Direito da família: o que mudou com a COVID-19?

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Imagem ilustrativa de uma família sentada em um gramado. A ideia é usar a família para representar o direito da família (Reprodução: Pexels)
Imagem ilustrativa de uma família. (Reprodução: Pexels)

A pandemia causada pela covid-19 provocou mudanças significativas em nossas vidas. A incerteza sobre o futuro, o distanciamento social e a necessidade de evitar aglomerações para nos proteger e proteger aqueles que amamos são desafios que nos foram propostos há mais um ano, quando os governadores e prefeitos começaram a decretar as medidas restritivas.

As relações familiares foram afetadas em decorrência da pandemia e, consequentemente, chegaram ao Poder Judiciário diversas demandas envolvendo o Direito de Família. Não é à toa que foi noticiado em diversos veículos de imprensa que o número de divórcios aumentou no período [1].

Assim, devido à necessidade de regulamentar os desafios criados no âmbito familiar, diversas soluções foram criadas, sobretudo, buscando regulamentar os interesses, por exemplo, dos pais que pagam pensão e tiveram seus salários diminuídos ou daqueles que querem visitar o filho e não podem, em razão do risco de contágio.

O objetivo deste artigo é explicar e demonstrar se houve alguma alteração legislativa no âmbito do direito de família e verificar como estão sendo decididos os conflitos judiciais levados ao Poder Judiciários em meio aos desafios trazidos pela covid-19.

Convivência com os pais: como estão ocorrendo as visitas?

O direito à convivência familiar é um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, previsto na Constituição Federal e replicado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 4 e 19. Ou seja, é direito da criança conviver com ambos os pais. No caso de pais separados, ainda que a guarda do filho seja compartilhada, geralmente a criança reside com um deles e mantém a convivência com o outro através das visitas, sendo que o regime de convivência pode ser regulamentado judicialmente ou acordado entre os genitores (pais).

Com o advento da pandemia de COVID-19 e as medidas restritivas impostas, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em primeiro momento poderíamos avaliar que essa convivência com o genitor que não reside com a criança seria prejudicada, uma vez que com as visitas sendo mantidas regularmente haveria o risco de aumentar o contágio, considerando que o genitor e a criança não convivem na mesma casa.

Dessa forma, no exemplo mencionados, teríamos o conflito de dois direitos fundamentais: o direito à convivência familiar em conflito com o direito à saúde. Em que pese a existência do conflito, não houve alteração legislativa para este tema. Dessa forma, os juízes estão se baseando nos princípios jurídicos e legislações já existentes para decidir os processos judiciais e impor regras temporárias para a realização das visitas, considerando o risco de contágio.

É certo que o distanciamento social não pode ser usado como argumento para a ruptura de laços de um genitor com o menor e tampouco pode ser um motivo para impedir a divisão de responsabilidades entre os pais na sua criação. Assim, caso a saúde da criança não esteja em risco concreto, o convívio através das visitas deve ser mantido.

Isto é, uma vez que o genitor também esteja cumprindo as medidas de prevenção e o distanciamento social, não é justificável a suspensão do convívio pessoal entre ele e seu filho tão somente com o argumento do risco de contágio abstrato. Nesse sentido estão sendo as decisões nos casos que foram submetidos à apreciação do Poder Judiciário.

Caso o genitor esteja mais exposto ao vírus e o contato físico seja mais arriscado, como ocorre com os profissionais da saúde, o convívio pessoal com o filho pode ser suspenso como uma forma de segurança e prevenção. Porém, a convivência pode e deve ser mantida através da tecnologia que se tem a disposição. Ou seja, através de ligações telefônicas e chamadas de vídeo pela internet, visando sempre o melhor para o desenvolvimento pleno e sadio do menor.

Os reflexos do isolamento social na pensão alimentícia

O necessário isolamento social, inegavelmente, impactou as relações econômicas. Diversas pessoas perderam seus empregos e profissionais autônomos tiveram uma grande redução em sua renda. Em decorrência disso, os valores anteriormente estabelecidos a título de pensão alimentícia, em um primeiro momento, tornaram-se impossíveis de serem mantidos e efetivamente pagos por essas pessoas.

Em relação ao tema, os pais têm o dever de sustentar os filhos menores, de modo que a Constituição Federal, em seu artigo 229 e o Código Civil, nos artigos 1.566 e 1.634, estabelecem de forma expressa este dever decorrente do Poder Familiar. A necessidade alimentar do menor é presumida e existe independentemente das condições que ele ou o genitor com quem ele resida tenha, já que é um dever de ambos os pais.

Dessa forma, não é possível que o genitor deixe de prestar alimentos ao filho menor sob o argumento de que está desempregado, já que o menor não pode ficar desamparado, sem o mínimo necessário para a sua sobrevivência.

Entretanto, os valores devidos a título de pensão alimentícia não são imutáveis e podem ser revistos judicialmente a qualquer tempo, desde que haja uma modificação na situação econômica das partes. Isto é, considerando a modificação das possibilidades financeiras de quem paga e a necessidade de quem recebe os alimentos (aumento das despesas escolares, plano de saúde, despesas da faculdade etc.).

