidência mineira através de várias passagens e personagens importantes na consolidação do imaginário do estado de Minas Gerais.

No poema “Romance XIV ou Da Chica Da Silva”, Cecília busca reconstituir Chica por um outro lado: a negra que ascendendo torna-se uma mulher dura e “mandona”, de rédea curta para com seus escravos e serviçais:

“Que andor se atavia naquela varanda? / É a Chica da Silva: é a Chica que Manda!

[…]

Escravas, mormos seguem como um rio / a dona do dono do Serro do Frio.

[…]

Um rio que, altiva, dirige e comanda a Chica da Silva / a Chica que Manda!”

Assim, podemos identificar as mudanças de comportamento da Chica, antes escrava, se tornando sinhá, que manda e desmanda e exerce com rigoroso poder o controle social que era subjugado – e permitido – às mulheres naqueles tempos.

Chica da Silva e o carnaval

Um outro importante momento de reconstituição histórica da figura de Chica, se deu no carnaval carioca de 1963, no qual a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro desfilou na avenida sob um samba enredo que homenageava a negra:

“Apesar de não possuir grande beleza / Xica da Silva surgiu no seio da mais alta nobreza O contratador João Fernandes de Oliveira / A comprou para ser a sua companheira / E a mulata que era escrava / Sentiu forte transformação / Trocando o gemido da senzala / Pela fidalguia do salão”

O samba, que foi desenvolvido sob supervisão do carnavalesco Arlindo Rodrigues, alude a vida de Chica como uma vida de superação de barreiras, uma vez que a escrava ascendeu a vida de fidalga, como diz a letra.

Além disso, essa foi a primeira vez que uma personagem feminina foi tema central do carnaval do Rio.

Veja também: 10 sambas enredo que contam a história do Brasil

O desfile do Salgueiro sobre Chica da Silva foi marcante não apenas pelo seu enredo, mas por ter sido um marco na história dos desfiles de carnaval do Rio de Janeiro.

1963 foi o primeiro ano do desfile na Avenida Presidente Vargas, uma das maiores da capital carioca, o que deu margem para as escolas aumentarem a escala de seus desfiles em termos de figurino, alas e carros alegóricos.

Imagem de desfile da escola de samba Salgueiro em 1963 representando Chica da Silva
Desfile do Salgueiro em 1963 representando Chica da Silva. Imagem: O Globo.

Fato é que a influência do desfile percorreu toda a cultura brasileira nas décadas seguintes, sendo a influência principal para a construção das obras citadas acima. O poderio imagético e narrativo da construção do enredo recaiu sob a cultura de maneira a dar um novo sentido para a figura de Chica.

Revisitar Chica da Silva é uma forma importante de estarmos em contato com os signos de nossa cultura que foram sendo modificados com o tempo, o que corrobora em nossa compreensão de quem somos hoje e como lidamos com a nossa memória!

E aí, gostou de aprender mais sobre a Chica da Silva e seu percurso histórico? Ficou com alguma dúvida ou gostaria de acrescentar alguma informação? Não hesite em nos escrever pelos comentários ou em nossas redes sociais.

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Conteúdo escrito por:

Juliano Dias Guimarães

Bacharelado em Ciências Humanas – Universidade Federal de Juiz de Fora; Bacharelado em Ciências Sociais – Universidade Federal de Juiz de Fora; Licenciado em Ciências Sociais – Universidade Federal de Juiz de Fora.
Guimarães, Juliano. Quem foi Chica da Silva?. Politize!, 19 de maio, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/chica-da-silva/.
Acesso em: 19 de mai, 2025.

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