
O coronelismo รฉ um fenรดmeno que se iniciou no Brasil apรณs a proclamaรงรฃo da Repรบblica. Com o fim do voto censitรกrio โ que exigia do cidadรฃo uma renda mรญnima para poder votar โ o nรบmero de brasileiros eleitores aumentou e as elites do impรฉrio passaram a se utilizar desse fenรดmeno para se manter no poder.
Conceito

O jurista brasileiro Victor Nunes Leal foi o criador do termo, em 1948, no livro โCoronelismo, Enxada e Votoโ. Em suas prรณprias palavras:
โConcebemos o coronelismo como resultado da superposiรงรฃo de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econรดmica e social inadequada (…) o coronelismo รฉ sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder pรบblico, progressivamente fortalecido, e a decadente influรชncia social dos chefes locais, notadamente, os senhores de terrasโ.
Ou seja, o coronelismo era uma troca de favores entre os menos favorecidos e os coronรฉis, e entre estes e o poder pรบblico.
MAS QUEM ERAM OS CORONรIS?

Durante o perรญodo regencial (1831-1840), uma sรฉrie de revoltas populares eclodiram pelo paรญs. Para controlรก-las, o governo criou a chamada Guarda Nacional. Essa guarda era particionada por grandes senhores de terras, que ganhavam o tรญtulo de โcoronelโ. Com o inรญcio da Repรบblica, a Guarda perdeu espaรงo gradualmente, atรฉ deixar de existir em 1922. Mas o prestรญgio e influรชncia dos coronรฉis continuou. Assim, eles se mantiveram como chefes polรญticos de รกreas prรณximas ร sua propriedade, ou de sua vizinhanรงa. Essas รกreas eram chamadas de currais eleitorais.
VOTO DE CABRESTO

O coronel mantinha com seu curral eleitoral uma troca de favores: ele protegia a populaรงรฃo do โcurralโ, e esta o obedecia. Assim, durante a รฉpoca das eleiรงรตes, todas as pessoas que dependiam do coronel votavam no candidato que ele indicava. Essa prรกtica ficou conhecida como voto de cabresto, expressรฃo que compara o eleitor a um animal controlado por alguรฉm.
Alรฉm disso, o eleitor podia ser pressionado pelo coronel, visto que o voto era aberto: se escrevia em um papel o nome do candidato e a assinatura do eleitor ao lado. Com isso, era fรกcil saber em quem o eleitor tinha votado.
Coronelismo e polรญtica dos governadores
A relaรงรฃo entre coronรฉis e curral eleitoral servia para sustentar nรฃo somente o poder local, mas toda uma relaรงรฃo polรญtica que ficou conhecida como Polรญtica dos Governadores. Ela consistia em uma troca de favores que ia do nรญvel municipal atรฉ o federal.
Os coronรฉis garantiam votos nos municรญpios para os presidentes de estado (tรญtulo dado aos governadores na รฉpoca) em troca de apoio e verbas; e os presidentes de estado apoiavam o Governo Federal, que em troca nรฃo interferia nas eleiรงรตes estaduais.
Todas essas prรกticas, alinhadas a outras, como a de colocar na lista de eleitores pessoas mortas ou que nem sequer existiam, serviram para manter as oligarquias rurais no poder.
Nas palavras da historiadora da Fundaรงรฃo Getรบlio Vargas, Dulce Pandolfi:
โEnquanto em outros paรญses a Repรบblica era associada a eleiรงรฃo, partidos, interesse pรบblico e imparcialidade da lei, aqui era identificada com fraude, corrupรงรฃo, interesse particular e ausรชncia do povo. A Repรบblica fora implantada para acabar com os vรญcios do Impรฉrio, mas, pelo menos nas primeiras dรฉcadas, fracassouโ.
O CORONELISMO HOJE EM DIA
Como vocรช pode imaginar, os vรญcios do coronelismo nรฃo foram totalmente superados. Ainda hoje sรฃo comuns no Brasil prรกticas que caracterizam um coronelismo moderno, tais como:
Corrupรงรฃo eleitoral
A troca de votos por cestas bรกsicas ou outros produtos e favores ainda existe, apesar de jรก ter sido muito combatida. Muitos historiadores consideram tais prรกticas como um voto de cabresto moderno (eleitores em situaรงรฃo social vulnerรกvel votam no candidato que o agracia com presentes na รฉpoca das eleiรงรตes).
Coronelismo eletrรดnico
Segundo alguns cientistas polรญticos, o coronelismo se mantรฉm tambรฉm via meios de comunicaรงรฃo, uma vez que alguns donos de redes de rรกdio e televisรฃo sรฃo tambรฉm polรญticos e sรฃo acusados de usar esses instrumentos aย seu favor.
Funcionalismo pรบblico
Na administraรงรฃo pรบblica, a influรชncia e o medo podem levar diversas pessoas a votarem em um candidato, mesmo sem a troca direta de favores. Um exemplo de tal situaรงรฃo รฉ o descrito por Mรกrlon Reis, no livro O Nobre Deputado:
โร preciso delicadeza para abordar o funcionalismo na hora de exigir votos. Nada de ameaรงas diretas. Por exemplo, o prefeito chega para um secretรกrio municipal e diz assim: โEu tenho um sobrinho candidato a deputado, ajude-o por favorโ. O secretรกrio sabe que terรก de prestar aquela ajuda โ e ajudar significa arrebanhar votos -, ou perderรก o emprego. Ele repassa a mensagem no mesmo tom para todos os subordinados, atรฉ que o faxineiro da secretaria, seus familiares, vรกrios amigos e conhecidos empenharรฃo seus votos nesse candidato. Isso decide uma eleiรงรฃo para o Legislativoโ.
Embora nรฃo se possa afirmar que tais prรกticas dominem asย eleiรงรตes brasileiras, elas ainda acontecem. ร necessรกrio o esforรงo conjunto da populaรงรฃo e instituiรงรตes para que as eleiรงรตes sejam cada vez mais livres e o eleitor possa votar sem culpa alguma.
Referรชncias:
โO Nobre Deputadoโ, Mรกrlon Reis
โHistรณria das cavernas ao terceiro milรชnio ” (Volume รบnico), Patrรญcia Ramos Braick e Myriam Becho Mota
Curso โO Poder Legislativoโ (Plataforma Saberes/Senado Federal)
Coronelismo: ele ainda existe? โ Nossa Polรญtica
2 comentรกrios em “Coronelismo: entenda o conceito”
Perfeito, resumido e de bom entendimento.!!!!!
Jรก ouvi falar do assunto, porรฉm o texto รฉ simplesmente perfeito para o entendimento.
Parabรฉns a todos envolvidos na criaรงรฃo desse conteรบdo!!!