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Crise econômica do Chile: entenda o que está acontecendo no país

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Manifestantes na rua com placa SOS CHILE. Conteúdo sobre crise econômica do Chile.
Manifestação em solidariedade ao povo chileno nas ruas de Barcelona em 2019. Foto: Tomo Carbajo/Fotovimiento/Fotos Públicas.

Tudo começou em 6 de outubro de 2019, quando o governo anunciou um aumento de 30 pesos nas passagens do transporte público. Primeiro, foram os estudantes que tomaram as ruas em protestos que se espalharam por várias cidades. Com a adesão de outros participantes, o movimento tomou corpo e as manifestações se tornaram mais agressivas, deixando um saldo de mais de 20 mortos e 9 mil pessoas presas nos primeiros 30 dias de protestos.

Mas tudo isso só por causa do aumento das passagens?

“No es por 30 pesos, es por 30 años”

A frase acima foi recorrente nas manifestações e mostra o espírito da população. Mas o que causou esse descontentamento geral nas últimas 3 décadas?

Para entendermos, vamos voltar um pouco na história chilena.

Em 1970, quando assumiu a presidência do Chile, Salvador Allende tinha um plano de desenvolvimento para o país que visava reduzir as diferenças sociais. Para isso, deu continuidade a reformas agrárias iniciadas por seu antecessor Eduardo Montalva, estatizou bancos e algumas indústrias, como a de mineração, têxtil e alimentícia.

De fato, o país cresceu. De 1970 para 1971 houve um aumento de 12% na produção industrial, (o maior em 20 anos), novos empregos foram gerados e os salários aumentaram. Porém o rápido crescimento ocasionou graves desequilíbrios nas finanças chilenas: o país se endividou ao comprar empresas privadas, e os gastos públicos também aumentaram, especialmente devido aos salários dos trabalhadores que eram dessas empresas e passaram a ser funcionários públicos por causa das estatizações.

Além do aumento de gastos, ocorreu nesse período também um aumento de salários. Com maior poder aquisitivo, a população foi às compras e isso elevou a inflação, que foi de 22% em 1971 para 162% um ano depois.

O governo começou a controlar preços e as empresas reduziram o fornecimento de mercadorias. Dessa forma, começaram a faltar produtos no comércio. A população estava descontente, e a economia, fora de controle.

O golpe militar de 1973

Na imagem, Salvador Allende segurando a bandeira do Chile. Conteúdo sobre a crise econômica do Chile.
Salvador Allende, presidente do Chile de 1970 a 1973. Foto: Reuters.

Com a justificativa de reorganizar a economia e principalmente conter a inflação, os militares tomam o poder em 1973 sob o comando do General Augusto Pinochet.

Para reequilibrar as finanças, o governo decidiu promover drásticos cortes em gastos públicos. Isso deu espaço para as ideias de um jovem grupo de economistas formados na Escola de Chicago – os “Chicago Boys” – que defendiam privatizações, abertura da economia e regime previdenciário de capitalização, no qual as aposentadorias são custeadas somente pelos trabalhadores. Cada um seria responsável pela própria poupança, sem participação do estado ou das empresas.

E quais foram os efeitos dessas medidas na economia chilena? Vejamos cada uma delas:

Privatizações

Os Chicago Boys defendiam a participação mínima do estado na economia. Dessa forma, promoveram a privatização de cerca de 400 empresas, o que reduziu bastante o sistema público. Ocorre que essas privatizações foram realizadas num momento de grande recessão, e isso contribuiu para aumentar a desigualdade social no Chile, pois a propriedade privada ficou concentrada numa minoria mais rica.

Essa desigualdade permanece até hoje e é uma das maiores do mundo. Segundo relatório anual sobre desigualdades globais produzido pela Escola de Economia de Paris, somente 1% da população mais rica do Chile detem 24% da geração anual de riquezas do país. Essa concentração de renda só é menor do que a do Catar (29%) e do Brasil (28%).

Abertura da economia ao comércio exterior

Essa medida ocorreu de forma abrupta, o que ocasionou prejuízos para a indústria chilena. Até hoje a produção industrial do Chile é baseada em produtos primários, mais especificamente minério de cobre. Isso significa que sua indústria é pouco sofisticada, pois o cobre serve de matéria-prima para produtos eletrônicos, por exemplo. Ou seja, o Chile vende a matéria-prima e compra o produto feito com ela.

Leia também: por que as exportações são importantes para um país?

Há dois riscos principais quando a indústria de um país é dependente de produtos primários:

1) Os produtos terão menor valor agregado (serão mais simples e, consequentemente, mais baratos);

2) O preço dos produtos primários são definidos pelo mercado mundial. Quando o barril do petróleo cai, por exemplo, isso acontece em todo o mundo e não em apenas alguns países. O mesmo acontece com o cobre. Isso é ruim para a previsibilidade de lucro das empresas dependentes desses produtos, pois sempre estarão sujeitas às oscilações internacionais.