A perda da capacidade financeira do genitor não é presumida, pois o genitor – em um processo judicial – deve prova-la mediante a apresentação de provas em um processo de revisão de alimentos. Ou seja, não basta dizer que não é possível pagar a pensão por conta da pandemia. É preciso apresentar evidências de que a pandemia gerou diminuição da renda.

Também não houve alteração legislativa específica para esses casos e, dessa forma, os juízes estão decidindo de acordo com os princípios e legislações já existentes sobre o tema. As decisões proferidas nas ações revisionais apresentadas tem exigido que o genitor prove que sofreu os impactos da crise econômica decorrentes do necessário isolamento social e, assim, teve uma redução significativa em sua renda.

Da mesma forma, caso as provas não sejam suficientes ou não demonstrem de forma efetiva que o genitor sofreu os reflexos econômicos da pandemia em sua renda, os valores estão sendo mantidos, visando o princípio do melhor interesse do menor.

Alterações relacionadas à prisão do devedor de alimentos

Existem dois procedimentos que podem ser seguidos para a execução (cobrança) de alimentos (pensões) em atraso:

  • o rito da penhora, através do qual é possível bloquear valores em contas bancárias e penhorar bens de propriedade do devedor para o pagamento da pensão alimentícia;
  • e o rito da prisão civil do devedor de alimentos. Esta é a única possibilidade de prisão civil por dívida existente em nosso ordenamento jurídico.

A prisão do devedor de alimentos pode ser decretada para a execução da pensão alimentícia em atraso dos últimos três meses antes do ajuizamento da execução. E mesmo após a prisão, o devedor não se exonera de pagar os valores em atraso.

Porém, com o advento da pandemia de COVID-19, as prisões que anteriormente eram cumpridas em regime fechado, passaram a não serem mais recomendadas. Assim, no dia 17 de março de 2020 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a recomendação 62/2020, estabelecendo regras a serem consideradas pelos juízes ao decretar prisões no período da pandemia. A recomendação expressa no artigo 6º que os magistrados determinassem a prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, para diminuir os riscos de contágio e disseminação do vírus.

O conteúdo foi atualizado pelas Recomendações 68/2020 e 78/2020, de 17 de junho de 2020 e 15 de setembro de 2020, respectivamente. O Superior Tribunal de Justiça também passou a proferir decisões nesse sentido, decretando que o cumprimento da prisão do devedor de alimentos seja em regime domiciliar.

Além disso, em junho de 2020 foi sancionada a Lei 14.010/2020, que criou o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia de coronavirus, que tratou expressamente desse tema no artigo 15. Ali, fica determinado que as prisões civis por dívida alimentícia sejam cumpridas exclusivamente em regime domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. Entretanto, conforme o disposto no mesmo artigo, essa norma teria validade até o dia 30 de outubro de 2020.

Observa-se que, mesmo após ultrapassado o prazo previsto na lei 14.010/2020, os juízes continuaram decidindo no sentido de que a prisão do devedor de alimentos seja cumprida em regime domiciliar, seguindo as Recomendações editadas anteriormente e levando em consideração os motivos que foram determinantes para a edição da própria lei. Isso porque a pandemia não acabou e o risco de contágio e disseminação do vírus ainda existe, assim como era quando a lei foi sancionada.

Conclusão

Este momento talvez seja o pior de nossa geração. A pandemia de COVID-19 afetou nossas vidas em diversas áreas, financeiramente e socialmente e, consequentemente as relações familiares também foram afetadas. Observa-se que, uma vez que não houveram muitas alterações legislativas especificamente voltadas para o direito de família, os juízes estão proferindo suas decisões baseando-se nos princípios e legislações já existentes, porém com o cuidado que este período de crise e as próprias relações familiares exigem.

Já que as relações familiares tratam de pessoas que necessariamente têm um vínculo, anterior ao período da pandemia e que irá existir após esse período, o melhor é manter a boa convivência e estabelecer um diálogo entre as partes, de modo que, caso isso não seja possível e a intervenção do magistrado se faça necessária, suas decisões também sejam visando o melhor para todos e sem comprometer a boa convivência que deve existir.

REFERÊNCIAS

[1] Divórcios crescem 54% no brasil após queda abrupta no início da pandemia. Época. Disponível em: https://epoca.globo.com/brasil/divorcios-crescem-54-no-brasil-apos-queda-abrupta-no-inicio-da-pandemia-24635513. Acesso em 05/04/2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 05/04/2021.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 05/04/2021.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 29/03/2021.

BRASIL. Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14010.htm>. Acesso em: 05/04/2021.

Pandemia trouxe novos desafios ao Judiciário na análise da situação dos presos. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em : https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/14032021-Pandemia-trouxe-novos-desafios-ao-Judiciario-na-analise-da-situacao-dos-presos.aspx. Acesso em: 05/04/2021.

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Silva, Angela; Faria, Dra.. Direito da família: o que mudou com a COVID-19?. Politize!, 15 de abril, 2021
Disponível em: https://www.politize.com.br/direito-da-familia-o-que-mudou-com-a-covid-19/.
Acesso em: 12 de dez, 2024.

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