É possível o compartilhamento de acesso em serviços de streaming?

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Em um mundo cada vez mais digital, novas tecnologias surgem a cada dia, trazendo aos usuários ferramentas para estudo, trabalho ou, apenas, lazer. Uma dessas tecnologias é o streaming, que, em síntese, transmite dados ao usuário pela internet, sem que haja necessidade de se realizar o download do arquivo.

Assim, não importa se o aparelho usado não possui grande capacidade de armazenamento. Como a transmissão dos dados é feita pela internet, o usuário terá acesso ao arquivo (aula, filme, música, dentre outros) sem necessidade de armazená-lo em seu computador, celular ou tablet. Mas será que é possível compartilhar o acesso a esses serviços? É isso que a Politize! buscará responder neste texto.

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Streaming e o avanço social

O streaming causou a evolução de várias atividades que, anos atrás, seriam realizadas mais dificilmente. Basta lembrar de situações corriqueiras antes do surgimento desse tipo de serviço, como querer assistir a um filme no final de semana. Se a obra não estivesse no cinema, era preciso ir até a locadora procurá-la.

Não demorou muito para que grandes companhias, percebendo o nicho crescente desse tipo de tecnologia, começassem a investir para atrair usuários aos seus serviços de streaming.

A própria Netflix, uma das empresas mais relevantes desse mercado, é a representação dessa evolução social. Nascida na segunda metade da década de 90 como um serviço de entrega de DVDs por correio, ela iniciou em 2007 a transmissão de filmes e séries por streaming.

Estante de capas de DVDs enfileirados em locadora de filmes.
Locadora de filmes. Imagem: pixabay.

Streaming e bens imateriais

Inicialmente, vamos apresentar algumas noções básicas sobre propriedade. Juridicamente, existem os chamados bens materiais, que são objetos palpáveis com existência no mundo concreto.

Quando você vai ao mercado e compra uma maçã, trata-se de um bem que você adquiriu para si, havendo materialidade pois você pode tocá-la. Vale a ressalva de que determinados elementos naturais existem fisicamente, mas não podem ser tocados, como os gases. No entanto, para a finalidade informativa deste texto, fiquemos apenas com a visão geral.

A partir desse momento, e partindo do pressuposto que você não vai esquecer a maçã no fundo da geladeira, abre-se um leque de opções para você decidir o que fazer: doá-la, revendê-la ou, então, consumi-la.

No entanto, com o avanço tecnológico, surgiram novos tipos de bens que não possuem existência no mundo concreto e, por isso, são chamados de imateriais. Um ponto importante é que mesmo não existindo fisicamente, eles possuem proteção da legislação.

Quando falamos em serviços de streaming, estamos nos referindo a uma gama de conteúdos imateriais criados e disponibilizados pelas plataformas para uso por seus respectivos usuários. Netflix, HBO, Disney+, Prime Video e Spotify são exemplos de serviços que fornecem a possibilidade de os assinantes assistirem filmes e séries ou escutarem músicas via streaming.

Mas, se os filmes, séries e músicas são bens imateriais, a quem eles pertencem?

Um conteúdo pode ser produzido pela companhia que oferece o serviço de streaming. Assim, por exemplo, a série Coreana Round 6 foi produzida pela Netflix, detendo ela, portanto, os direitos sobre a série.

Também é possível que haja o licenciamento do bem. Um exemplo bastante emblemático foi em relação à série de comédia Friends. Por anos, ela era exibida exclusivamente pela Netflix. Hoje, não há mais essa exclusividade.

Mas se a Netflix não produziu a série, como foi possível exibi-la com exclusividade por anos? Neste caso, os titulares dos direitos sobre a série assinaram um contrato de licenciamento com a Netflix. Nesse contrato, ficou definido que a Netflix teria o direito exclusivo de exibir a série, mediante o pagamento de um valor determinado aos titulares do direito autoral.

Um detalhe: o contrato de licenciamento é temporário, ou seja, existe por um período determinado. Quando ele termina, é preciso que a plataforma de streaming renove a licença, pois, caso contrário, perderá o direito de manter o bem em seu catálogo.

É por isso que ocorre de filmes e séries entrarem e saírem do catálogo dessas plataformas. Se você assistir a um filme hoje na Disney+ e, no mês seguinte, aquele filme não estiver mais disponível, é porque, provavelmente, o contrato de licenciamento que a Disney tinha com o titular do direito autoral expirou, não tendo ocorrido renovação.

Porém, isso não impede que o produto retorne futuramente para a plataforma, bastando que seja assinado um novo contrato de licença.

Por último, a companhia que oferece o streaming pode também “adquirir” os direitos sobre o bem imaterial. Imagine que você gosta muito de uma música específica e gostaria de ouvi-la no Spotify. O(s) detentor(es) do direito autoral em relação àquela música pode(m) ceder o referido direito à Spotify, ficando a companhia autorizada a disponibilizá-la em sua plataforma.

Neste caso, o antigo titular do direito autoral “vende” o direito à plataforma. No exemplo citado, sua música favorita vai permanecer com a Spotify pelo tempo que ela quiser, porque, afinal de contas, a plataforma “comprou” os direitos sobre a obra.