Regime previdenciário de capitalização

Como já explicamos, esse sistema, implantado no Chile em 1980, prevê que o trabalhador seja o único responsável pela sua aposentadoria. Durante seu período de atividade ele faz uma “poupança” e, ao se aposentar, passa a ter renda mensal proveniente dos anos que investiu.

O Chile foi o primeiro país no mundo a adotar esse sistema. Porém, de uns anos para cá, esse modelo dá sinais de colapso, pois a primeira leva de aposentados da capitalização simplesmente não consegue sobreviver de suas aposentadorias.

Saiba mais sobre previdência aqui!

E por que? Basicamente por dois motivos:

  • No início da capitalização, a expectativa de vida no Chile era de 78 anos. Hoje é de 85 anos. Ou seja, há 7 anos a mais de vida a serem financiados sem prévia programação.
  • Nos últimos 30 anos, as taxas de juros no Chile caíram. Os investimentos aumentaram em volume, porém a rentabilidade deles não foi suficiente para garantir o valor do dinheiro no tempo. Por isso a dificuldade dos aposentados em viverem de seu benefício.

Educação

Há alguns anos o Chile apresenta o melhor desempenho da América do Sul no PISA ( Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que aplica provas de leitura, matemática e ciências em alunos de 79 países). Porém esse dado deve ser analisado com cuidado. O sistema de educação chileno demonstra fortemente a desigualdade social do país: 84% dos universitários pertencem às classes mais altas, contra somente 11% de alunos que provém de famílias mais pobres. Logo, percebe-se que estes últimos são massivamente direcionados a formações técnicas.

Além disso, todo o ensino superior é pago, até mesmo nas faculdades públicas. Em 2018 foi aprovada uma lei que retomaria a gratuidade do ensino, todavia ainda não foi posta em prática.

E então, quais conclusões podemos tirar da situação chilena?

Algumas questões não atingem só o Chile, mas a grande maioria dos países em desenvolvimento:

1 – Baixo desenvolvimento tecnológico da indústria

Há duas grandes consequências quando a indústria de um país depende principalmente de setores primários como a mineração, por exemplo. A primeira delas é sobre a desvantagem comercial, afinal o país que só faz extrações ou atua na agropecuária necessariamente dependerá de outros que lhe forneçam produtos prontos – ou produtos mais elaborados. E, logicamente, o saldo das negociações será negativo para quem possui os produtos mais simples, certo?

O segundo é que produtos primários tem seu preço definido pelo mercado mundial. Não é o produtor quem faz o preço. Isso também foi uma das causas dos atuais problemas econômicos do Chile, pois em 2017 o preço do cobre sofreu forte redução no mercado mundial.

2 – Educação

Por melhor que seja a posição do Chile dentre os países sul-americanos, a predominância do ensino técnico sobre o superior é um entrave para que consiga reverter sua situação econômica. Segundo Oscar Vara, professor de Economia na Universidad Autónoma de Madrid, países que não contam com formação superior qualificada sempre dependerão de tecnologia externa.

3 – Aposentadorias privadas

O sistema de capitalização implementado pela ditadura militar ajudou a sanear as finanças públicas, reduzindo substancialmente os gastos do estado. Porém, como vimos, as taxas de juros e a expectativa de vida foram mantidas constantes na projeção das aposentadorias, e isso foi um problema. De fato, não há como prever a movimentação dessas variáveis num período de 30 anos.

Em entrevista à jornalista Mara Luquet, o CEO de seguros de vida do BTG Pactual Chile Jaime Maluk falou sobre fatores problemáticos em relação às aposentadorias no país. Maluk citou, entre outros, o aumento da expectativa de vida, a queda das taxas de juros e a falta de reavaliação periódica desses dois pontos.

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REFERÊNCIAS

Agência Brasil: no Chile já houve mais de 20 mortes e 9 mil pessoas presas

UOL Economia: reforma da previdência 

El País: o milagre chileno se choca com a realidade

UOL Economia: crise chilena

Extra classe: não é por 30 pesos, é por 30 anos

BBC: protestos no chile 

My News: sistema de capitalização no Chile

Oscar Vara: la economia de Chile 

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Conteúdo escrito por:
Formada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do RS, pós-graduada em Finanças pela Unisinos e pós-graduanda em Revisão de Textos pela PUC Minas. Atuou 17 anos como analista de riscos e gerente de relacionamento empresas em 3 grandes instituições bancárias. Atualmente escreve sobre economia e finanças para sites de investimentos e educação financeira e também é revisora de textos para educação à distância.

Crise econômica do Chile: entenda o que está acontecendo no país

16 abr. 2024

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