Streaming e a violação de direitos autorais

Diante das explicações acima, é possível ter a ideia de que, realmente, o mundo por trás do streaming é extremamente complexo, envolvendo o trabalho de muitas pessoas a nível global. Tendo em vista essa complexidade e o fato de que o bem imaterial é um produto, é necessário que haja uma contraprestação pelo acesso a esses bens.

O usuário de streaming, portanto, paga um valor (normalmente, mensal) à sua plataforma favorita e, em contrapartida, fica autorizado a ter acesso ao catálogo de obras. Nesse caso, a grande dúvida que surge é: posso compartilhar meu acesso (senha e login) com outras pessoas?

Para responder a essa pergunta, é necessário responder antes a uma outra: o que diz o contrato que você, como usuário, assinou com a plataforma de streaming?

Você pode estar pensando: “espera, eu assinei um contrato?” Com certeza! Ao criar uma conta em uma plataforma de streaming, você, obrigatoriamente, precisou consentir com os termos de uso da plataforma.

O quê? Você marcou a opção “li e concordo” sem ler os termos de uso? Infelizmente, você não está sozinho. Praticamente a totalidade dos assinantes marca essa opção sem ler uma linha sequer do documento.

Para te ajudar, vamos analisar os termos das principais plataformas no ponto referente ao compartilhamento de senhas, de forma resumida:

NETFLIX: Cláusula 4.2. O serviço Netflix e todo o conteúdo acessado por intermédio do serviço Netflix destinam-se exclusivamente para uso pessoal e não comercial, portanto, não podem ser compartilhados com pessoas de fora da sua residência.

HBO: Cláusula 4.1. Os titulares dos direitos autorais licenciaram este Conteúdo apenas para uso privado e não para exibição pública ou comercial.

Disney+: Cláusula 2. Os Serviços da Disney são para o seu uso pessoal e não comercial, e se destinam apenas a fins informativos e de entretenimento.

Prime Video: Cláusula 4.h. Sujeito ao pagamento de valores para alugar, comprar ou acessar Conteúdo Digital, e ao adimplemento de todos os termos deste Contrato, a Amazon concede a você uma licença (…) para uso pessoal, não comercial e privado.

Spotify: Cláusula 8. Nós concedemos a você uma permissão (…) para fazer uso pessoal e não comercial do Conteúdo (…) Você promete e concorda que você está usando o Serviço Spotify e o Conteúdo para seu próprio uso pessoal.

Como é possível constatar, os termos de uso das principais plataformas de streaming variam um pouco em seu conteúdo literal, mas todos têm o mesmo sentido: não é permitido compartilhar o acesso com outras pessoas.

A assinatura padrão de uma plataforma permite apenas que o usuário tenha acesso ao catálogo oferecido pela companhia, fazendo uso do serviço de forma privada e sem qualquer finalidade lucrativa.

Assim, “emprestar” o login para um amigo, ou mesmo para um familiar, configura violação dos termos de uso das plataformas de streaming. Algumas plataformas aplicam ferramentas para mitigar essa proibição, desde que haja, claro, a correspondente contraprestação financeira pelo usuário.

Um exemplo é a Netflix, que está implementando uma cobrança adicional ao titular da conta quando verifica, a partir de cruzamento de IPs, que há compartilhamento de senhas com pessoas de fora da residência.

Outro exemplo é o Spotify, que criou o plano Duo: nele, duas pessoas podem “dividir” a mesma conta. A ressalva é que ambas devem morar na mesma residência.

Sanções legais pela violação de direito autoral

Mesmo existindo argumentos acerca da “adequação social” no que tange ao compartilhamento de acesso em serviços de streaming, é necessário ponderar que a indústria é responsável pela geração de empregos, renda e receita tributária, com reflexos estruturais na sociedade (é possível, então, perceber a dimensão da importância em se proteger os direitos autorais).

Assim, o compartilhamento de acesso em serviços de streaming pode trazer punições ao infrator, pois a prática consiste em violação aos termos de uso das plataformas e, consequentemente, de direito autoral.

Civilmente, é possível que o titular dos direitos busque as reparações financeiras decorrentes do compartilhamento ilegal. Podem ser responsabilizados tanto o “dono” da assinatura que “emprestou” o login quanto os beneficiários, isto é, as pessoas com quem o acesso foi compartilhado.

Na esfera criminal, o art. 184, caput do Código Penal criminaliza a violação de direitos autorais com uma pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa. Assim, é possível que o infrator também responda criminalmente, pois o descumprimento dos termos de uso das plataformas se configura como uma forma de violação de direito autoral.

Em síntese, as companhias que operam a tecnologia de streaming oferecem aos usuários acesso aos seus respectivos catálogos de conteúdo e, em contrapartida, cobram valores para tanto.

Tanto no Brasil quanto ao redor do mundo não existe a prática de compartilhamento de assinatura dessas plataformas, feito pelo titular a pessoas que normalmente são próximas do seu convívio, como familiares e amigos. A partir da análise jurídica realizada, fica clara a inviabilidade dessa prática, em geral, bem como suas possíveis consequências.

E você? Tem assinatura em algum serviço de streaming? Imaginava como era complexo o mundo por trás de tais serviços? Deixe seu comentário e compartilhe este conteúdo!

Referências:

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Conteúdo escrito por:
Professor e Pesquisador de Direitos Humanos, Direito Penal e Execução Penal.

É possível o compartilhamento de acesso em serviços de streaming?

24 abr. 2024

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